Fugas - hotéis

Paulo Ricca

Casamento debaixo de chuva - e uma pousada à prova de água

Por Sandra Silva Costa ,

Sandra Silva Costa (texto) teve a sorte de lá dormir, Paulo Ricca teve a sorte de a fotografar num dia a cheirar a Primavera. Ganham os leitores: eis a Pousada Flor da Rosa em duas versões. Chova ou faça sol, há História ao dobrar da esquina, um bolo de cenoura delicioso pela manhã e namoradeiras à janela

Vamos começar pelo princípio. E o princípio é acordar num quarto completamente às escuras, voltar lentamente ao mundo dos vivos e começar a ter noção do espaço e depois do tempo literalmente. Acordamos num quarto completamente às escuras, dizíamos, e ouvimos um único barulho lá fora: chuva. Há-de chover o sábado inteiro, mas isso ainda não é o princípio.

Abrimos as portadas de madeira e parece que o céu inteiro está a desabar à nossa frente. Vemos árvores, oliveiras sobretudo, uma planície que não é a perder de vista mas faz a mesma vez e um rebanho de ovelhas plácidas. E vemos a chuva, pingos não muito grossos mas certinhos. Fechamos as portadas e voltamos para a cama. Tudo está bem quando começa bem.

A manhã há-de ter outro recomeço, quando nos sentarmos à mesa do pequeno-almoço com pão alentejano, sericaia e um bolo de cenoura delicioso à frente. Sim, isto é Alentejo em Fevereiro, sossego quase absoluto, e se em Roma somos romanos, aqui também fazemos tudo como manda o fi gurino. E manda que não tenhamos pressa, que apreciemos o queijo em cada dentada, que nos sirvamos de mais café e que, enfim, ainda arranjemos um espaço para as panquecas.

E com isto são 11h30. Sabia-nos bem dar um passeio lá fora, mas já vimos que os deuses não estão do nosso lado. Vale-nos que a Pousada Flor da Rosa, no Crato, é uma pousada à prova de água. E com isto queremos dizer que podemos passar um dia inteiro dentro de portas sem que estejamos sempre a maldizer a nossa sorte.

Ajuda muito à festa o facto de estarmos numa pousada histórica: esta Pousada de Portugal, inaugurada em 1995, tem notável vizinhança. O Mosteiro de Flor da Rosa, "um dos mais originais e intrigantes edifícios do gótico português", foi edificado na Idade Média (século XIV). De acordo com os vestígios arqueológicos, terá começado como uma fortaleza, "provavelmente inspirada na arquitectura militar da Terra Santa", promovida pela Ordem dos Hospitalários (que se tornaria, posteriormente, na Ordem de Malta). Mais tarde, a partir de 1341, durante o grão-priorado de D. Álvaro Gonçalves Pereira sim, o pai de Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável foram construídas torres defensivas e em 1356, já depois de a Flor da Rosa ter sido oficializada como a sede dos Hospitalários, foi decidida a construção de uma igreja de grandes dimensões.

Para ficarmos a saber isto bastanos ler os folhetos informativos que estão no átrio da entrada. Mas isto é só o princípio: por dois euros, temos direito a uma visita guiada à igreja. Compramos o bilhete no actual Posto de Turismo o mosteiro é monumento nacional, as visitas estão abertas a qualquer pessoa, mesmo que não esteja alojada na pousada, instalado na antiga adega do mosteiro e aqui vamos nós, no encalço da História.

Festa sem convite

Temos uma guia só para nós, que vai explicando cada detalhe do que estamos a ver. Relembra a história de Álvaro Gonçalves Pereira, explica que o claustro que temos à frente foi um acrescento do século XV e agora já está revelar, orgulhosa, que a igreja é "a segunda mais alta de Portugal". "Tem 23 metros, está logo a seguir ao mosteiro da Batalha".

Impressiona, de facto sobretudo a imponência e a crueza destas paredes. Não vemos nada para além de pedra nesta igreja: há o altar-mor e o túmulo do fundador do mosteiro, em mármore de Estremoz. De resto, são apenas paredes altíssimas. Na sacristia, de onde podemos depois aceder ao coro alto, há um Cristo em madeira, do século XVI.

Já que estamos em Quinhentos, foi por esta altura que o mosteiro sofreu "a terceira grande campanha de obras", que viria a marcar "decisivamente" a sua feição.

O espaço foi ampliado: nasceu a Sala do Capítulo, "o novo claustro, mais alto e sólido que o anterior", o refeitório (onde hoje está instalado o bar da pousada), a cozinha (actualmente ocupada pela recepção) e os novos dormitórios. Foi também no século XVI que foram introduzidos no mosteiro toques renascentistas e mudéjares.

O edifício foi abandonado no século XVIII e nos finais do XIX parte da igreja desabou. Só a partir de 1940 foram feitos trabalhos de reconstrução. Na década de 90, o edifício foi reabilitado para a instalação da pousada o projecto é do arquitecto Carrilho da Graça.

