Fugas - Vinhos

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A idade de ouro dos vinhos brancos portugueses

Por Pedro Garcias

Nos últimos anos, os brancos nacionais deram um salto colossal, respondendo ao avanço da nossa vitivinicultura e à procura dos consumidores. Depois da revolução dos tintos, o país vive a revolução dos brancos, tirando partido da sua enorme diversidade de castas.

Portugal tem uma história milenar ligada ao vinho, mas, até há bem pouco tempo, só era reconhecido internacionalmente pelos seus fortificados, Porto e Madeira, em especial. Há pouco mais de três décadas, o país iniciou uma extraordinária revolução vitivinícola e passou a produzir também vinhos tintos de nível internacional. Uma revolução que coincidiu com a chegada ao mercado de uma nova geração de enólogos, com a descoberta do Alentejo e com a reconversão do Douro, até aí focado quase em exclusivo no vinho do Porto, aos vinhos tranquilos. Olhando hoje para a quantidade de marcas existentes nesta região e para a notoriedade de muitas delas, é difícil acreditar que tudo começou nos alvores dos anos 90 do século passado. Marcas como Vallado, Crasto, Vale Dona Maria, Batuta, Vale Meão, Quinta da Leda, Gaivosa, Pintas, Poeira, Duas Quintas, Chryseia e tantas outras ainda não existiam há 30 anos. E 30 anos na história do vinho não é nada.

Até por isso, é ainda mais notável o percurso que o país também tem feito nos vinhos brancos, muito mais exigentes em tecnologia e conhecimento. É uma espécie de segunda revolução, igualmente transversal a todo o país, ilhas incluídas. Na verdade, estamos a viver uma mudança iniciada há cerca de uma década. É um processo ainda em curso, mas já com reflexos nas pontuações da crítica internacional. Ver um branco ser pontuado com 90 ou mais pontos pelas principais revistas internacionais do sector era, até há bem pouco tempo, algo raro. Agora, já há brancos a disputar os lugares cimeiros com os tintos.

“A qualidade do vinho branco aumentou imenso em Portugal. Há melhor enologia e melhor tecnologia e a viticultura também melhorou bastante. E, com o aumento da oferta de bons vinhos a bom preço, o consumo também tem vindo a crescer”, sublinha Anselmo Mendes, o “senhor Alvarinho”, um dos mais renomados produtores de vinhos brancos do país. Na sua opinião, a região dos Vinhos Verdes tem tido um papel importante no incremento dos brancos, em grande parte graças à Alvarinho, cujo sucesso ajudou a melhorar o nível geral dos vinhos da região e levou à expansão da casta para fora do Minho. Anselmo destaca também o contributo da Arinto, a variedade mais transversal de todas. “É a casta que melhor representa Portugal. Foi a Arinto que salvou os vinhos brancos do Alentejo”, diz (ver texto sobre grandes duplas de brancos).

A uma velocidade que ninguém antecipou, Portugal está a deixar de ser um país apenas de tintos, apesar destes ainda serem os preferidos. O tempo em que as escolhas de Verão se resumiam só ao João Pires, ao Frei João, ao Porca de Murça e a mais uns quantos vinhos de cooperativa, quando os Arinto de Bucelas, os Malvasia de Colares, os Bussaco ou os Alvarinho do Palácio da Brejoeira eram as jóias raras e exclusivas dos nossos brancos, já faz parte do passado. Hoje, do Douro ao Algarve, do Alentejo ao Dão, da Bairrada aos Açores, fazem-se cada vez mais e melhores brancos. O que está a acontecer na ilha do Pico, nos Açores, por exemplo, um terroir de brancos por excelência e onde em apenas três anos quase triplicou a área de vinha, é bem revelador dessa mudança.

O país está a viver a sua idade de ouro nos vinhos brancos, apesar da margem de progressão ainda ser grande. E a boa notícia é que essa mudança não está a ser feita a partir da replicação das grandes castas francesas, como a Chardonnay e a Sauvignon Blanc, embora também estejam plantadas por cá. A afirmação do vinho branco português tem assentado, sobretudo, nas castas nacionais e no respeito pela sua adaptabilidade e tradição regionais, tirando partido, tal como aconteceu com os tintos, da existência de uma grande diversidade genética.

O aumento em quantidade e qualidade dos vinhos brancos do Dão, por exemplo, deve-se à recuperação da Encruzado, a casta com mais tradição local. Nos Vinhos Verdes, os motores têm sido, por esta ordem, a Alvarinho, a Loureiro e, mais recentemente, a Avesso, três castas minhotas. Na Bairrada, depois da tentação inicial por variedades francesas, o que impera são as locais Bical, Maria Gomes e Cercial. No Douro, região quente mas muito montanhosa, os produtores estão a aproveitar a frescura das zonas mais altas para produzir brancos a partir das castas regionais que antes eram usadas no vinho do Porto (Viosinho, Gouveio, Rabigato, Malvasia, etc), emulando o mesmo caminho feito nos vinhos tintos. Na Beira Interior, uma das regiões maior potencial para brancos, devido à altitude e aos solos de granito, a Síria (casta local equivalente à Roupeiro do Alentejo e à Códega do Douro) está a produzir vinhos muito minerais e elegantes.

