Nunca se deve desistir de uma casta, mesmo daquelas que agora têm pouco interesse enológico ou comercial. Se sobrevivem, é porque já foram úteis. No futuro, com alguma probabilidade, vão voltar a ter uma segunda oportunidade. As modas no vinho e as políticas públicas mudam demasiado depressa, para além de que não é possível antever os efeitos que as alterações climáticas vão ter na viticultura nas próximas décadas.
Uma coisa é certa: conservar a enorme diversidade de castas que existe hoje em Portugal é um trunfo sem preço num sector tão competitivo e imprevisível como é o do vinho. É por isso que choca não haver um programa de incentivo à preservação das vinhas velhas. Não nos estamos a dar conta, mas os programas de apoio à plantação e reestruturação de vinhas em Portugal têm vindo a estreitar o número de castas para a produção de vinho. Só daqui a umas décadas iremos perceber os efeitos perversos dessa opção.
A história da Touriga Nacional no Dão mostra-nos como nada pode ser dado como adquirido. No final do século XIX, esta casta dominava mais de 90% do encepamento das vinhas da região, de onde se julga ser originária. A segunda casta mais importante era a Alvarelhão. Nessa altura, a Touriga Nacional era plantada sem aramação e produzia bem. Com a filoxera, que arrasou grandes parte dos vinhedos, os viticultores do Dão começaram a substituir os porta-enxertos e as novas videiras tornaram-se menos produtivas. Pouco a pouco, a Touriga Nacional foi sendo preterida por outras castas mais produtivas. Numa primeira fase pela Baga, que se julga ser também originária do Dão, mas que hoje está associada à Bairrada, e depois pela Tinta Carvalha, a Moreto, a Tinta Pinheira, o Alfrocheiro, a Jaen e a Roriz, entre outras. Nos anos 70 do século passado, a presença da Touriga Nacional era de apenas 5% por cento. Em menos de um século, a que é hoje a principal casta tinta portuguesa passou de variedade hegemónica a casta residual. Bastou uma praga para mudar de forma radical a paisagem vitícola do Dão.
O que salvou a Touriga Nacional e a fez voltar a ganhar protagonismo foi o notável trabalho de estudo e selecção de castas para a produção de vinho do Porto desenvolvido por José António Rosas e o seu sobrinho João Nicolau de Almeida no Douro, na segunda metade da década de 70 do século passado. Uma década antes, Alberto Vilhena, o então director do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão (CEVD), onde deixou um legado ímpar de estudos e de vinhos extraordinários e que tem sido continuado por Jorge Brites e Vanda Pedroso, já tinha evidenciado a excepcionalidade enológica da Touriga Nacional. Na sua ideia, o vinho tinto do Dão devia levar, no mínimo, 20% desta casta. Mas, nessa altura, os viticultores do Dão estavam mais preocupados com a quantidade do que com a qualidade.
Em 1981, e após muitas microvinificações, José António Rosas e João Nicolau de Almeida identificaram aquelas que consideravam as cinco melhores castas para o vinho do Porto e uma delas era a Touriga Nacional, na altura também quase extinta no Douro. As outras eram a Tinta Barroca, a Tinto Cão, a Tinta Roriz e a Touriga Franca. Quatro anos depois, arrancou o Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes, que financiou a plantação de 2500 hectares de vinhas novas no Douro e a reestruturação de 300 hectares de vinhas já existentes, e, a partir daí, a Touriga Nacional voltou a ser procurada. De tal forma que, com a explosão dos vinhos tranquilos do Douro, acabou por se tornar na casta bandeira da região e, mais tarde, do próprio país. Hoje, a Touriga Nacional está plantada de Trás-os-Montes ao Algarve, mas já começa a ser vítima da sua própria fama, por incutir uma marca muito forte nos vinhos. Menos no seu solar, onde a crescente “touriguização” é vista como uma virtude e um desígnio e não como algo negativo, dado tratar-se da casta identitária dos vinhos tintos do Dão.