Antes de voltarmos para dentro continua a chover, a propósito referência também para o núcleo de escultura do Museu Nacional de Arte Antiga, instalado no que era uma antiga despensa ou cavalariça, informa a guia. Agora sim, terminamos a visita e temos a tarde por nossa conta. E que tal se passássemos em revista os cantos mais importantes da casa? Pensamos num café no bar, para abrir as hostilidades. O espaço é bonito as abóbadas no tecto dominam todas as atenções, os sofás parecem confortáveis, há um piano de cauda e não está lá praticamente ninguém. Entramos e percebemos: na sala ao fundo, a do Capítulo, há um casamento (debaixo de chuva, mas diz o povo que se é molhado é abençoado...). Não é que a boda interfira com a vida dos restantes hóspedes, é mais ao contrário: temos a sensação de entrar numa festa sem convite.

Preferimos, por isso, subir as escadas que levam ao primeiro andar e instalamo-nos a ler na Sala da Torre. Há aqui uma enorme lareira e, confessamos, não percebemos por que não está acesa o dia presta-se a isso. Estamos sozinhos na sala, onde há mesas para jogos e um computador com ligação à Internet e, na antecâmara, uma mesa de bilhar. Estivesse a lareira acesa, insistimos, e não sairíamos mais daqui.

Ainda entramos na outra sala de estar música ambiente, uma TV de ecrã plano (desligada, ainda bem), sofás e cadeirões, duas ou três revistas perdidas e duas janelas que dão directamente para o olival mas ficamos pouco tempo. Vamos aproveitar uma aberta para um passeio (que será curto, a chuva volta dentro de momentos) pelos jardins. Cobiçamos a piscina, convocamos a Primavera e quase nos apetece roubar uma laranja das que crescem aqui.

Está quase a cair a noite. Entramos no quarto e não resistimos mais à preguiça. Afundamo-nos na cama, almofadas por todo o lado, e ficamos aqui, a olhar a chuva pela janela (a propósito, adoramos a janela e as namoradeiras). Não sendo luxuoso, é muito acolhedor, este quarto 202: a pedra na parede é meio caminho andado, é verdade, mas esta espécie de dossel dos tempos modernos que cobre a cama também lhe dá muito charme. São estes, aliás, os dois elementos que mais sobressaem na decoração sóbria do quarto. O resto é isto: sofás, uma televisão na parede, uma secretária, minibar e um candeeiro de leitura já agora, sentimos falta de uma iluminação mais forte no quarto. Que é coisa que não falta no generoso roupeiro que está na antecâmara. A casa de banho tem uma dimensão adequada.

Aproxima-se o jantar. Preparamos o banho e roemos uma das maçãs que aqui nos deixaram à chegada. Daqui a meia hora, estaremos sentados à mesa, a comer cação com coentros. Tudo está bem quando acaba bem.

Como ir

De Lisboa, há duas possibilidades: entrar na A1 e nas imediações de Santarém seguir a direcção da A23, para Abrantes e Castelo Branco. No IP6, tomar a saída 15 (Portalegre/ Nisa). Continuar pelo IP2 e depois tomar a EN245, em direcção a Alter e Crato. Uma vez no Crato, há indicações para a pousada. A segunda hipótese é, pela ponte 25 de Abril, apanhar a A6 (Espanha/ Évora). Tomar a saída 7 (Portalegre/ Estremoz) e continuar pelo IP2; depois, sair para a EN4 (Espanha/ Estremoz) e finalmente tomar o IC13..

O que fazer
A visita ao Crato é obrigatória.
Não podemos dar grandes conselhos, uma vez que a chuva chegou a fazer-nos pensar que estávamos numa vila fantasma e comprometeu o passeio, mas há um ou dois museus e as típicas ruelas e o casario alentejano encorajam a exploração. Não muito longe, a uns 40 quilómetros, fica a amuralhada Marvão, que vale muito a viagem.

Onde comer
O Recanto
Rua Nuno Álvares Pereira, 66 7430-221 Flor da Rosa Tel.: 245 996 112 O restaurante da pousada é, naturalmente, também uma opção a ter em conta. Claro que as refeições ficam mais caras, mas o menu Pousada (30 euros), por exemplo, dá direito a uma entrada, a um prato de carne ou peixe e à sobremesa. A comida é boa e o espaço bonito.

Preços: podem ser variados e dependem, naturalmente, da época do ano. Em Abril, durante a semana, duplos a €150, €180 ao fim-de-semana. Aqui ficam também alguns dos pacotes disponíveis.
Fim-de-semana de jazz Desde €150: Preço por quarto/noite.
Duas noites de alojamento e jantar com concerto de jazz Quartos de Reis &
Rainhas Desde €170: Preço por quarto/noite.
Uma noite para duas pessoas, pequeno-almoço, tratamento VIP e champanhe. Pacote Idade de Ouro Três noites desde €80. Preço por quarto/noite. Três noites de alojamento, pequeno-almoço incluído.
Reservas antecipadas & estadias longas Até 25 por cento de desconto sobre a melhor tarifa disponível.
Escapada de 2 noites Desde € 120. Preço por quarto/noite.
Páscoa Desde € 170. Preço por quarto/noite, quatro noites de alojamento e as crianças não pagam.

(A Fugas esteve alojada a convite das Pousadas de Portugal)

Nome
Pousada Flor da Rosa
Local
Crato, Flor da Rosa, Mosteiro de Santa Maria de Flor da Rosa
Telefone
245997210
Horarios
e
Website
http://www.pousadas.pt
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