Fugas - hotéis

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O refúgio dos primos do monte

Por Carla B. Ribeiro ,

No meio do vinhedo alentejano, há uma casa que, ao sabor de luxos regionais e de cozinhados de fazer crescer água na boca, se dedica a receber hóspedes como fossem amigos. Porque, se não o são, passam a sê-lo, afiançam Jorge e Sofia Vieira, um casal que trocou o Porto pela Herdade do Sobroso. Não é em vão que há hóspedes que vão voltando e lhes vão chamando, carinhosamente, "os primos do monte".

Passam alguns minutos das oito da noite e já D. Josefa se revela impaciente com o atraso para o jantar da hóspede. Toda a arte gastronómica é levada muito a sério pela cozinheira - a sua açorda até já foi premiada -, e neste restaurante uma coisa está garantida: não há comida requentada. Sai tudo direitinho do lume para a mesa e o problema é que as entradas já começam a arrefecer. Por isso, sem direito a puxão de orelhas, depressa exigem a minha presença à mesa onde me esperam uns pezinhos de coentrada que se desfazem na boca e uns suculentos ovos mexidos com espargos - ambos "ainda quentes", confirmo, para descanso de D. Josefa -, reforçados por um conjunto de gulosos petiscos frios: queijo fresco de cabra, queijinho curado, paio.

A mesa é, como já se percebeu, um dos pilares da Herdade do Sobroso, na freguesia de Pedrógão, a parcos quilómetros da aldeia de Alqueva e com o caudal do Guadiana a passar junto às suas fronteiras. Jorge Vieira, a coordenar a herdade desde a sua abertura, em 2008, arrisca mesmo que para conhecer os sabores alentejanos não é preciso correr a região; "Basta vir à herdade", garante. Não sendo tão linear, a verdade é que nestas mesas e através das mãos, sábias e de doses certas, da D. Josefa se prova todo o Alentejo: desde as iguarias, para as quais contribui tudo o que é semeado, plantado, cuidado ou mesmo caçado na herdade, até ao vinho, saído da adega homónima: provámos um aromatizado Sobro Branco 2010 e prosseguimos com um aveludado Cellar Selection Tinto 2008, bons companheiros de um javali com castanhas no forno, servidos com uma travessa de migas de espargos - uma ementa inspirada nos dias de São Martinho.

No coração do vinho

Os vinhos servidos remetem-nos de imediato para os 50 hectares de vinha que nos cercam, nesta altura a recuperarem da esventragem das vindimas e a aguardarem a poda para voltarem a revelar toda a verde exuberância, lá mais para o início da Primavera. E chegamos assim ao outro pilar da herdade: a vinha. Não é, por isso, à toa que o turismo, no qual se insere adega e loja, surja bem no centro do vinhedo. "Fazia todo o sentido que o turismo nascesse integrado no que é um dos pilares da herdade, o vinho", explica Jorge Vieira.

De volta à hora de jantar, uma família de cinco vinda do Porto - e "habituada a comer muito bem", garantem-me - perde-se em elogios ao que lhes foi servido até agora: "É tudo tão bom! E olhe que poucos cozinham como a minha mãe", afiança uma mulher na casa dos trintas, com um bebé de menos de um ano ao colo. É mais uma hóspede-amiga conquistada: a meio da refeição escapule-se para a cozinha, regressando cheia de elogios à "mulher bonita" que noite após noite se encarrega do repasto.

A espaçosa sala de jantar, com mesas postas a preceito, depressa se transforma num salão de conversas e trocas de receitas: "O melhor arroz de marisco é o da minha mãe", afiança a primeira mulher, enquanto a progenitora vai descrevendo o prato e relembra, com gosto, a sopa de cação degustada naquela mesma sala no dia anterior: "Uma delícia", soletra como recordando o sabor.

