Fugas - hotéis

Paulo Rica

Uma noite ecológica no Botânico de Coimbra

Por Maria João Lopes ,

Já esteve em Lisboa, Silves e Leiria. Agora, está no bambuzal do Jardim Botânico de Coimbra. Maria João Lopes (texto) dormiu uma noite no TreeHotel, no meio de um silêncio e de uma escuridão que nunca tinha visto na cidade. As fotos são de Paulo Rica.

Uma noite ecológica no Botânico de Coimbra

Está um dia de calor. Da cama vemos que as janelas da pequena casa de madeira estão húmidas. Levantamos os panos brancos com os quais, antes de dormir, tapámos os vidros - não fosse a luz acordar-nos antes do tempo -, e espreitamos lá para fora. De repente, naquele momento ensonado, já nem temos a certeza se estamos mesmo em Coimbra, no coração da cidade, ou numa qualquer floresta de bambu perdida no continente asiático.

O TreeHotel, um espaço simples e acolhedor, tem o dom de mexer com a nossa imaginação e de nos levar para longe da cidade sem sairmos dela.

A realidade, porém, é que estamos mesmo no centro da cidade: na mata do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, mais concretamente no bambuzal cheio de frescura e sombra, onde os raios de sol que se projectam por entre aquelas canas gigantes parecem mais luminosos. Fomos passar uma noite ao TreeHotel, uma pequena casa ecológica, que agora assentou arraiais em Coimbra, cidade onde vai ficar, pelo menos, durante os próximos dois meses.

Como a mata não está acessível ao público (apenas mediante marcação), estamos ali sozinhos a espreguiçar-nos, como se aquele enorme espaço verde fosse o nosso quintal. Dormimos bem, sabe bem dormir em silêncio, sem ser incomodado pelo barulho de motas repentinas e por gente a conversar madrugada fora nas traseiras dos prédios. Sabe bem aquela frescura à noite. Sobretudo sabe bem ver uma noite muito escura.

O TreeHotel não é bem um hotel, é mais um quarto de hotel, com uma cama de casal e uma casa-de-banho, com sanita e lavatório - não há chuveiro. Também não há electricidade, mas não faz mal.

À luz da vela

À noite, antes de nos deitarmos, estivemos no terraço da casa, à luz de uma vela. As sombras eram enormes, volta e meia ouvíamos pássaros (seriam mochos?) entre a vegetação. E as estrelas? Quando foi a última vez, sem ser na praia ou na serra, que nos pusemos de cabeça para trás a reparar nelas assim? Não, não se vai só dormir ao TreeHotel, vai olhar-se de outra forma para a natureza. E para a natureza na cidade.

Aliás, o objectivo deste projecto de arquitectura experimental concebido pelo atelier de arquitectura e design DASS, no âmbito da Experimenta Design 2009, é mesmo sensibilizar para temas como o futuro das cidades, os espaços verdes e a sustentabilidade urbana. O TreeHotel está até nomeado para o prémio Outros Mercados, que distingue obras de arquitectura e design efémeras construídas em Portugal.

Por isso, se gosta de refúgios e do contacto com a natureza, este "hotel" de madeira, que conjuga estética e sustentabilidade, pode ser uma experiência diferente. O arquitecto David Seabra, que o desenhou com a designer Susan Röseler, diz que o projecto tem "a particularidade de ser dentro da cidade", o que o distingue de muitas casas semelhantes que existem no estrangeiro e que estão, na maior parte das vezes, sedeadas em reservas ou parques naturais. Além disso, ao contrário de projectos que perseguem apenas objectivos turísticos, o TreeHotel tem como principal propósito sensibilizar as pessoas para as questões da sustentabilidade e dos espaços verdes nas cidades, acrescenta David Seabra.

Para Nuno Janeiro, aluno do mestrado de Arquitectura e um dos responsáveis pela promoção do projecto em Coimbra, parte do sucesso da casa está no lugar que é escolhido para a acolher. No caso de Coimbra, o projecto confunde-se com o próprio Botânico, sendo o bambuzal, um "lugar sombrio" com "natureza selvagem", o prolongamento da casa. Em Lisboa, o TreeHotel esteve no Jardim da Estrela; em Silves e em Leiria, junto ao rio.

