Fugas - hotéis

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O hotel do feng shui

Por Andreia Marques Pereira ,

Está no centro de Lisboa e ambiciona o equilíbrio entre o homem e o ambiente. Para tal, aposta num conceito de sustentabilidade transversal que chega até à filosofia oriental e passa pela responsabilidade social. Sóbrio e confortável, tecnologicamente proficiente mas não ostensivo, o Inspira Santa Marta é um hotel que nos quer inspirar (ou, pelo menos, ensinar).

Há muitos hotéis que se anunciam como “oásis urbanos” mas provavelmente poucos estarão tão próximos desse mito (urbano) como o Inspira Santa Marta. Não, não entramos para um ambiente exótico com reminiscência de “mil e uma noites” quando transpomos a porta do hotel. O Inspira Santa Marta é irrepreensivelmente contemporâneo e, claro está, intrinsecamente urbano ou não estivesse instalado em plena capital, mesmo ao lado da Avenida da Liberdade, a meio caminho entre a Baixa e o Parque Eduardo VII. No entanto, a sua alma é verde e tem várias distinções e certificações a aferirem a sua vocação de “hotel ecologicamente sustentável”.

Nada no exterior, edifício clássico branco com cantaria e um primeiro andar feito de varandas de ferro forjado, nos conta esta história. E muito do hotel nos passou despercebido à chegada, já a noite ia avançada: um toque na campainha e um movimento na recepção sob a qual uma luz difusa é como um tímido farol na escuridão que recobre o resto do espaço visto da rua, através das portas transparentes. Mas a primeira surpresa acontece mesmo a essa hora em que o sono corre solto no hotel. Não esperávamos a amplitude do espaço que encontrámos uma vez transpostas as portas: a penumbra, afinal, escondia um pé direito desmesurado e amplas áreas que se sucedem quase sem ruído arquitectónico. Sem ruído, literal, é o nosso percurso até ao quarto, no primeiro andar, virado à rua em três portadas por onde espreita a luz amarela da noite citadina. Fechamo-las e deixamos a noite impor-se.

Estamos na “terra”, em “terra”, e isso significa que estamos em território de feng shui. É uma das particularidades do hotel, a sua organização em função dos princípios do feng shui — e estes imperam dos espaços comuns aos quartos. A ideia é que o fluxo das energias não estagne, lemos no site, e para tal criam-se ambientes confortáveis e equilibrados, com a disposição cuidada de certos objectos, que propiciem a prossecução das tarefas que se pretendem levar a cabo em cada um deles. Confessamos o nosso desconhecimento sobre a matéria e reconhecemos que não sentimos influência de energias — excepto se contarmos a energia que alimenta o hotel, cujo insidioso ruído se instalou na nossa mente, ampliado pelo silêncio geral, e nos atrasou um pouco o sono. 

De qualquer forma, o tempo que passamos no quarto garantiu-nos “sossego [q.b.], conforto, segurança e harmonia com os outros” que são as características do elemento terra. É um quarto amplo e despojado, onde a luz natural entra abundante. As camas (twins) apresentam-se com abundância de almofadas, incluindo as decorativas que trazem cores vivas ao cenário branco; um grande móvel, madeira escura, acompanha a parede em frente com zona de secretária e minibar; um pequeno sofá instala-se na área de uma das portadas — pelas quais saímos para uma varanda, comprida e estreita, sobre a rua onde é uma manhã ensolarada que respiramos. Inusitada é a divisória da casa de banho, em vidro “manchado” (podemos imaginar gotas de água nessas porções mais foscas): como o duche fica do lado do quarto, a privacidade pode ser um exercício complexo. 

E essa casa de banho é, se o podemos dizer, uma das assinaturas estilísticas do hotel — outra é o sistema de iluminação nos quartos, que disponibiliza um leque de opções que criam diferentes atmosferas, ainda que por vezes de forma pouco intuitiva. Porque não nos ficamos pela terra: visitamos a água, o fogo, o metal e a árvore (madeira), os elementos tradicionais do feng shui. Se o estilo dos quartos é o mesmo, as cores e os materiais variam de acordo com o elemento que preside a cada um. Os pisos, por exemplo, podem ser de derivados de cortiça ou imitações de betão, em cinza cru; as paredes podem ser imaculadamente brancas, desenhar grandes flores (transparentes) ou revestir-se de papel de parede retro; o mobiliário pode ser de madeira clara ou escura — quase sempre compondo cabeceiras de cama que se prolongam em mesas-de-cabeceira e tomando forma, de uma maneira ou de outra, de secretárias que compõem, com mais ou menos relevância, áreas de trabalho; e as almofadas são quase sempre os motivos mais coloridos.

