Chama-se “Castas de uvas desconhecidas para novos vinhos” e pode levar à descoberta de novas variedades de uvas para a viticultura e a enologia portuguesas.
O investimento proposto é de 200 mil euros. Há cerca de 600 projectos em concurso, para uma verba disponível de três milhões de euros. A selecção é feita por voto popular e decorre até ao próximo dia 7 de Setembro. Para votar, basta clicar aqui.
O que está em causa? Muita coisa. O negócio do vinho tem um peso cada vez maior na economia nacional. Há mais de 100 mil famílias envolvidas e, em 2016, as exportações de vinhos atingiram 734 milhões de euros, de acordo com o último relatório da Organização Internacional da Vinha e do Vinho. Por outro lado, um dos elementos diferenciadores dos vinhos portugueses no atlas mundial, numa época de enorme concorrência e em que o consumidor, sobretudo o mais esclarecido, procura diferença e originalidade, é o seu extraordinário património de castas.
Portugal tem registadas e aptas à produção de vinho 343 castas. Destas, cerca de 70 são consideradas estrangeiras. As restantes têm origem ibérica. Na União Europeia, em termos absolutos, só há um país com maior número de variedades de uva: Itália. Mas, em função da área, Portugal é o país com maior diversidade. Tem mais castas por quilómetro quadrado do que qualquer outro país. A Itália tem um terço da diversidade portuguesa, Espanha e França têm seis vezes menos e a Alemanha quase 40 vezes menos.
Portugal tem esta diversidade porque a maioria das castas nasceu cá. Esta tese, defendida por especialistas como Antero Martins, um dos responsáveis da Porvid, contraria a ideia de que a videira foi trazida pelos fenícios, gregos, cartagineses e romanos desde o Cáucaso e o Médio Oriente. É possível que, além de técnicas de viticultura e de vinificação, esses povos tenham trazidos algumas variedades, mas já cá existiam videiras muito antes.
O fóssil de videira mais antigo que se conhece terá entre 54 e 55 milhões de anos e foi descoberto perto de Reims, na região francesa de Champanhe. No entanto, julga-se que a videira só começou a ser utilizada como produtora de frutos e de vinho há cerca de 10 mil anos, em territórios do Cáucaso e Médio Oriente que hoje correspondem a países como a Geórgia, o Uzbequistão, a Arménia, o Afeganistão, o Irão, o Egipto ou a Palestina. Em Areni, na Arménia, foi descoberto um lagar com mais de 6 mil anos; e em Hajji Firuz Tepe, no Irão, foram encontrados vestígios de vinho com mais de sete mil anos.
Apesar destas descobertas, especialistas portugueses como Antero Martins estão cada vez mais convencidos que a videira e a viticultura têm origem na Península Ibérica e não no Cáucaso e no Médio Oriente. Em defesa desta tese, lembram que desde 2002 já foram identificados 150 locais em Portugal onde a videira ancestral existe em estado selvagem. Este dado é muito relevante uma vez que, sustentam os especialistas da Porvid, está provado, graças a análises de ADN, “que existe maior proximidade genética entre essas videiras selvagens e a esmagadora maioria das videiras de castas portuguesas cultivadas do que com qualquer videira conhecida, selvagem ou cultivada, no Oriente mediterrânico”.
Ou seja, o grosso de castas que existem em Portugal teve origem em videiras originárias da Península Ibérica, ao passo que outros países europeus “foram mais influenciados pelas castas originárias do Cáucaso e do Médio Oriente”. Mas mesmo dentro da Península Ibérica há diferenças substanciais. Enquanto que Portugal possui 343 castas diferentes, Espanha só tem cerca de 120. Designações são algumas centenas, mas muitos dos nomes correspondem à mesma casta. Isto poderá querer dizer que, dentro da Península Ibérica, o grande centro de diversidade da videira está situado em Portugal. E o mais extraordinário é que o processo natural de criação de novas castas não tem parado no nosso país. Dois estudos independentes, um realizado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e outro no BIOCANT- Centro de Inovação em Biotecnologia, identificaram, a partir da análise do ADN de 100 videiras, um total de 14 castas desconhecidas, várias delas originadas por cruzamento natural entre castas ancestrais.
A PORVID coordena uma rede de vinhas de conservação e estudo que foram multiplicadas a partir de cerca de 30 000 videiras identificadas maioritariamente em vinhas antigas. Com a candidatura que apresentou ao OPP, aquela associação pretende submeter a análises de ADN entre 5 mil a 7 mil dessas videiras. Se em 100 videiras, foram identificadas 14 castas novas, a análise de 5 mil a 7 mil videiras pode conduzir à descoberta de um número muito maior e confirmar “Portugal como uma verdadeira Arca de Noé da videira”, abrindo novas oportunidades para a enologia portuguesa. Novas castas permitem criar novos perfis de vinhos, ajudar a responder às alterações climáticas e até, quem sabe, fornecer novas substâncias para a produção de medicamentos ou cosméticos. Percebe agora, caro leitor, como é tão importante apoiar o projecto 671?