Outro dos promotores, António Alte da Veiga, que gere o Grande Hostel de Coimbra, sublinha ainda que faz parte da experiência pôr as pessoas a pensarem, por exemplo, no pequeno-almoço, nas refeições que querem fazer, uma vez que estas não estão incluídas na estadia. O ideal mesmo é meter umas bolachas, fruta e bebidas na mochila, até porque, à noite e de manhã, vai saber-lhe bem petiscar, no terraço da casa, com vista para o bambuzal.

Explorar o jardim

O TreeHotel permite aos visitantes conhecer a mata do Botânico de Coimbra de outra forma. Pode contemplá-la do terraço, embrenhar-se nela, explorá-la. Desde que tenha uma lanterna, pode andar por lá a passear à noite. Nessa altura é que nos apercebemos como os cheiros e os sons ganham outra dimensão e intensidade. Também ao final do dia, com a luz típica do entardecer, sabe bem vaguear pelo jardim e parar nos recantos, como o miradouro, dos quais se avista Coimbra.

Já no quarto propriamente dito - mesmo sem electricidade nem chuveiro -, não falta conforto. Lá dentro, onde é tudo em tons de verde e de branco, há uma cama com grandes almofadões, mantas e até uns panos, que servem de cortinas, para colocarmos nas janelas (não nos podemos queixar da luz, só acordamos às 9h00).

No enquadramento da casa, para além do bambuzal, há uma capelinha que, apesar do contraste de materiais - é de pedra, enquanto o TreeHotel é de madeira -, possibilita uma leitura comum: os dois são espaços de meditação, diz o arquitecto David Seabra.

A directora do Botânico de Coimbra, Helena Freitas, acredita no "potencial" que o jardim tem para acolher este tipo de projectos em que existe uma "sintonia entre turismo e conservação da natureza". "É uma solução de hotelaria de grande valor turístico, é um mercado em expansão", diz, notando que a empresa municipal Turismo de Coimbra se mostrou, desde logo, disposta a apoiar a iniciativa.

David Seabra considera, porém, que "não é fácil acolher projectos desta natureza": "É preciso ter abertura de espírito para ver onde o projecto quer chegar, que é à importância dos espaços verdes para quem vive nas cidades. Em 2050, mais de 50 por cento da população vai viver nas cidades. É preciso pensar na sustentabilidade, nos espaços verdes, ser feliz nas cidades", diz o arquitecto, recordando que, no ano em que o TreeHotel foi concebido, a Experimenta Design tinha como tema It''s about time. "É tempo de pensarmos no nosso problema [os espaços verdes e a sustentabilidade urbana]. O objectivo desta casa é ajudar a pessoas a pensar. Vivemos num ambiente frenético. Este é um projecto de sensibilização, para mudar as mentalidades", acrescenta.

Porquê uma casa de madeira? "Está no nosso imaginário como um local fora do real", diz David Seabra, frisando que esta é feita com materiais biológicos, com tinta biológica, e com madeira oriunda de florestas certificadas do Norte da Europa. Com as faces trianguladas, a casa pode ser o que quisermos: "Cada perspectiva é diferente, é como andar à volta de uma árvore", acrescenta. As crianças [ver rubrica Fugas dos Leitores, na pág. 5], por exemplo, já viram no TreeHotel uma nave espacial, um barco e uma casa de bonecas. Os adultos podem não admitir, mas essas fantasias também lhes passam pela cabeça.

Serviços

O TreeHotel é um hotel ecológico e sustentável que dispõe apenas de uma cama de casal e de uma casa-de-banho, com sanita e lavatório. Não tem chuveiro, nem qualquer refeição incluída. Depois de ter passado por outras cidades, actualmente está em Coimbra, na mata do Jardim Botânico, onde os visitantes podem passar a noite. Mais informações em http://www.treehousehotel.blogspot.com/

Preços e reservas

Pelo menos, durante os próximos dois meses, o TreeHotel ficará no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Depois, pode ou não partir rumo a outras paragens, caso haja interesse de outra instituição em acolher o projecto. As reservas devem ser feitas para treehotelcoimbra@gmail.com. Os preços variam entre os 50 euros (segunda a quinta) e os 70 euros (sexta, sábado, domingo e feriados).

(Setembro 2010)
Nome
TreeHotel
Local
Lisboa, Lisboa,
Telefone
937280018
Horarios
e
Website
http://treehousehotel.blogspot.com
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