Fugas - Vinhos

  • Sérgio Azenha
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Um vinho tão bom que nem precisava de navegar

Por Manuel Carvalho

A ideia de recuperar a lenda dos “torna-viagem” faz sentido como operação de marketing. Mas será que a vida a bordo por três meses torna um vinho melhor? O “caso” Poseidon está aí a abrir a discussão.

A procura permanente de vinhos originais por parte dos consumidores sempre deu origem às mais ousadas estratégias dos departamentos de marketing das empresas. Há quem enterre vinhos, há quem os afunde na água de um rio ou de um lago em prolongados estágios e há quem os ponha a viajar de barco. Claro que, nesta última aposta, há uma tradição antiga e comprovadamente bem-sucedida — caso dos lendários vinhos do Porto que casas como a Hunt, Roope & Teage, da família Newman, levavam e faziam regressar da Terra Nova ou os Madeira que cruzavam o Equador em viagens de ida e volta para o Brasil. Agora, é a vez da Lua Cheia em Vinhas Velhas, uma empresa cujos vinhos vale a pena conhecer, apostar num vinho que, antes de chegar ao mercado, passou 81 dias a bordo de um navio numa longa viagem entre Portugal e o Canadá.

Valeu a pena a viagem? Bom, não se perdeu nada de muito relevante. E o vinho mudou muito? Não parece ser caso para dizer que os efeitos da ondulação ou as diferenças prováveis de temperatura tenham causado transformações espectaculares. A verdade é que, antes de embarcar, este tinto de 2014 era já uma criação com garra, classe e poder de sedução. Era (e é) um belíssimo vinho. Ganhou alguma coisa na sua condição de embarcadiço? Sim, numa comparação com um lote que ficou em terra, pode dizer-se que o vinho que chegou ao mercado está mais evoluído, com mais volume e concentração. Mas, no cômputo geral, valeu a pena o esforço? Uma prova comparativa entre o lote que ficou e o que partiu e regressou há-de dividir as opiniões. Nas garrafas que a Fugas experimentou, as dúvidas acentuam-se quando se nota que há uma elegância, uma delicadeza no aroma e uma harmonia no conjunto do vinho original que perdeu algo do seu brilho no vaivém.

Para o que interessa, o Poseidon que está no mercado é um belo vinho. Oriundo de vinhas velhas do Douro, é rico e complexo no aroma, com notas balsâmicas, urze e sugestões florais. Na boca tem volume, uma estrutura polida mas com impacte e tensão, e uma frescura final que denuncia a sua proveniência de zonas mais altas do vale, lhe confere graça, persistência e o torna irresistivelmente guloso. Bom para a mesa, é também um daqueles vinhos que se mastigam a solo. Uma bela criação, que, à margem do impacte que a viagem e a torna-viagem lhe causaram, tem a seu favor um outro mérito: o de ter associado uma história para contar e, já agora, convida a um debate interessante sobre o poder que o marketing tem na construção das imagens dos vinhos. 

 

Poseidon 2014

Lua Cheia em Vinhas Velhas, Ílhavo

Graduação: 13,5% vol

Região: Douro

Pontuação: 90

Preço: 25€

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