As principais casas de vinho do Porto têm uma decisão difícil para tomar nas próximas semanas: saber se declaram 2015 como vintage clássico ou se aguardam mais um ano e declaram 2016. É uma decisão difícil porque estão em causa muitos milhões de euros. Todos os sinais apontam para que a escolha da maioria recaia em 2016, mas há uma companhia que já decidiu ir em sentido contrário: a Niepoort. “Não sei porque se estão todos a cortar, mas para mim é claro que 2015 é um grande, grande ano, o melhor que vi na vida. O ano de 2016 não lembra ao diabo. Nasceu torto na floração e continuou torto na vindima, embora tenha melhorado no final. Os vinhos são mais madurões, mais concentrados, mais ao gosto dos ingleses, mas não têm o equilíbrio e a perfeição dos vinhos de 2015”, afirma Dirk Niepoort.
Nenhuma outra categoria de vinho do Porto é tão rentável como o Porto Vintage (um vinho de uma só colheita produzido em anos de excepcional qualidade e que envelhece em garrafa). Pode começar a ser comercializado ao fim de dois anos e, sendo clássico (designação que se dá à elaboração de Porto vintage com as marcas principais das empresas do sector) atinge margens de lucro fabulosas. Custa tanto a produzir como um LBV, por exemplo, mas é vendido mais cedo e por um preço quatro a cinco vezes superior ou até mais
Nas últimas duas décadas, sobretudo, o Porto Vintage tem sido uma importante fonte de receitas para as principais companhias do sector, ajudando a atenuar as quebras constantes nas vendas das categorias inferiores. O que faz a fama deste vinho é a circunstância de só haver dois a três “anos vintage” por década. Chama-se “ano vintage” aos anos em que há uma declaração generalizada de vintage clássico, envolvendo todas as grandes casas do sector. Nos anos menos bons, o normal é haver declaração de vintage de quinta (vintages produzidos com uvas da mesma propriedade e com o nome desta), mais baratos.
Na década passada houve vintage clássico generalizado em 2000, 2003 e 2007. Nesta, só 2011 foi ano vintage — por sinal, um dos mais aclamados de sempre. Antes da última vindima, era mais ou menos consensual que as maiores casas iriam declarar vintage clássico em 2015. Mas a vindima de 2016 veio baralhar tudo. O ano foi dos mais atípicos de que há memória. Choveu muito no Inverno e na Primavera, o que provocou um grande surto de míldio, e o Verão foi excessivamente quente, dos mais quentes desde que há registos. A partir do dia 12 de Setembro as temperaturas baixaram bastante e começou a chover com grande intensidade. O sol só voltou em pleno mais de uma semana depois, mas ainda a tempo de salvar a vindima, que se arrastou pelo mês de Outubro. A chuva acabou por ter um efeito milagroso, ao ajudar a desbloquear a maturação, e o tempo quente e seco que se seguiu permitiu aumentar a concentração das uvas e fazer vinhos surpreendentemente bons.
Os enólogos e administradores das principais casas de vinho do Porto estão agora com um problema em mãos, divididos entre a vontade de declarar vintage clássico em 2015, mais por razões económicas, e a convicção de que os vinhos de 2016 são melhores. No caso da Sogrape, a opção por 2016 já está tomada. “Os vinhos de 2015 são bons, mas nunca achei que fossem extraordinários. Os 2016 não são super-estruturados, mas possuem uma harmonia e uma consistência fabulosas”, sustenta Luís Sottomayor, enólogo da Casa Ferreirinha.
Na família Symington, detentora das marcas Graham’s, Dow’s e Warre’s, entre outras, ainda não há um veredicto, mas o perfil conservador dos seus membros poderá pender em favor de 2016. “Os vinhos de 2016 são muito bons, mas vamos ver como saem deste Inverno”, diz Joe Álvares Ribeiro, administrador do grupo, garantindo que a decisão final será tomada “pelos cinco elementos da família na sala de provas, não na sala da administração”.
Por sua vez, os responsáveis da grupo Fladgate Partnership mantêm-se fiéis à tradição do grupo de só anunciar a decisão no dia 23 de Abril, dia de São Jorge. Pelo seu historial recente, não admiraria que a escolha recaísse em 2015. A Fladgate Partnership também furou o consenso quando, numa decisão histórica, declarou vintage em 2009 para as casas Taylor’s, Fonseca e Croft, já depois de ter feito o mesmo em 2000, 2003 e 2007. Mas, mesmo que seja essa a opção, é certo e seguro que o sector não viverá a mesma euforia que viveu com o 2011, o mais consensual e aplaudido vintage das últimas décadas. Será o melhor? Essa é uma resposta que ainda vai demorar a ser dada. O que a história do vinho do Porto nos tem ensinado é que há colheitas pouco promissoras que acabam por revelar-se extraordinárias — e vice-versa. Quem sabe se Dirk Niepoort não está a ser um visionário? Não seria a primeira vez.