Fugas - Vinhos

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Afinal até há boas notícias do Vintage de 2014

Por Manuel Carvalho

A época das vindimas de 2014 foi desastrosa para a maioria dos produtores durienses. A chuva de Setembro estragou um ano que até então parecia auspicioso. Mas nem todas as vinhas naufragaram na mediania. Há belos Vintage que merecem ser conhecidos.

É oficial e não é de agora: o ano de 2014 não fará parte do rol das grandes declarações de Porto Vintage, os anos em que a maioria esmagadora das casas se apresenta ao mercado levando na bagagem vinhos cuja grandeza está à partida garantida pela bondade do clima, desde a floração à vindima. Como 2014 foi um ano que esteve longe de cumprir essas exigências, a declaração de Vintage ficou resumida a meia dúzia de casas, principalmente quintas com base no Douro. Das casas clássicas, só a Quinta do Noval e a Ramos Pinto foram a jogo. Mas a Noval apostou “apenas” no seu vintage “normal”, ou seja não declarou o Nacional, e a Ramos Pinto apostou no lançamento do Quinta do Bom Retiro, um “single quinta” que na hierarquia do sector aparece no segundo lugar da tabela da qualidade. Depois, a estas companhias juntaram-se a Vallegre, o Vale Meão, o Vallado ou a Quinta de La Rosa, entre muito poucas mais.

Mas, quer isto dizer que quando há um ano não clássico os Vintage que chegam ao mercado são, por assim dizer, medianos ou menos bons? Não, longe disso. Em primeiro lugar porque, se as declarações generalizadas de Vintage obedecem em primeiro lugar à qualidade do ano, muitas vezes são condicionadas pela pressão do mercado. Se há um ano extraordinário em 2011 que leva o grosso das companhias a produzir Vintage, mesmo que 2012 o seja também nem todas seguirão a mesma estratégia – há stocks a gerir e preços a manter. O caso mais simbólico desta dependência do mercado acontecem em 1931, quando só a Noval declarou o seu Vintage (desde logo considerado um dos mais memoráveis do século XX) porque a Grande Depressão de 1929 tinha travado as vendas do Vintage de 1927. Note-se, porém, que não é o caso deste ano: a última declaração geral aconteceu precisamente em 2013 com os Vintage de 2011.

Depois, a avaliação da qualidade da vindima está longe de ser um exercício objectivo e consensual. Em 1982 e 1983 as opiniões dividiram-se sobre que ano tinha sido melhor. Em 2000 e 2001 os dilemas repetiram-se. Regra geral, só o tempo consegue tirar todas as dúvidas – os anos de garrafa vieram provar que 1983 é um ano extraordinário, embora haja militantes a favor quer de 2000, quer de 2001. E é também por isso que há anos Vintage que vieram com o tempo a perder algum do seu fulgor, ao mesmo tempo que há certos anos off-vintage (na expressão anglo-saxónica) que ganharam outro lustro com a idade. Para baralhar ainda mais a interminável (e deliciosa) discussão sobre o Vintage, deve ainda notar-se que há declarações gerais em que todos os vinhos são excelentes (casos de 1945, 1963, 2004 ou 2011), como há anos em que só alguns são extraordinários – um bom exemplo é a comparação do Graham’s de 1980 com o Dow’s do mesmo ano: são vinhos de outro campeonato, no qual o Dow’s se destaca claramente.

O ano de 2014 jamais poderia entrar numa disputa dessa natureza – porque o ano climático foi mau. No Inverno, a chuva foi inclemente. Na época da floração foi instável, com as temperaturas relativamente acima dos valores médios. No princípio de Julho, uma tempestade debateu-se sobre o Douro e causou danos na região, principalmente na área em torno do Pinhão. Depois, o Verão esteve longe de ser quente, mas não foi por aí que a qualidade da vindima ficou afectada – anos como o de 2007, com Verões frescos, costumam garantir maturações equilibradas e homogéneas. De resto, na memória do ano escrita por Paul Symington, nota-se que as primeiras uvas a chegar às adegas no final de Agosto “estavam em condições adoráveis: com películas suaves, bagos cheios, açucares e acidez equilibrados, perfeitas para fazer grandes Porto e Douro muito bons”. Até que a chuva chegou.

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