Fugas - hotéis

Meninos, já para a suite de aulas!

Por Carla B. Ribeiro ,

Este hotel é uma escola que é um hotel. Muitas das futuras estrelas da hotelaria passam aqui: é o Hotel da Estrela, em Lisboa, onde alunos da área turística se aplicam - até porque é um quatro estrelas. E com restaurante onde os clientes pagam o que querem, como se dessem a nota final do curso.

Ah!, as recordações dos tempos de escola, das primeiras aulas, dos bancos e carteiras, daquele professor que era uma maravilha, daquele colega que nos fazia a cabeça em água... São memórias que nos assaltam assim que pomos um pé dentro deste edifício e por razões várias: não só já acolheu o Liceu Machado de Castro como agora é um hotel-escola que propõe estadas de luxo. Bem-vindos a aulas quatro estrelas... no Hotel da Estrela.

A fachada daquele que já foi o Palacete dos Condes de Paraty, no tradicional bairro alfacinha de Campo de Ourique, e que mais tarde acolheria a Escola Industrial Machado de Castro, impõe-se logo ao primeiro olhar, com as suas janelas que acompanham o alto pé-direito de cada piso. A entrada, por uma pesada porta de vidro, abre-se para um amplo átrio. E é aqui que há algo que nos remete para os dias em que, pequenitos, lá íamos de maleta ou mochila, cheia de livros, ansiosos pelas primeiras lições. A ânsia regressa neste momento, com a visão de alguém que nos aguarda, sentado por trás de uma pesada secretária em madeira.

A bata branca foi substituída por um traje de fato e gravata, mas os quadros em ardósia negra estão lá com informações úteis, como o estado do tempo (que, por acaso, no dia em que a Fugas lá passou sofria de um acesso de optimismo com um sol desenhado a despontar entre as nuvens quando lá fora "caíam cântaros"). E lá está também o nosso nome em letras bem visíveis e redondinhas. Mas, relaxe-se. Aqui não há chamadas ao quadro - apenas são pedidas as indicações necessárias para que ingressemos nesta "escola" em forma de hotel (e vice-versa).

À volta, vêem-se cabides de parede com bibes escolares, armários de prateleiras que já serviram para arrumar livros de ponto, sólidos geométricos, tubos de ensaio e outros que tais. Há por ali uma máquina de escrever Royal, um globo do tempo em que havia certamente menos umas dezenas de países - "O Miguel Júdice lembrou-se de ir buscar coisas [ao Parque Escolar] para o lobby e depois a colecção foi crescendo", explica Isabel Albuquerque, directora-residente do Hotel da Estrela, um projecto do Turismo de Portugal, gerido pelo grupo Lágrimas (que no seu portfólio integra, entre outros, os hotéis Quinta das Lágrimas e Douro 41 ou restaurantes como o Eleven), inaugurado há duas semanas e meia.

Passado o primeiro impacto, respira-se de alívio, tal como acontecia quando o mestre-escola nos sorria pela primeira vez. Mas agora, em vez de cadernos e lápis, seguimos é de chaves na mão. Começamos por explorar a pequena área de bar que se esconde atrás do check-in, onde o toque antigo de uma mesa de estudos em madeira se alia ao design contemporâneo retro das cadeiras. Nas prateleiras, que formam a parede de separação do átrio, há inventários escolares, contas do Ministério da Educação, uma máquina Messa, esquadros e transferidores gigantes de madeira... É aqui que, com vista para um pequeno jardim, se toma o pequeno-almoço ou se relaxa com uma bebida a qualquer hora do dia.

Reconhecido o espaço do primeiro piso, no qual ainda estão disponíveis três salas de reuniões, seguimos rumo à nossa "sala de aula": nada menos que uma das duas suites que oferecem "a melhor cama do mundo"... mas já lá vamos.

Antes, há lugar para mais saudosismos: pelos corredores é fácil imaginar miúdos a correr e os passatempos juvenis ainda poderiam ecoar por cada canto. E não foram poucos os que deixaram as suas marcas nas paredes de todos os quartos e em alguns corredores: há tampos de mesas escritos e riscados durante anos e anos, seja a caneta, a lápis ou a lâmina, com as típicas declarações de amor e até de rivalidades, transformados agora em exclusivas obras de arte naturais. É certo que até nos pode dar vontade de voltar atrás no tempo, pegar numa caneta e... Mas contenção, contenção, que o passado foi lá atrás.