Voltamos ao ponto de partida já com o dia instalado e a entrar abundantemente no lobby. O relance da noite anterior ganha ainda maior dimensão visto com luz límpida da manhã. Os tectos altos em clarabóia do centro alimentam os recantos desta recepção, onde a madeira se impõe com leveza e se desfaz em várias salas de estar. Em torno da lareira, que no Inverno é mesmo acesa, do The Urban Bar; ou na sala de jogo — mesa de snooker, com pano azul a condizer com os sofás e puffs, e ecrã a pensar em futebol, em volta da mesa-alta-quase-balcão junto a estantes com livros ou naquele canto todo ele feito de puffs e a chamar para descontracção total —, o contrário (ou não) do espaço dos computadores. E, claro, nas várias ilhas de sofás que povoam os espaços em branco com cores neutras até explodirem em intromissões rosa choque.

Se o bar, escondido, é aberto ao público em geral, este mais facilmente dá de caras com o restaurante, que se abre em várias portas-janelas directamente para a rua: tivera uma esplanada e seria incontornável. Chama-se Open Brasserie Mediterrânica e oferece uma carta de produtos tradicionais (e, sempre que possível, biológicos) que acompanha a sazonalidade — e não esquece os pratos vegetarianos e vegan, por exemplo.

E se o público se aventurar mais portas dentro, subir a escadaria de madeira que é o final do lobby-salão, chega a outro espaço aberto a todos. O spa The Retreat é isso mesmo, um retiro labiríntico (e perfumado) onde perdemos o sentido de onde estamos. A música suave envolve-nos à medida que se desdobram as salas de tratamento, entre jardins flutuantes, até desembocarmos na sala de relaxamento, onde um jardim vertical contorna a ausência de luz natural. Ainda na órbita do spa, um pequeno ginásio e uma zona húmida (jacuzzi, sauna e banho turco) são espaço de livre-trânsito para hóspedes.

Ao, eventualmente, sairmos do hotel, estamos no centro de Lisboa — a rua não é caótica, pelo menos ao fim-de-semana, e oferece cafés, restaurantes, esplanadas e até uma mercearia bem abastecida. Uma rua de bairro para um hotel cosmopolita — e inspirador. 

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Do the right thing

Sustentabilidade: se há palavra-chave no Inspira Santa Marta Hotel é esta. Este é o tronco a partir do qual se desenvolvem as matrizes do seu funcionamento, que passam pela sustentabilidade ambiental, o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade social sob o lema Do the right thing. Podiam ser conceitos vagos, se não víssemos sinais um pouco por todo lado. A recepção é um escaparate para produtos da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) — em cerâmica, de mosaicos e pratos, a pulseiras e alfinetes (nos jardins aquáticos do spa as folhas de cerâmica são também da APPDA), e de tecelagem, como bolsas —, da Associação pela Dignidade na Morte (AMARA) — postais — e da Fundação Rui Osório de Castro, que apoia crianças com cancro — os xi-corações, peluches com longos braços, são irresistíveis. Ainda da Fundação Rui Osório de Castro pode ver-se, por estes dias, a exposição fotográfica Click’A 2, que ocupa o lobby e que antes esteve na Cordoaria Nacional, cujas receitas revertem para a causa da oncologia pediátrica.

Seguimos em busca das práticas. Não precisamos de ir longe: ainda no lobby, uma montra de produtos de cortiça promove o produto nacional (parceria com a Love Cork) e a água consumida no hotel é filtrada e engarrafada em garrafas de vidro reciclado para reduzir a pegada de CO2 — oferecida nos quartos, mas vendida a preço simbólico nos espaços públicos, esse valor reverte a favor da Pump Aid, que ajuda comunidades pobres a obterem água potável. Para reduzir o impacto ambiental, a utilização de papel é também limitada — os hóspedes têm acesso a uma app que lhes permite descarregar os jornais dos países de origem; na vertente empresarial, na ocupação das salas de reuniões e auditório há equipamentos com baixo impacto ambiental e poupança de energia.

A Fugas esteve alojada a convite do Inspira Santa Marta

Nome
Inspira Santa Marta
Local
Lisboa, Coração de Jesus, Rua de Santa Marta, 48
Telefone
210440900
Website
http://www.inspirasantamartahotel.com/
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