Mas, mesmo assim, por vezes conseguimos ser surpreendidos por vinhos que fogem ao tal carácter que esperamos de cada denominação. Por vezes somos confrontados com castas pouco usuais, com acasos da natureza que fogem à lógica reinante, com interpretações que se afastam do que foi idealizado para cada denominação de origem. Por vezes os resultados são grotescos, por vezes tragicómicos, por vezes interessantes, por vezes geniais. Entre esses vinhos geniais e pouco comuns com a região encontramos um dos grandes vinhos fortificados de Portugal, o Bastardinho de Azeitão da José Maria da Fonseca.
É talvez um dos vinhos mais interessantes de Portugal e muito certamente um dos mais raros do mundo. Apesar de a casa ainda hoje continuar a engarrafar parcimoniosamente umas poucas centenas de garrafas por ano, o Bastardinho de Azeitão deixou há muito de ser feito quando as últimas vinhas foram arrancadas para dar lugar a urbanizações suburbanas, indústrias pesadas e um ou outro investimento turístico na margem Sul de Lisboa, em vinhas que se estendiam entre as praias da Costa da Caparica, Charneca e o Lavradio.
O Bastardinho de Azeitão é muito mais que um dos muitos vinhos fortificados que Portugal produz com excelência. O Bastardinho de Azeitão no lote habitual de trinta anos é um dos vinhos mais emocionantes de Portugal, um dos tesouros mais preciosos do imenso património dos vinhos fortificados nacionais. Como o nome o sugere, é elaborado com a casta Bastardo, a mesma que está intimamente ligada aos primórdios do Vinho do Porto. Uma casta tinta muito precoce e de teores de açúcar muito elevados que por casualidade quase não tem cor. Mas quem se preocupa com a cor quando os vinhos são magníficos e ganharam com um longo estágio no silêncio das caves?
Nos velhos cascos de madeira que repousam em Azeitão já só descansam cinco milhares de litros, o suficiente para assegurar pouco mais de quinze a vinte anos de alegria e exultação. Por isso, a casa decidiu mudar o lote passando a exibir um Bastardinho de Azeitão com indicação de idade quarenta anos, um vinho ainda mais voluptuoso, complexo e completo que o lote anterior. Os rendilhados intricados do mel, caramelo, tosta e figos secos são sublimados por uma acidez natural intensa que elevam o final transformando-o num dos grandes vinhos do mundo.