"Tem sido sempre assim; os hóspedes tratam de pôr à vontade outros hóspedes - principalmente quando pela casa estão pessoas que já cá estiveram antes", conta Jorge Vieira. "E quando isso acontece parece que nem temos trabalho nenhum", graceja Vieira, que trocou um emprego numa empresa de design pela herdade. Aqui, tem a função de gerir e cuidar do espaço em conjunto com a mulher, Sofia. "Somos os habitantes da herdade: nós e os miúdos, mais a D. Josefa e o marido, que nos trata da horta. Depois temos o apoio de várias pessoas, como da Sofia [Machado], filha do proprietário."

Tudo começou quando António Ginestal Machado, um arquitecto a residir no Porto mas com família de Portel, adquiriu a herdade em 2000: 1600 hectares de terreno com duas casas em ruínas. "A primeira coisa que foi feita foi plantar a vinha, em 2001", recorda Vieira. Aragonez, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Syrah, Alfrocheiro, Tinta Grossa e Trincadeira para os tintos; Antão Vaz, Arinto e Perrum para os brancos. Só mais tarde foi construída a adega, seguindo a traça alentejana, e, depois disso, recuperadas as casas, também segundo a traça original. As portas aos hóspedes haveriam de abrir em Agosto de 2008 e, desde então, tem vindo a crescer muito por causa do "boca a boca". "A verdade é que a maioria volta: pessoas que vieram pela primeira vez como hóspedes e que ficaram amigos." "Agora, na brincadeira, até dizem vir visitar "os primos do monte"". 

É bom para quem vem e para quem está: "É como receber amigos; até os miúdos [uma rapariga de cinco e um rapaz de 11] estão numa excitação porque amanhã vêm casais com filhos que já são amigos deles". "Por isso, hoje estão a fazer os deveres", esclarece Sofia. O fim-de-semana, já se sabe, "será só de brincadeira". Mas estes regressos não são bons só para os miúdos: "Até a nós nos sabe tão bem".

Sentados no alpendre que rodeia toda a casa principal, conhecida também pelo nome Casa da Quinta, vão-se desfiando histórias de quem veio e voltou, de quem vai dando notícias mesmo sem vir. A larga maioria são portugueses oriundos de todas as regiões. Ainda assim, apenas com o mercado nacional, de Verão, a casa enche constantemente, seja semana ou fim-de-semana; agora, é comum haver apenas um ou outro hóspede durante a semana. "Mas ao fim-de-semana continua a vir muita gente". Já a fatia de turistas estrangeiros é ainda reduzida, mas Jorge e Sofia esperam que o Aeroporto de Beja acabe por contrariar a tendência do µ ± interior do Alentejo ficar de fora do mapa destes visitantes. O problema é que "para esta zona há muitas vezes excursões e quando é assim, e por termos apenas onze quartos, temos de recusar."

As cores dos sonhos

Os quartos dividem-se por dez espaços, entre as duas casas recuperadas. Na casa principal, há cinco: o quarto amarelo, com cama de casal e com acesso a alpendre; o creme e o salmão, em mezanino e com duas camas (ambas com salinha, um dos quais com otomana); o verde, com duas camas; e a suite rosa, com cama de casal em dossel, casa de banho com banheira e salinha com otomana, além de alpendre privado com a barragem no horizonte. Além disso, é aqui que se encontram os espaços comuns, como uma espaçosa sala de estar, a sala de jantar (onde também são servidos os pequenos-almoços, com direito a sumo de laranja acabado de espremer oucroissants ainda quentes), cozinha e recepção.

Em comum entre todos os espaços, uma decoração que une o sentido regional, com o chão em tijoleira rústica, várias peças em ferro forjado e algum mobiliário de madeira tosca, ao contemporâneo das linhas rectas das mesas e cadeiras e poltronas de linhas simples, mas confortáveis.

