É oficial e não é de agora: o ano de 2014 não fará parte do rol das grandes declarações de Porto Vintage, os anos em que a maioria esmagadora das casas se apresenta ao mercado levando na bagagem vinhos cuja grandeza está à partida garantida pela bondade do clima, desde a floração à vindima. Como 2014 foi um ano que esteve longe de cumprir essas exigências, a declaração de Vintage ficou resumida a meia dúzia de casas, principalmente quintas com base no Douro. Das casas clássicas, só a Quinta do Noval e a Ramos Pinto foram a jogo. Mas a Noval apostou “apenas” no seu vintage “normal”, ou seja não declarou o Nacional, e a Ramos Pinto apostou no lançamento do Quinta do Bom Retiro, um “single quinta” que na hierarquia do sector aparece no segundo lugar da tabela da qualidade. Depois, a estas companhias juntaram-se a Vallegre, o Vale Meão, o Vallado ou a Quinta de La Rosa, entre muito poucas mais.
Mas, quer isto dizer que quando há um ano não clássico os Vintage que chegam ao mercado são, por assim dizer, medianos ou menos bons? Não, longe disso. Em primeiro lugar porque, se as declarações generalizadas de Vintage obedecem em primeiro lugar à qualidade do ano, muitas vezes são condicionadas pela pressão do mercado. Se há um ano extraordinário em 2011 que leva o grosso das companhias a produzir Vintage, mesmo que 2012 o seja também nem todas seguirão a mesma estratégia – há stocks a gerir e preços a manter. O caso mais simbólico desta dependência do mercado acontecem em 1931, quando só a Noval declarou o seu Vintage (desde logo considerado um dos mais memoráveis do século XX) porque a Grande Depressão de 1929 tinha travado as vendas do Vintage de 1927. Note-se, porém, que não é o caso deste ano: a última declaração geral aconteceu precisamente em 2013 com os Vintage de 2011.
Depois, a avaliação da qualidade da vindima está longe de ser um exercício objectivo e consensual. Em 1982 e 1983 as opiniões dividiram-se sobre que ano tinha sido melhor. Em 2000 e 2001 os dilemas repetiram-se. Regra geral, só o tempo consegue tirar todas as dúvidas – os anos de garrafa vieram provar que 1983 é um ano extraordinário, embora haja militantes a favor quer de 2000, quer de 2001. E é também por isso que há anos Vintage que vieram com o tempo a perder algum do seu fulgor, ao mesmo tempo que há certos anos off-vintage (na expressão anglo-saxónica) que ganharam outro lustro com a idade. Para baralhar ainda mais a interminável (e deliciosa) discussão sobre o Vintage, deve ainda notar-se que há declarações gerais em que todos os vinhos são excelentes (casos de 1945, 1963, 2004 ou 2011), como há anos em que só alguns são extraordinários – um bom exemplo é a comparação do Graham’s de 1980 com o Dow’s do mesmo ano: são vinhos de outro campeonato, no qual o Dow’s se destaca claramente.
O ano de 2014 jamais poderia entrar numa disputa dessa natureza – porque o ano climático foi mau. No Inverno, a chuva foi inclemente. Na época da floração foi instável, com as temperaturas relativamente acima dos valores médios. No princípio de Julho, uma tempestade debateu-se sobre o Douro e causou danos na região, principalmente na área em torno do Pinhão. Depois, o Verão esteve longe de ser quente, mas não foi por aí que a qualidade da vindima ficou afectada – anos como o de 2007, com Verões frescos, costumam garantir maturações equilibradas e homogéneas. De resto, na memória do ano escrita por Paul Symington, nota-se que as primeiras uvas a chegar às adegas no final de Agosto “estavam em condições adoráveis: com películas suaves, bagos cheios, açucares e acidez equilibrados, perfeitas para fazer grandes Porto e Douro muito bons”. Até que a chuva chegou.
