Fugas - Vinhos

Carla Carvalho Tomas

Vinho ao preço da água

Por Pedro Garcias

Esta semana, o Pingo Doce estava a vender cada garrafa de 0,75 cl do vinho Real Forte, da Adega Cooperativa de Reguengos de Monsaraz, a 94 cêntimos, prometendo uma poupança de 50%. Leu bem: 94 cêntimos por um vinho certificado do Alentejo. Apetece perguntar: é mesmo vinho?

Claro que é, disso não há dúvida. Vinho ao preço da água, mas vinho. Sendo bom ou não, vale a pena reflectir sobre como se chega a um preço destes. Para poder ser comercializada, uma garrafa de vinho certificado requer uma garrafa de vidro, um rótulo, uma rolha, uma cápsula, um selo de garantia da comissão vitivinícola respectiva e uma caixa de cartão (dá para seis garrafas, pelo que só consideramos um sexto do custo de cada caixa). Com ganhos de escala e recorrendo aos materiais mais baratos, vamos admitir que é possível conseguir tudo isto por cerca de 40 cêntimos. A este valor acresce o custo de transporte e o custo de produção do vinho, que inclui a compra das uvas. Sim, porque, como dizia o outro, o vinho “também se faz com uvas”. Sobre os 94 cêntimos, há que considerar ainda o lucro da cooperativa e o lucro do Pingo Doce. Desconstruindo a equação, é fácil concluir que o valor real do vinho é ínfimo.

Voltamos ao princípio: como é possível vender um vinho certificado a 94 cêntimos? É possível porque as grandes superfícies já perderam os limites da razoabilidade e, em nome da concorrência, impõem condições cada vez mais leoninas aos seus fornecedores. O cliente julga que é o principal beneficiário, mas preços demasiado baixos são sempre sinónimo de pouca qualidade. Não há milagres. Mas estes preços também só são possíveis porque as adegas cooperativas não têm grandes obrigações. Só pagam aos sócios se tiverem lucro. Se tiverem prejuízo, não lhes acontece nada. O pior que lhes pode acontecer é ter que fechar portas. É injusto generalizar, claro. Há algumas adegas cooperativas exemplares no país e muitas continuam a exercer um papel importante. Mas são inúmeras as que já fecharam ou que estão praticamente falidas por má gestão ou gestão amadora e não há notícia de um único dirigente que tenha respondido criminalmente por isso.

Muitas adegas, em vez de acrescentarem valor à produção de cada sócio, têm levado à ruína milhares de famílias. Endividadas na sequência de investimentos megalómanos, chegam a ter várias colheitas por pagar e, quando pagam, remuneram as uvas a preços muito baixos (vender um vinho a 94 cêntimos significa que as uvas foram pagas no máximo a 10, 15 cêntimos, uma ridicularia). Se pagam pouco, não podem exigir qualidade, mas podem vender barato. Como devem muito dinheiro, então mais barato têm que vender, para obter liquidez.

Presas a este círculo vicioso, muitas adegas cooperativas acabam por ir degradando os preços dos vinhos, arrastando todo o sector com elas. Quem ganha com isto? Em boa verdade, apenas as grandes superfícies — e este fenómeno não é exclusivo do vinho. A não ser que vendam abaixo do preço de custo. Mas essa é uma prática ilegal, como se sabe.

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