O melhor colchão do mundo
No quarto que nos reservaram, um espaço luminoso e amplo, há um mapa de outros tempos. Nas paredes alvas, ainda podemos recordar como era a África de 1966 ou como se dividia a França turística. No chão, pisamos fórmulas e operações matemáticas num tapete a lembrar um gigantesco quadro de ardósia riscado a giz, especialmente concebido para forrar o soalho deste hotel-escola. A cama, em tamanho XXL e coroada por uma cabeceira entre o verde-lima e o verde-marciano, dispõe-se bem no centro da suite.

E, agora sim, podemos pôr à prova o tal "melhor colchão do mundo", de sua graça Hästens, proveniente da empresa que fornece a família real sueca, e que, concluiremos mais tarde após experiência seguindo rigorosamente o método científico aprendido na escola, proporciona um sono principesco. A experiência decorreu desde que nos atirámos à cama, exaustos após um longo (longuíssimo, confessamos) dia de trabalho, até ao momento em que o despertador tocou. E, perante tão confortável leito, até se julga que o corpo não obedecerá ao toque de alvorada.

Mas não se pense que é só à noite que a suite se revela acolhedora - pelo dia adentro transforma-se num confortável local de trabalho, com secretária pronta a ser usada (por exemplo, para escrever este texto), ou num espaço de lazer, com grandes cadeirões virados para uma TV encaixada na parede (e invisível para quem está deitado na cama). A única área fisicamente dividida do resto é a casa de banho, e mesmo esta surge como um gigantesco e translúcido aquário - apenas a privacidade do duche e sanita é garantida pelo uso do vidro fosco nestas duas áreas.

Pelas restantes cinco suites, o conforto, os materiais, as cores são as mesmas; muda apenas a disposição do espaço. Há uma suite inundada de luz, cuja entrada dá para uma íngreme escada, ou uma outra que oferece os espaços de dormir e de estar totalmente divididos, além de uma boa vista para o rio. Já os quartos, que se espalham entre o piso -1 ("Muitos se admiram, mas estamos numa colina e o desnível natural foi aproveitado", esclarece Isabel Albuquerque, que nos guiou pelos corredores "escolares") e o 2.º andar pouco diferem entre si - mais pequenos, incluem espaço de dormir e de trabalho e na casa de banho não há opção de duche em separado.

Só não pusemos à prova um espaço ainda por inaugurar e que promete abrir mais o hotel à cidade, tornando-se um ponto de atracção por si só: A Cantina da Estrela, restaurante complementado por bar e que dá acesso a uma esplanada, está prestes a chegar e poderá ser uma pequena revolução em si própria. Prevista para entrar em funcionamento a meio de Novembro, transformará os clientes numa espécie de júri. Como? Simples: a equipa deste espaço, como em qualquer outra parte do hotel, será composta por alunos da Escola Superior de Hotelaria (que acedem directamente ao hotel através de uma espécie de labirinto de "passagens secretas") a prometerem tornar as suas aprendizagens em versões criativas da cozinha portuguesa. Ao comensal caberá ser servido, degustar com tempo as iguarias propostas na ementa (escrita, claro, a giz num quadro preto) e no fim dizer que preço pretende pagar pela refeição, decidindo assim o "custo de acordo com o grau de satisfação". E, num passe de mágica, o hóspede deixa para trás as suas memórias de aluno e torna-se o mestre que usará os seus critérios para dar ao instruendo a nota (literalmente) que acha que ele merece.

Sem acesso ainda a esta experiência, saímos sem repasto mas com a barriguinha cheia de lições aprendidas e memórias revisitadas. No final, o resultado do exame: Aprovado.

Réplica a caminho no Porto

O Hotel da Estrela, paredes-meias com a  - (EHTL), insere-se num projecto de €17 milhões do Turismo de Portugal que incluiu a nova escola, inaugurada em Setembro de 2009. O projecto de reabilitação é da autoria de Teresa Nunes da Ponte e os interiores foram criados por Miguel Câncio Martins. Membro da Small Luxury Hotels of the World, a exploração foi entregue ao grupo Lágrimas Hotels e terá entre o seu staff alunos da EHTL. Semelhante conceito deverá ser reproduzido no Porto, nas antigas instalações do Liceu Soares dos Reis, onde será instalada a Escola de Hotelaria do Porto.

Nome
Hotel da Estrela
Local
Lisboa, Lisboa, R. Saraiva de Carvalho - Palácio dos Condes de Paraty
Telefone
211900100
Horarios
e
Website
http://www.hoteldaestrela.com
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