Fugas - Vinhos

Daniel Rocha

Já ouviu falar no projecto 671? Se avançar, pode confirmar que Portugal é mesmo a “Arca de Noé da videira”

Por Pedro Garcias (crónica)

Esta crónica é um manifesto. Um manifesto de apoio ao projecto 671, apresentado ao Orçamento Participativo Português (OPP) pela Porvid - Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira, em parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e a Advid - Associação de Desenvolvimento da Viticultura Duriense.

Chama-se “Castas de uvas desconhecidas para novos vinhos” e pode levar à descoberta de novas variedades de uvas para a viticultura e a enologia portuguesas.
O investimento proposto é de 200 mil euros. Há cerca de 600 projectos em concurso, para uma verba disponível de três milhões de euros. A selecção é feita por voto popular e decorre até ao próximo dia 7 de Setembro. Para votar, basta clicar aqui.

O que está em causa? Muita coisa. O negócio do vinho tem um peso cada vez maior na economia nacional. Há mais de 100 mil famílias envolvidas e, em 2016, as exportações de vinhos atingiram 734 milhões de euros, de acordo com o último relatório da Organização Internacional da Vinha e do Vinho. Por outro lado, um dos elementos diferenciadores dos vinhos portugueses no atlas mundial, numa época de enorme concorrência e em que o consumidor, sobretudo o mais esclarecido, procura diferença e originalidade,  é o seu extraordinário património de castas.

Portugal tem registadas e aptas à produção de vinho 343 castas. Destas, cerca de 70 são consideradas estrangeiras. As restantes têm origem ibérica. Na União Europeia, em termos absolutos, só há um país com maior número de variedades de uva: Itália. Mas, em função da área, Portugal é o país com maior diversidade. Tem mais castas por quilómetro quadrado do que qualquer outro país. A Itália tem um terço da diversidade portuguesa, Espanha e França têm seis vezes menos e a Alemanha quase 40 vezes menos.

Portugal tem esta diversidade porque a maioria das castas nasceu cá. Esta tese, defendida por especialistas como Antero Martins, um dos responsáveis da Porvid, contraria a ideia de que a videira foi trazida pelos fenícios, gregos, cartagineses e romanos desde o Cáucaso e o Médio Oriente. É possível que, além de técnicas de viticultura e de vinificação, esses povos tenham trazidos algumas variedades, mas já cá existiam videiras muito antes.

O fóssil de videira mais antigo que se conhece terá entre 54 e 55 milhões de anos e foi descoberto perto de Reims, na região francesa de Champanhe. No entanto, julga-se que a videira só começou a ser utilizada como produtora de frutos e de vinho há cerca de 10 mil anos, em territórios do Cáucaso e Médio Oriente que hoje correspondem a países como a Geórgia, o Uzbequistão, a Arménia, o Afeganistão, o Irão, o Egipto ou a Palestina. Em Areni, na Arménia, foi descoberto um lagar com mais de 6 mil anos; e em Hajji Firuz Tepe, no Irão, foram encontrados vestígios de vinho com mais de sete mil anos.

Apesar destas descobertas, especialistas portugueses como Antero Martins estão cada vez mais convencidos que a videira e a viticultura têm origem na Península Ibérica e não no Cáucaso e no Médio Oriente. Em defesa desta tese, lembram que desde 2002 já foram identificados 150 locais em Portugal onde a videira ancestral existe em estado selvagem. Este dado é muito relevante uma vez que, sustentam os especialistas da Porvid, está provado, graças a análises de ADN, “que existe maior proximidade genética entre essas videiras selvagens e a esmagadora maioria das videiras de castas portuguesas cultivadas do que com qualquer videira conhecida, selvagem ou cultivada, no Oriente mediterrânico”.

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