Fugas - hotéis

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O embalo da alfazema

Por Patrícia Carvalho ,

A Quinta das Lavandas fica aos pés de Castelo de Vide, mas bem podia estar isolada do resto do mundo. É um espaço sossegado, onde os dias se estendem ao ritmo do tratamento dos campos de lavanda ou das vezes que escolher deixar a espreguiçadeira e saltar para a piscina. O Alentejo, com um toque da Provença.

Parece que já levamos as narinas mais afiadas, mais propensas a captar qualquer cheiro que se atravesse no caminho. Como perdigueiros. O local onde vamos dormir chama-se Quinta das Lavandas, Quin-ta-das-La-van-das, e esperamos que o olfacto nos guie. Não nos sentimos enganados. Assim que a porta da casa se abre, o cheiro a alfazema — alfazema e lavanda são sinónimos — está por todo o lado, suave mas persistente. Estamos em plena Serra de São Mamede, junto a Castelo de Vide, mas a plantação de lavandas de Teresa e Estêvão quase nos levam a crer que demos um salto até à Provença, em França.

Para lá chegar é preciso contornar Castelo de Vide. Fazer de conta que vamos entrar na vila, mas seguirmos pela estrada que, afinal, acaba por nos guiar em torno do centro histórico, até nos afastar dele. É aí que há-de estar uma placa a indicar que é preciso virar à esquerda, para chegar à quinta, e deve mesmo meter-se pelo caminho estreito, cruzar a linha de comboio desactivada e percorrer mais umas centenas de metros, provavelmente sem se cruzar com algum veículo, antes de chegar ao portão da quinta.

Depois, é entrar. A casa, restaurada e ampliada, com sete quartos, fica lá ao fundo. Os campos de lavanda serão a primeira coisa que vai ver e também a zona que tem de atravessar, até chegar ao alpendre onde o carro pode, finalmente, parar. Agora, respire fundo e ouça o silêncio.

Estivemos na Quinta das Lavandas em dias de sol, quando o calor alentejano ainda não se instalara de forma impiedosa mas já era bom descansar junto à piscina. Depois de uma viagem de quase três horas, poder esticar as pernas, fechar os olhos à doçura do sol e só ouvir o canto dos pássaros, o zunir de algum insecto que passa e, muito ao longe, o avião ocasional que cruza o céu, sabe a paraíso. A preguiça comanda a tarde e quase lamentamos a decisão de abandonar a quinta e ir espreitar Castelo de Vide e a aldeia histórica de Marvão.

Porque a Quinta das Lavandas também tem esse atractivo. Para lá dos campos que a rodeiam, do sossego que comanda os seus dias, da piscina e do cheiro a alfazema, ela está a dois passos do bonito, íngreme, caiado e florido centro histórico de Castelo de Vide, e da aldeia fortaleza de Marvão, com o seu castelo e os pássaros que habitam no monte rochoso que acolhe a localidade.

Vamos e vimos. Tivemos de comer fora porque, quando lá estivemos, a Quinta das Lavandas ainda não servia almoços e jantares. Mas, sosseguem, Teresa e Estêvão admitiam mudar esta rotina e passar a servir refeições, desde que previamente encomendadas, porque com o Verão alentejano, em que o calor se mantém até ser noite cerrada, os convidados resmungam com a perspectiva de terem de abandonar os terrenos da quinta e pegar no carro, em direcção à vila. 

Querem ficar. Só mais um bocado. Deixar-se estar ao pé da piscina. No banco-baloiço ali à frente. No outro banco corrido, junto ao Jardim das Alfazemas. Podem ter de afastar alguns aranhiços (afinal, estamos no campo), mas se não se importarem com isso,não faltam recantos onde contemplar o verde e o azul-lilás das lavandas. 

Em meados de Junho, elas já estão crescidas. As flores já espreitam dos tufos verdes, pintando ligeiramente a paisagem. Estêvão, de chapéu e luvas protectoras, passa o dia à volta delas, a mirar-lhes o crescimento, a adivinhar-lhe necessidades, a descobrir o melhor ângulo para a próxima fotografia. Em Julho é que as lavandas devem estar floridas em todo o seu esplendor, transformando os campos em filas certinhas de azul-lilás.

