Podia ser uma pergunta de um quizz de vinhos para iniciados: o que é o pinking nos vinhos brancos? Não sabe, claro. Nem tem que saber. É assunto de enólogo, essa categoria de profissionais que fazem mil e uma coisas, mil que ninguém imagina, para levarem o vinho direitinho até si. Mil e uma coisas é um exagero, mas não acredite em tudo o que vem nos rótulos e desconfie sempre que lhe que quiserem “vender” um vinho como sendo purinho como a natureza o deu.
A maioria dos vinhos que bebemos é sujeita a algumas intervenções tecnológicas e químicas. Uma crucial é a adição de sulfuroso (dióxido de enxofre), que funciona como antioxidante, desinfectante, fungicida e bactericida. Não é um produto completamente inócuo, mas as quantidades usadas nos vinhos, sobretudo nos vinhos tranquilos, são muito baixas e não acarretam qualquer perigo para a saúde. O milagroso sulfuroso ajuda ainda a fixar a cor dos vinhos, sejam tintos, brancos ou rosados.
As antocianinas são os compostos que dão a cor aos vinhos. Existem nos tintos e estão, sobretudo, presentes nas películas. Quanto mais as macerarmos, mais negros ficam os vinhos. Os brancos, ao contrário do que se pensa, também sintetizam antocianinas, mas de forma muito mais reduzida. É por isso que certos brancos, depois de engarrafados, quando o sulfuroso começa a dissolver-se, podem, por vezes, ganhar uma cor ligeiramente salmonada. É a isso que chama pinking. Esta alteração de cor, que se julga estar associada a uma vinificação em ambiente de redução (uso de gás inerte em forma de gelo seco, por exemplo, para retardar a oxidação dos vinhos), não influi no cheiro e no sabor do vinho. É só uma questão estética. Mas o consumidor que compra um branco não espera encontrar um rosé clarinho, mesmo que o vinho cheire e saiba a branco. Por isso, para se precaverem do pinking, os enólogos recorrem normalmente a um de dois produtos: PVPP (uma espécie de cola de clarificação) ou ácido ascórbico, que faz subir o sulfuroso livre. Não matam, mas não deixam de ser produtos químicos, com efeitos negativos sobre o aroma e o sabor dos vinhos (em especial o ácido ascórbico).
Isto pode parecer conversa de chinês, mas é capaz de ser útil para se perceber melhor como é que um defeito estético deu origem a um novo tipo de vinho, um branco com ar de rosé: o Pinking. É verdade: a Adega Cooperativa de Figueira de Castelo Rodrigo lançou ontem o primeiro branco Pinking do mundo, certificado com a denominação Beira Interior. De problema, o pinking passou a “categoria nova de vinho”, “única no mundo”, com “pedido de patente nacional e internacional” registado. Foi assim que os jornais, as rádios e as televisões anunciaram o novo vinho.
Na origem deste “ovo de colombo” esteve a investigação sobre a formação do pinking nos vinhos brancos que Jenny Silva fez durante o seu mestrado em Enologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em conjunto com Fernando Nunes e Fernanda Cosme, docentes e investigadores do Centro de Química desta universidade. Jenny é enóloga na Adega Cooperativa de Figueira de Castelo Rodrigo, região onde o fenómeno pinking ocorre com alguma frequência nos vinhos brancos feitos com a casta Síria, e descobriu que a formação do pinking é facilitada se as temperaturas registadas nos últimos dias da maturação forem baixas.