As restantes opções de alojamento, mais indicadas para famílias, formam a Casa da Cegonha - o nome não foi escolhido ao acaso: as obras desta casa desalojaram o ninho de um casal de cegonhas que, porém, não foram despejadas; o ninho foi recolocado entre as duas casas e nenhuma das aves se parece incomodar com o facto. Aqui, cinco casinhas em miniatura, de decoração "mais limpa" mas com semelhantes condições às da casa principal (ar condicionado, aquecimento central, minibar, plasma, linha de banho carven, toalha para piscina), oferecem mais seis quartos em diferentes tipos de alojamento: uma tem dois quartos e duas casas de banho, incluindo sala de estar com lareira, uma pequena cozinha equipada e um terraço privado; duas das outras casinhas oferecem um quarto com duas camas, casa de banho, e uma câmara com otomana, além de alpendre com acesso directo à piscina; as últimas duas, além das condições do par anterior, escondem uma pequena cozinha de apoio. "Quando se aceita receber crianças é preciso criar condições para as ter e um sítio onde aquecer o leite, por exemplo, é essencial".

No exterior, vários recantos convidam a momentos de conversa ou de contemplação. Ou, em dias ou noites frios, várias lareiras XXL espalhadas pela Casa da Quinta e aquecidas por pequenas salamandras, acolhem francas cavaqueiras regadas a vinho: "O Herdade do Sobroso Reserva 2007 é o melhor para estes momentos pós-jantar", opina o nosso anfitrião. "Mas no Verão é o Sobro Rosé que ganha mais adeptos" e o local escolhido ainda mais: "À volta da piscina".

Mas, findo o Verão, a piscina deixa de ser lugar de atracção ("nos dias mais quentes passamos o dia quase sem ver os hóspedes: refugiam-se quer dentro de casa, quer à beira da piscina") e está prestes a ser despejada. É então que o turismo associado à caça começa a ganhar relevo. "Ter a vertente de enoturismo e de turismo de caça evita a sazonalidade." São estes três pilares de apoio, acredita Jorge Vieira, que "permitem garantir a sustentabilidade económica do projecto".

A coutada de caça, que se estende por montes e mais montes da serra do Mendro que separa o Alto do Baixo Alentejo, e um clube onde caçadores e amigos se podem reunir amiúde são os chamarizes para muitos caçadores. Pela herdade, podem encontrar perdizes ou lebres, mas também veados e gamos, muflões ou javalis. Para estes últimos, "sem predadores dentro da herdade", são organizadas, por ano, três montarias: "Cada caçador paga por uma porta e os animais caçados são propriedade da herdade", explica o nosso anfitrião, enquanto vamos palmilhando percursos cinegéticos que completam os 1600 hectares.

A vegetação na maior parte da encosta da serra ainda é parca depois de um incêndio que ceifou a vida àqueles terrenos. Mas pequenos sobreiros, plantados no âmbito de uma acção de reflorestação levada a cabo pela herdade, vão começando a reclamar o que é deles por direito e a servirem de guarida a algum bicho em perigo. Ainda é cedo e a temperatura é suficientemente amena para que haja animais fora das tocas. Mas estes parecem esconder-se à nossa passagem. Mais sorte tem outro hóspede: depois de alguma persistência, encontrou perdizes mesmo entre as vinhas: "Parece que sabem que ali estão a salvo", brinca Sofia.

Mas também há quem venha para fazer absolutamente nada: "Um dos nossos hóspedes de amanhã ligou e acabou por dizer que está desejoso de chegar para poder pastelar." É esse "o derradeiro luxo", acabará por resumir Vieira: "Sentirmo-nos em casa, entre amigos e não ter de fazer rigorosamente nada." Os hóspedes que nos acompanham parecem concordar: "Nem no Mindelo, onde tenho casa perto da praia, consigo ter este silêncio, esta calma", desabafa uma das comensais do jantar da D. Josefa, já depois de uma noite bem dormida e já a apreciar os raios quentes com que nos brindou o novo dia. O neto parece concordar: "Foi a primeira vez que dormiu nove horas de seguida", conta a mãe.

E só assim faz sentido sair de casa e passar uns dias fora, segundo os anfitriões da herdade: gastar dinheiro e tempo, mas no fim fazer o saldo e perceber que, sem grandes artifícios e com os luxos em forma de amizades, se foi feliz durante aqueles dias.

Nome
Herdade do Sobroso
Local
Vidigueira, Pedrógão, Pedrógão - Apartado 61
Telefone
961732958
Website
http://www.herdadedosobroso.pt
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