Quem escolher dormir na Quinta das Lavandas pode passear pelos campos até se cansar — são seis hectares —, experimentar colher as alfazemas, ver como Teresa transforma a planta em rocas perfumadas ou aproveita as suas flores para encher sacos feitos de chita e aprender com qualquer um dos membros do casal a diferença entre lavandula angustifolia e lavandim grosso bleu. Também podem visitar o alambique que Teresa e Estêvão, cansados da vida de Lisboa, construíram de raiz e onde se extraem os óleos essenciais das plantas ali cultivadas. E, se já se fartou da alfazema ou do rosmaninho do jardim, não precisa de sair da quinta. 

Há zonas pedregosas para escalar, caminhos de terra para explorar (que tanto o podem levar a uma das manchas de carvalhos dos terrenos como às colmeias que estão instaladas num recanto escondido), pomares que o casal está a desenvolver e uma vinha que, um destes dias, há-de dar frutos.

O mundo está longe
Teresa e Estêvão, naturais da região de Lisboa, compraram a quinta em 2006. Sabiam que queriam desenvolver um projecto ligado à terra, de mãos dadas com a agricultura biológica, mas chegar às lavandas não foi fácil. “Demorámos dois anos a decidir o que plantar”, conta Teresa. “A ideia de receber hóspedes ainda chegou mais tarde”, acrescenta Estêvão.

De França vieram 65 mil pés de lavanda. O casal, com as vidas profissionais ligadas à gestão e à consultadoria, aprendeu tudo sobre o novo negócio desde o princípio: como plantar, como extrair os óleos essenciais, como desenvolver os produtos que já têm à venda na quinta e que vão ser também vendidos numa loja que já adquiriram no centro histórico de Castelo de Vida, como receber da melhor maneira os hóspedes que lhes batem à porta. 

A casa, com linhas direitas, está muito longe do conceito da típica casa alentejana, mas o interior moderno está cheio de apontamentos tradicionais, tornando-o deliciosamente acolhedor. Há granito de Alpalhão no chão e em parte das paredes e, na sala com a grande lareira (que os invernos também são bons para descansar longe da confusão da cidade), há mosaicos fabricados em Estremoz, que passariam facilmente por um chão centenário. Depois, há a mistura dos móveis modernos com peças tradicionais, as cores que oscilam entre o azul, o verde e o lilás, os frascos de vidro cheios de flor da lavanda, de onde salta uma fragrância leve que se vai espalhando por toda a casa.

Ao pequeno-almoço, o sumo natural de laranja, as frutas frescas e as compotas tradicionais são de beber, comer e chorar por mais. E, mesmo assim, ainda conseguimos ficar com pena de não ser já o tempo dos figos maduros, porque Estêvão já nos contou que, nessa altura, levanta-se cedo, colhe alguns dos frutos dourados da figueira junto à casa e lá vão eles para a mesa.

Não provámos os figos nem as bolachas de alfazema (tinham acabado), mas Estêvão não nos deixara ir dormir, na noite anterior, sem nos oferecer uma infusão de alfazema, que devíamos provar em duas versões — simples ou adoçada com o mel produzido na quinta. Obedecemos. A promessa de uma noite sossegada confirmou-se, e confirmar-se-ia mesmo sem o chá. 

Mal os vizinhos brasileiros se decidiram a desligar as torneiras da água, que deixaram abertas durante o que pareceu uma eternidade, não se ouviu um pio. Adormecemos embalados pelo silêncio, pelo chá morno e pela lembrança do céu rendilhado de estrelas que avistáramos há pouco, quando regressámos à quinta, depois do jantar. O mundo, àquela hora, parecia ser mesmo um lugar longínquo. 

A Fugas esteve alojada a convite da Quinta das Lavandas

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Como ir
A Quinta das Lavandas fica a quatro quilómetros do centro de Castelo de Vide. Há placas a indicar a direcção, à entrada do centro histórico. Para chegar até aí, caso parta de Lisboa, siga a indicação A2/Sul e a A6 até Estremoz. Aí, apanhe o IP2/N18 em direcção a Portalegre e procure as indicações para Castelo de Vide. Do Porto, entre na A1 e saia em direcção a Torres Novas. Entre na A23 até apanhar o IP2/N8 em direcção a Portalegre e depois siga as indicações para Castelo de Vide. 

O que fazer
A quinta organiza workshops e seminários sobre a produção e o uso da lavanda. Também é possível fazer visitas aos campos e ao alambique, mesmo que não fique para dormir. Nas proximidades, não faltam locais para visitar: Castelo de Vide, Marvão e a barragem de Póvoa e Meada ficam a poucos quilómetros.

Nome
Quinta das Lavandas
Local
Castelo de Vide, Santiago Maior, Sítio de Vale Dorna
Telefone
245919133
Website
http://www.quintadaslavandas.pt/
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