Fugas - hotéis

Grande Hotel do Porto

Por Andreia Marques Pereira ,

Não é bem uma máquina do tempo, mas às vezes parece, percebeu Andreia Marques Pereira. A atmosfera de fim de século envolve-nos à primeira, mas depois descobrimos os quartos "retromodernos" e compreendemos que não vive apenas do fausto passado.
Entramos no Grande Hotel do Porto e não nos custa acreditar que por ali passaram espiões, refugiados de guerra, aristocratas e todo um séquito de personagens que caberiam todas num romance de Graham Greene. Há algo de romanesco e deliciosamente anacrónico naquele que é o mais antigo hotel do Porto ainda em funcionamento. Começou por ser um hotel de luxo, quando abriu em 1880, e chegou até aos dias de hoje a tentar a transição para hotel de charme - ainda há vestígios da sumptuosidade de outros tempos, mas é quase como se fosse uma sumptuosidade de fim de festa. É essa atmosfera vagamente decadente que lhe dá algum encanto - a que se junta a localização: em plena Rua de Santa Catarina, é ideal para sentir o pulsar da cidade.

Porém, é incontornável. Vivem-se dias de mudança no Grande Hotel do Porto. Uma mudança a um ritmo compassado, todavia persistente, com um objectivo final claro: a total reconversão do hotel (concluída em 2011), feita lentamente, um piso de cada vez, não por falta de vontade, mas para não perturbar o funcionamento do hotel.

A modernização é um imperativo, mas não se esperem ginásios, spas, piscinas. Aqui, as mais-valias são outras, é iniludível que é a atmosfera romântica de fim de século que mais fascina quem entra. O mármore brilha, os dourados ofuscam, os lustres deslumbram, os espelhos perseguem-nos e, passando para a sala de estar adjacente à vasta recepção, as colunas impressionam. Rapidamente, e sem esforço, pelos nossos olhos passa a comitiva imperial brasileira, fugida dos ventos da República. O ano foi o de 1889, a noite de 24 de Dezembro: a imperatriz Teresa Cristina viria a morrer aqui quatro dias depois. Não chegou a sair do quarto - o 16 - e a cama onde morreu seguiu para França com o imperador Pedro II. Pedimos para ver o quarto - é impossível: "perdeu-se" com as reestruturações do hotel.

No entanto, continuamos a entrar no Grande Hotel do Porto como regressamos ao passado, ao encontro de um estilo de vida de que já só restam memórias em livros ou fotografias amarelecidas pelo tempo. E assim permanecemos enquanto nos passeamos pelas zonas públicas do hotel: na recepção, na imponente Sala das Colunas, no sóbrio bar Douro e no magnífico restaurante Renascença, onde a sensação do tempo passado é mais aguda, nos veludos, alcatifas (algo gastas) com monogramas, na pequena varanda por cima da porta onde outrora tocava a orquestra, no piano de cauda ao fundo - observamos enquanto tomamos o pequeno-almoço: é difícil concentrarmo-nos neste, que é, definitivamente, menos memorável do que o cenário que nos rodeia.

Se, originalmente, o Grande Hotel foi concebido por um arquitecto apenas (nortenho, por sinal), Silva Sardinha, a actual renovação é feita por um triunvirato mais cosmopolita - o italiano Roberto Cremascoli, o japonês Edson Okumura e a portuguesa Marta Rodrigues - e com uma visão muito própria da intervenção que estão a fazer: "Reaproveitar o que vamos encontrando nos sítios", explicam Cremascoli e Okumura. Uma opção que não surpreende depois de sabermos que o gabinete de arquitectura foi um dos organizadores do Remade in Portugal, onde a reciclagem é palavra de ordem.

Esta é uma requalificação que equivale quase a um processo arqueológico. Neste hotel há "camadas de história", explicam os arquitectos, e há um armazém de "pequenas pérolas", tesouros reaproveitados que vão novamente "vestir" o hotel, desde mobiliário a objectos decorativos: por exemplo, candeeiros, cones de latão com cerca de 40, 50 anos, vão ser lacados e devolvidos à sua função original. O importante foi ter "uma ideia de linguagem que unisse tudo". Uma linguagem necessariamente actual, mas que respeitasse a história e as especificidades do espaço.

Quando a remodelação se iniciou, existiam 99 quartos - e quando se pensou fazer um "upgrade" para quatro estrelas percebeu-se que se iam perder 30 quartos. "Não valia a pena perder esses 30 quartos, porque têm muita procura", explica Marta Henriques, a directora-geral do hotel. A decisão foi manter as três estrelas e fazer a reabilitação a partir daí, com conforto (e charme) q.b. - "Uma elite para todos, essa é a nossa missão", dizem os arquitectos. O hotel ficou-se pelos 94 quartos (69 standard, 17 superiores e oito suites, todos não fumadores, com minibar, por exemplo) e está a ganhar uma cara lavada e personalidade contemporânea - não obstante, os espaços comuns vão manter-se assim, agradavelmente anacrónicos.