O que aconteceu a seguir dependeu do local onde as vinhas estavam instaladas. No Baixo Corgo e no Cima Corgo, a maior parte da produção foi afectada pela instabilidade do tempo e pela precipitação. No Douro Superior, onde as uvas amadurecem mais cedo, boa parte da vindima fez-se em boas condições – quando a chuva se anunciou, a Quinta do Vale Meão já tinha vindimado 85% da sua produção. E mesmo no Cima Corgo, as vinhas nas zonas mais profundas do vale, perto do rio, puderam fazer a colheita em tempo seco – foi o caso da Quinta do Javali, em Nagozelo do Douro, concelho de São João da Pesqueira. No resto da região, os resultados nem sempre foram os melhores, por muito que, como nota Paul Symington na sua memória, nesse ano tenha havido estupendas produções de Touriga Nacional, de Touriga Franca e de Sousão, as castas que, regra geral, fazem a base dos lotes dos Vintage.
Os vinhos de 2014 que foram declarados na categoria Vintage e que entraram nesta prova reuniram no essencial o lado mais positivo do ano. São vinhos nos quais a elegância se sobrepõe à potência, onde a dimensão floral da Touriga ganha peso à expressão da fruta madura e concentrada. São, no geral, Vintage muito apelativos e interessantes, com aromas que sem serem, no geral, prodigiosos pela intensidade, mostram uma dimensão de delicadeza que vale a pena realçar. E são, ao mesmo tempo, vinhos com boa acidez, uma característica fundamental para que possam crescer na garrafa ao longo das próximas décadas. Serão vinhos do outro mundo? A essa questão só o tempo pode responder. Em princípio, serão sempre vinhos magníficos. Estando em causa uma incerteza própria da natureza dos Vintage, o melhor é experimentar e guardar, ficando-se à espera do veredicto do ambiente redutor da garrafa
Quinta do Bom Retiro Vintage 2014
95
Adriano Ramos Pinto
Preço: 56€ (em www.garrafeirasaojoao.com)
Aroma muito aberto, domínio da violeta, boa presença de fruta vermelha madura. Tanino finíssimo mas muito potente. Na boca apresenta-se com uma frescura fantástica e uma dimensão de fruta extraordinária. Acidez e tanino bem conjugado. Um vintage feminino na dimensão da fruta, mas com garra na componente tânica e na acidez. É sem dúvida o mais tenso dos quatro vinhos provados e o que exige mais tempo de garrafa para mostrar todo o seu potencial. Foram produzidas 9000 garrafas.
Quinta do Javali Vintage 2014
93
Quinta do Javali
Preço: 70€
Boa fruta, sugestões balsâmicas (cedro) e vegetais (espargo), notas de terra húmida e de caixa de tabaco. É o Vintage menos previsível na dimensão da fruta e também o menos subtil de todos na sua expressão aromática. Na boca é um vinho gordo, com tanino bem mais temperado do que é normal esperar num Vintage tão jovem, apresentando uma boa envolvência e harmonia. Sedoso, com boa fruta, razoável complexidade. Pensado para ser consumido mais cedo, é um vinho com personalidade própria. Uma agradabilíssima surpresa.
Quinta do Noval Vintage 2014
94
Quinta do Noval
Preço: 95€ (em www.garrafeiranacional.com)
O Noval é um Vintage razoavelmente contido nos aromas. Exige tempo para se abrir e se revelar. Depois, revela-se o mais acentuadamente floral, delicado e fino, deixando no ar aromas de bosque magníficos. Na boca tem o poder dos Noval, mas igualmente a delicadeza. Está longe de ser uma bomba na estrutura ou na acidez, mas não é um Vintage frágil: sua estrutura é evidente e a acidez final vibrante. Mas é pela qualidade da fruta e das sensações que deixa na boca, principalmente no final, que este Vintage merece especial crédito. Produziram-se 12 mil garrafas
Vale Meão Vintage 2014
94
Vale Meão
Preço: 45€
Os Vale Meão começam a consolidar o seu estatuto de projecto nascido para o DOC Douro que melhor está a lidar com as exigências do Vintage – as suas edições da primeira metade da década de 2000 estão magníficas. Entre os vinhos provados, este Vintage é o que apresenta o nariz mais complexo e com a marca mais visível da fruta, envolta ainda assim numa harmoniosa teia onde entra a maresia, iodo, chá verde e sugestões de violeta. Na boca, é especialmente volumoso e intenso, que começa por deixar o rasto da doçura da fruta jovem para depois impactar o palato com o seu tanino firme e fino. Acaba num festival de fruta que persiste na boca durante muito tempo.