Fugas - Vinhos

Luís Ramos

Bastardinho de Azeitão, um vinho notável

Por Rui Falcão

Nem todos se apercebem da distância que separa a Europa dos países do novo mundo, uma separação que divide consumidores e produtores de dois mundos tão diferentes.

Entre a Europa e o resto do mundo convivem duas concepções distintas na forma de interpretar o vinho. Enquanto a Europa assenta a sua estrutura na noção de autenticidade, na identificação do local de origem, na existência e valorização das denominações de origem, os países do novo mundo moldaram a sua lógica de produção fixando-se no nome das castas internacionais mais conhecidas e de maior prestígio das grandes denominações de origem europeias. Procuraram com este pequeno subterfúgio aproveitar o reconhecimento internacional qualitativo que muitas das regiões europeias mais famosas conseguiram acumular ao longo do tempo.

Como estratégia de afirmação para quem partia com a evidente desvantagem de não ter tempo para desenhar as suas próprias denominações, a decisão foi brilhante, redefinindo ao mesmo tempo o entendimento mundial do vinho. O novo mundo definiu uma estratégia tão despretensiosa e ganhadora na sua simplicidade que esta foi prontamente adoptada e partilhada por todos os produtores dos países do novo mundo. Para cúmulo, mesmo que habitualmente de forma dissimulada, a estratégia acabou por ser copiada por alguns produtores ou regiões europeias, sobretudo nas regiões mais jovens e menos consagradas, que não dispunham da benesse de um passado glorioso.

Na Europa o vinho sempre foi entendido como o corolário de um conjunto de muitas condições, ressalvas que sempre foram consideradas tão importantes ou decisivas como a simples escolha da casta. Foi assim que a Europa acabou por definir o conceito de terroir, figura que engloba detalhes tão diversos quanto a natureza dos solos, clima, exposição, condução da vinha, densidade de plantas por hectare, proximidade de linhas de água, altitude, rega, poda, enxertos ou idade da vinha.

Mas se o sentimento geral europeu aponta para esta diversidade e originalidade de pensamento, Portugal mostra-se ainda mais exótico e original na forma de entender o vinho. Ainda mais que a ideia de terroir, a preferência lusitana sempre se dirigiu para a arte do lote, para a imaginação de conjugar diferentes castas em cada vinho numa lógica que pretende não só sobrepor as qualidades de cada casta individual, como ainda diminuir o risco associado às dificuldades pontuais de cada variedade, diluindo o perigo de estar dependente de uma só casta.

Ou seja, o modelo português sempre privilegiou a região e o lote, enaltecendo as características de cada denominação de origem em detrimento das castas individuais. Para nós, portugueses e europeus, o que realmente interessa é o nome da região, já que é ela que determina o estilo do vinho. Quando pensamos num Vinho Verde, imaginamos de imediato um vinho leve, fresco e acídulo, com uma graduação alcoólica mais baixa. Mesmo que isso possa ser considerado como um estereótipo, intuitivamente pensamos que os tintos alentejanos são frutados, sedosos nos taninos, de perfil quente e final dócil. O mesmo para as restantes regiões nacionais e europeias. De forma mais ou menos assente em preconceitos que podem chegar a ser redutores, acabamos por construir imagens dos vinhos de cada região.

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