Muitos anos sem intervenção tiveram os seus efeitos: a decadência, mais do que visível, era palpável e o cheiro era desagradável (com um novo sistema de ventilação, esse problema foi "quase" resolvido). A remodelação, que começou na fachada - limparam-se as bandeiras (que lhe davam um certo ar de "pensão da costa espanhola"), desapareceram os estores, acrescentou-se sinalética - seguiu para a mansarda, que se tornou apartamento privado, e está agora no terraço, que recuperará a sua função original, apoiado por um pavilhão multiusos, um clone dos torrões em ardósia que já existem. Já passou também pelos pisos -1 e 3.

É aqui, no último piso do hotel, que ficam os quartos superiores (17), num dos quais ficámos alojados: estes quartos têm serviços distintos dos outros (como acesso à Internet gratuito) e a decoração mais moderna do hotel. "É um piso à parte", nota Marta Henriques, e isso vê-se mal se sai do elevador (lambris brancos e paredes castanhas, que, veremos daqui a pouco, se prolongam para o interior do quarto) - no entanto, o que se sente enquanto se caminha pelos corredores alcatifados é o piso oscilante das casas antigas, um verdadeiro (e involuntário) soalho flutuante.

Entramos num quarto espaçoso, com o jogo de cores do corredor e uma simplicidade decorativa inesperada - mas com um ecrã LCD na parede. O mobiliário é lacado, branco (as casas de banho também são imaculadamente brancas, a cor que cobre a madeira que as forra: "é mais confortável", consideram os arquitectos e nós confirmamos) e a iluminação suave, que pode provir de candeeiros recuperados ou "remade" com a assinatura nada negligenciável de Souto Moura. Retro é talvez o adjectivo mais adequado para caracterizar este piso, onde há uma única suite - são duas salas com papel de parede (tons de castanho) a marcar a diferença e vidro opalino a dividi-las. No piso -1, os pormenores não têm tanto destaque - é um piso "mais light" a nível de custo, mas a cor predominante continua a ser o castanho.

A maioria dos quartos do hotel são standard, produtos da renovação da década de 60 - o mobiliário é paradigmático -, e a requalificação aqui chegará. Não chegará (pelo menos em moldes tão "radicais") ao que são "os grandes trunfos do hotel": as duas suites oitocentistas (as "suite charming"), com o seu mobiliário pesado, abundante (camiseiros, roupeiros, mesas, secretárias, sofás...) e rebuscado em ornamentos (dourados) e mármores. Há antecâmara, sala, quarto de vestir, casa de banho (completamente forrada a mármore) - e pesados veludos.

Manoel de Oliveira frequentou o hotel durante a juventude e regressou recentemente para filmar "Cristóvão Colombo - O Enigma": a noite de núpcias dos dois personagens principais acontece no Grande Hotel do Porto; o restaurante fez as vezes de um seu congénere nova-iorquino. Abre-se o livro de honra do hotel e desfilam perante nós figuras emblemáticas, Eça de Queirós esteve aqui, assim como António Lobo Antunes; a realeza inglesa também não se esquivou, o príncipe de Gales, mais tarde Eduardo VIII, até deixou uma dedicatória. Pelo menos é o que se conta - um hotel com estes anos tem muitas histórias que são contadas de geração em geração: a página com o autógrafo do futuro monarca desapareceu, pelo que a sua breve passagem pertence unicamente à tradição oral do hotel. Essas histórias continuarão a fazer parte da tradição do Grande Hotel do Porto, que se prepara para o futuro sem esquecer o passado.

 

Onde come

Estamos no centro do Porto e não é difícil encontrar restaurantes para todos os gostos e todas as carteiras. Quem quiser ficar pelo hotel, o Restaurante Renascença oferece um "buffet" do dia - entre as 12h30 e as 15h00 - que inclui entradas diversas, o prato principal (peixe e carne) e sobremesas, por €13,50 (€15,50 ao domingo). Ao jantar, das 19h30 às 22h00, há o menu "à la carte" e, durante o Verão, sugestões especiais.

O que fazer

Do Grande Hotel, todo o centro histórico do Porto está à distância de uns passeios a pé - a Ribeira (e as caves em Gaia), a Sé, os Clérigos, os Aliados. Ali na rua, pode tomarse um café no Majestic (e prolongar a sensação de Belle Époque) e subir até ao Teatro São João. Para fazer compras, a Rua de Santa Catarina é o local ideal e para visitar o resto da cidade os transportes estão à porta - autocarros e metro.

Nome
Grande Hotel do Porto
Local
Porto, Porto, Rua de Santa Catarina, 197
Telefone
222076690
Website
http://grandehotelporto.com
--%>