E no Alentejo, região quente por natureza e também mais aberta a castas internacionais, a escassez de frescura natural de algumas castas com tradição local, como a Antão Vaz, a Fernão Pires e a Perrum (o Palomino Fino de Jerez), está a ser compensada com a plantação de castas de outras regiões nacionais que se destacam pela sua elevada acidez, como a Arinto, a Verdelho (Gouveio) e a Alvarinho.

Brancos de terroir

Os chavões “vinho é tinto” e “o tinto é para homens e o branco para mulheres” soam já a bafio. Poderá haver, isso sim, uma preferência das mulheres por vinhos mais leves e sem madeira. Mas tanto bebem tinto como branco. A obsessão por brancos novos, acabados de produzir, também começa a desvanecer-se. Antes, havia uma razão para isso; os vinhos eram tão mal feitos que oxidavam depressa. Agora, com os meios disponíveis que existem, fazem-se brancos duradouros, capazes de evoluir admiravelmente em garrafa.

Depois de uma fase tecnológica, em que o objectivo era fazer vinhos brancos muito exuberantes, os produtores preocupam-se mais com o terroir, com o respeito pela expressão natural das castas, pelo clima, pelo solo e pela tradição local. Já se entrou na fase da precisão e das propostas alternativas. O debate versa em torno de fazer brancos com ou sem barrica, com leveduras industriais ou com leveduras indígenas, com ou sem curtimenta, por hiperoxidação ou em ambiente redutor, de forma convencional ou sem sulfitos.

A euforia pelos brancos está aí e basta ler o que escrevem os principais críticos de vinhos internacionais que nos visitam para perceber a sua surpresa pelo enorme aumento da qualidade dos vinhos brancos nacionais e como é neste segmento que o país mais tem evoluído. Até há bem pouco tempo, todos os grandes players do Douro ou do Alentejo, por exemplo, regiões com mais vocação para tintos por causa do calor, baseavam o seu portefólio quase só nesse segmento. Actualmente, é raro o produtor alentejano ou duriense que não produza um ou mais brancos.

Nas zonas do litoral, mais frescas, essa mudança está a fazer-se de forma mais natural. No início, em particular na zona de Lisboa, a aposta incidiu muito em castas estrangeiras. Os nomes Chardonnay ou Sauvignon Blanc eram muito mais apelativos, sobretudo para os turistas. Nos anos mais recentes, com a importância da diferenciação no mercado global do vinho, a opção por castas nacionais, como a Alvarinho, a Arinto ou até mesmo a Viosinho, variedades que originam vinhos aromáticos e cheios de frescura, tem vindo a aumentar de forma considerável.

A palavra-chave é mesmo esta: frescura. O que torna um vinho branco apetecível é, acima de tudo, a sua frescura, quase sempre superior à do vinho tinto. Um vinho fresco cansa menos o palato (embora um vinho excessivamente ácido também cause repulsa). Por essa razão é que este tipo de vinho foi sempre associado ao Verão. A associação ainda continua a fazer sentido, pois é no Verão que mais apetece beber vinho branco. Por uma questão química: o calor pede-nos comidas e bebidas mais frescas e o frio comidas e bebidas mais quentes. Mas até este determinismo climatérico está a diminuir em Portugal. Há cada vez mais brancos ditos de Inverno, vinhos normalmente fermentados e estagiados em barrica, encorpados e que não devem ser bebidos tão frescos quanto os brancos leves e joviais.

O consumo de brancos é como o turismo: está menos sazonal. E também deixou de estar confinado a um grupo restrito de críticos e de enófilos. “Há cada vez mais gente a consumir vinho branco. O maior crescimento de vendas é nos brancos, sem dúvida”, assegura Luís Cândido, proprietário da Garrafeira Tio Pepe, no Porto. “Hoje, produzem-se bons vinhos brancos em qualquer região do país. E a ideia de que o branco tem que ser um vinho barato já não faz sentido. O preço deixou de ser fundamental. O consumidor já não se importa de pagar bem por um bom branco”, acrescenta.

Nas grandes superfícies, onde o consumidor comum se abastece, não será bem assim. Aí, o factor preço continua a ser decisivo. Mas, mesmo puxando perigosamente os preços para baixo, mesmo vendendo acima de tudo vinhos baratos, os hipermercados também têm tido um papel fundamental na democratização do consumo e no aumento da oferta de vinhos brancos. Do mesmo modo, o sucesso de marcas como o Gazela e o Casal Garcia - revelador de que o gosto por vinhos adamados e com gás carbónico, responsáveis por uma fatia muito importante das vendas nos Vinhos Verdes, ainda está muito enraizado entre nós -, não pode ser motivo de vergonha. É graças ao dinheiro gerado por estas marcas de volume que empresas como a Sogrape ou a Aveleda têm vindo a ampliar os seu negócios e a produzir mais e melhores vinhos.

Para além de que não se chega a consumidor de Montrachet de um dia para o outro. Quase todos nós começámos a nossa educação vínica por vinhos mais simples. O caso de Robert Parker, um dos gurus do vinho (já menos do que foi), é, aliás,  exemplar. Um dos vinhos marcantes do seu percurso foi o Mateus Rosé, que provou e adorou quando passou por Lisboa durante a sua lua-de-mel.

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