Por muito que queiramos desvalorizar o papel do vinho francês ou que queiramos diminuir a sua importância, a realidade encarrega-se de recordar que os vinhos franceses continuam a ser a referência principal, a bitola por que todos se querem reger.
Será difícil reivindicar conhecimentos vastos sobre o universo do vinho sem nunca ter provado um vinho francês, sem nada saber sobre os vários estilos, castas e regiões francesas. Seguindo o mesmo raciocínio, será quase impossível poder dissertar alegremente sobre os vinhos franceses sem demonstrar conhecimento sobre os vinhos de Bordéus, muito provavelmente a região mais conhecida e valorizada no mundo, sobretudo depois de descontarmos Champagne. Região que adoptou o nome da cidade homónima francesa que fica situada no Sul da França ocidental, junto à região costeira do oceano Atlântico. É de longe a maior das regiões francesas, chegando a produzir cerca de um quarto da produção total de vinho certificado francês.
A produção é interinamente dominada pelos vinhos tintos, que representam mais de quatro quintos da produção total da região, enquanto os vinhos brancos não representam mais que 15% da produção total. Curiosamente, e apesar de praticamente nem pesar no volume de produção, os vinhos brancos doces, onde se incluem os famosos Sauternes e Barsac, estão entre os mais conhecidos e valorizados no mundo. A influência climática do Atlântico é tão marcada que a chuva acaba por se revelar como uma das grandes protagonistas de Bordéus condicionando a vindima de forma tão pronunciada que muitas colheitas ficam comprometidas enquanto outras atingem o paraíso. Por isso, o ano de colheita presente no rótulo é um dado tão importante nos vinhos de Bordéus, implicando variações de preço desmedidas que chegam a assustar pela disparidade.
A reputação mundial de Bordéus assenta maioritariamente nos grands vins (grandes vinhos) produzidos por alguns dos mais famosos chateaux do mundo. Os melhores são capazes de viver muitas décadas em garrafa. Mas, apesar de estes vinhos míticos representarem o cimo da pirâmide qualitativa de Bordéus, eles exprimem uma parte muito ínfima da produção da região. Para além do glamour e sedução que ganham as atenções mediáticas, Bordéus é responsável por um mar de vinhos profundamente simples e indistinto que inclui centenas de vinhos de qualidade duvidosa.
A região pode ser dividida em duas grandes sub-regiões naturais, as margens esquerda e direita do rio. Se os vinhos mais simples são produzidos em qualquer área de Bordéus, assumindo o nome genérico Bordéus, os vinhos mais caros e reconhecidos são provenientes de alguma das muitas sub-regiões específicas, situadas tanto na margem esquerda como na margem direita.
Embora de forma genérica, podemos dizer que as duas margens diferem na composição dos solos, com o cascalho e pedra rolada a sobressair na margem esquerda e a argila a dominar a paisagem da margem direita. Como consequência, o Cabernet Sauvignon, conhecido pela sua afinidade com o cascalho, é a casta mais importante das vinhas da margem esquerda, sobretudo nas sub-regiões de Haut-Médoc e Pessac-Léognan, enquanto o Merlot, conhecido pela sua afinidade com a argila, é a casta mais relevante da margem direita, com destaque especial para as sub-regiões de St. Emilion e Pomerol.