Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Vinho tinto a 20 graus? Antes sopa

Por Pedro Garcias (crónica)

O vinho em Portugal é muito fértil em devaneios. Na ânsia de querer ser diferente, “inventam-se” técnicas de vinificação, fazem-se brancos de tintos, vinhos laranjas e azuis, vindima-se ao luar, mergulham-se garrafas no rio e, delírio dos delírios, até se estragam vinhos (com brett, com oxidações absurdas e com o mais que se possa imaginar) para surpreender.

A tribo do vinho também está cheio de vendedores de banha-da-cobra e de narcisistas. De produtores convencidos que fazem o melhor vinho do mundo; de novos ricos que, mesmo não sabendo nada de vinho, gastam fortunas em adegas e vinhas; de enólogos que se comportam como craques da bola; de sommeliers que também se acham as novas estrelas do firmamento; de jornalistas e críticos que se julgam os donos da verdade.

Críticos e jornalistas. Não devemos levar tão a peito tudo o que se diz e escreve sobre vinho, muitas vezes também para se ser diferente. Há algumas semanas, um vídeo do Continente sobre os mitos do vinho, protagonizado por Aníbal Coutinho, crítico de vinhos, recém-doutorado em enologia e consultor daquela cadeia de supermercados do grupo Sonae, a que pertence o PÚBLICO, foi tema de muitos comentários nas redes sociais. Nesse vídeo, Aníbal Coutinho responde à pergunta sobre se o vinho tinto deve ser aquecido: “Qualquer vinho tinto deve ser bebido aproximadamente a 20 graus centígrados, para que o álcool esteja bem misturado com a água e os outros compostos. Normalmente, a temperatura ambiente é superior a 20 graus centígrados. Por isso, recomendo que todos os vinhos, incluindo os tintos, sejam refrigerados.”

Beber qualquer vinho tinto a 20 graus centígrados? Antes sopa, dizemos nós. Numa penada, com esta sentença, Aníbal Coutinho deitou por terra tudo o que se andou a aconselhar sobre a temperatura ideal dos vinhos tintos. O que pensarão os alunos das escolas de hotelaria que andam a estudar para escanções?

Mas há uma lógica por trás da sua afirmação. Uma temperatura baixa ofusca o aroma do vinho e realça a acidez e os taninos; uma temperatura alta faz aumentar o odor e minimiza a acidez e os taninos. O problema é que há vinhos e vinhos. Um tinto jovem e adstringente pode beneficiar se for bebido um pouco mais tépido. Em contrapartida, um vinho encorpado de uma região quente pode tornar-se insuportável se for bebido a 20 graus, por causa da volatilização do álcool e da diminuição da sensação de acidez. Por outro lado, um tinto muito aromático, mas pouco tânico e ácido, sabe certamente melhor se for servido um pouco mais frio.

Em última instância, cada um bebe o vinho à temperatura que lhe apetecer. Mas, caro leitor, se gosta mesmo de tintos, nem precisa de nos dar ouvidos. Siga apenas os conselhos da inglesa Jancis Robinson, a mais influente e credível wine writer da actualidade. De acordo com a sua sensata recomendação, os tintos leves devem ser bebidos entre os 10 e os 12 graus centígrados; os tintos de corpo médio entre os 14 e os 17 graus; e os tintos mais encorpados e tânicos entre os 15 e os 18 graus. Vai ver como desfrutará mais do vinho.

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