Refastelados contra fofos almofadões, deixamo-nos deslizar pelos alvos lençóis ao mesmo tempo que temos a sensação de, à nossa frente, se esconder um palco por trás de uma extensa cortina. Não em vão. Cedo pela manhã descobriríamos o que os panos ocultavam.
Mas, agora, o cansaço, testemunhado por um anafado marinheiro numa tela trabalhada pelos Story Lovers, leva-nos a outras paragens. Ao tempo em que este mesmo poiso serviu de abrigo àquele homem do mar que teima agora em nos velar o sono - nada menos que o próprio D. Carlos. O monarca português, que celebrou os seus 15 anos à luz da primeira experiência lusa de iluminação eléctrica nesta cidadela, onde mais tarde viria a instalar o primeiro laboratório português de biologia marítima, é apenas um dos muitos ilustres que fazem parte da história da fortificação: Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro ou Óscar Carmona também habitam estes aposentos. Alguns a cheirar a novo, alicerçados em estruturas criadas de raiz; outros a emanarem memórias longínquas, como as dos anos que testemunharam o seu nascimento para defender a costa dos piratas, no reinado de D. João II, ou lembranças mais recentes, da altura em que a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz acolheu o Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea e de Costa.
"Já tivemos quem nos indicasse onde ficava a camarata quando aqui cumpriu serviço militar", conta Pedro Serra, gestor da Pousada de Cascais, aberta sob o selo Pestana a 18 de Março. "Quando visitam os nossos quartos dizem-nos ''no nosso tempo não era assim... agora é um luxo', e isso tem a sua graça", resume Miguel Metello, director regional do grupo. "Se as paredes falassem com certeza teriam muito para contar."
De volta aos nossos aposentos, de cores e decoração sóbrias e airosas, acordamos para o cenário azul que se impõe quando se correm os pesados cortinados e se deixa a luz invadir todo o quarto - no caso, a luminosidade chega também à alva casa de banho, servida por banheira e separada da zona de dormir por vidro e duas persianas de correr. Voltamos para a cama para descobrir, mesmo diante do nosso olhar, um recorte a vidro na parede da varanda que funciona como uma espécie de ecrã plano. A sensação é de se estar a assistir a televisão. O tempo é o real e o programa, a vida na Marina de Cascais.
Com os testes cama, duche e vista passados com distinção, partimos num passeio de reconhecimento pelos corredores que se multiplicam, separados por vezes por pequenos halls, por onde nos vamos cruzando com funcionários da manutenção, alguns operários das obras que ainda decorrem, hóspedes em lazer, outros a caminho de uma qualquer reunião de negócios e outros ainda preparados para zarpar a qualquer momento com o seu barco da marina. "É muito engraçado ver como clientes com propósitos tão distintos se vão cruzando na recepção: na altura do check-in, lado a lado, temos alguém acabado de sair do escritório e outra pessoa vinda directamente de alto-mar", conta-nos Pedro Serra. "Mas é muito provável que o cliente de fato volte em lazer ou que o cliente do barco regresse em trabalho", acrescenta Miguel Metello.
"Uma unidade única"
Dada a sua experiência no ramo, António Mateus, governante da Pousada de Cascais, guia-nos por aquela que diz ser "uma unidade única". Logo a começar por uma das suas alas, onde antes se situavam os quartos dos oficiais, e onde agora se pode "testemunhar um corredor que não se deve conseguir encontrar em mais nenhum hotel". É "o corredor das ondas", informa o anfitrião, e depressa percebemos porquê. Estreito, permitindo a passagem a, no máximo, duas pessoas de cada vez, o caminho começa pela descida de alguns degraus para depois se revelar numa aparentemente infindável subida, acentuada por vários desníveis, dando a ilusão de se estar perante um efeito espelho. "Não é o ideal para o serviço de limpeza, com o carrinho, mas não deixa de ser muito interessante.". É nesta zona que se podem descobrir os quartos, de tecto abobadado e abençoados pelo génio de Eça, que usufruem de dois janelões alinhados em altura: um ao nível do chão; outro para lá das nossas cabeças. António vai-nos apresentando os diferentes aposentos, aproveitando para endireitar uma peça ali, alisar uma manta acolá. "Não sei qual será o meu preferido", confessa.
A verdade é que "é difícil escolher um quarto mais emblemático que outro por serem todos tão diferentes", explica Metello. Há quartos e suites com vista para a marina, outros que espreitam a praça e ainda os que oferecem acesso quase directo à piscina e spa, que se espraiam sob o solário, onde os olhos se perdem na extensa vista. Nos seus interiores, uns oferecem a brisa marítima nas suas varandas; outros, áreas separadas de quarto e de estar; uns quantos, mimos, caso de um discreto tocador.
A diversidade dos aposentos, algo pouco comum num hotel desta dimensão - 108 quartos e 18 suites, traduzindo-se na maior pousada do grupo no país -, não resultou apenas do acaso ou da vontade, mas muito da necessidade. A arquitectura assim o impunha: "temos quartos com um pé direito de 10 ou 12 metros (...) e outros em que a disposição da mobília teve de ser desenhada especificamente para ali". Assim, o projecto, da responsabilidade da dupla Gonçalo Byrne e David Sinclair, foi sendo adaptado ao que já lá estava. "Apesar de terem sido construídas alas novas, tentámos respeitar todas as quotas, tudo aquilo que estava cá dentro. E tudo o que foi construído foi baseado no que já existia." Depois, a decoração, a cargo de Jaime Morais, não podia esquecer a história da fortificação, de Cascais e de toda a região envolvente. E, assim, através de telas dos Story Lovers (Santo António e Infantaria 19; Iluminação Eléctrica; Rei D. Carlos; Corte na Praia; Pescadores; Eça de Queiroz; "Vencidos da Vida"; e Marechal Carmona), de vários apontamentos ao longo dos múltiplos corredores brancos ou até mesmo com o seu restaurante (Maris Stella, baptizado com o nome do último iate de D. Carlos) reconstrói-se o passado ao mesmo tempo que se lançam pedras para erigir um futuro com mais memórias, tecidas em pequenos momentos.
Um desses instantes terá entretanto ocorrido: a colocação de 600 andorinhas de Bordalo Pinheiro de modo a comporem um esvoaçante bando numa das paredes do grande hall. Este, um piso abaixo da entrada, aproveita o declive natural do terreno. Aqui, toma-se o pequeno-almoço e pode-se ficar até tarde a bebericar um chá ou a comer um snack tardio. A obra teve de ser terminada já de portas abertas e daí veio a ideia de convidar os hóspedes a colocarem a sua própria andorinha: "Daqui a 15 ou 20 anos, quando passarem aqui com os seus netos, queremos que possam dizer ao neto ''aquela foi a andorinha que eu pendurei'."
Uma nova alma
Lá fora, na ampla praça que acolhe os vizinhos da pousada - o Museu da Presidência, a capela Santa Maria da Vitória, o restaurante A Taberna ou várias lojas de marcas nacionais, o movimento começa cedo. Ainda tímido durante a semana, mas logo no fim-de-semana de abertura, conta-nos Maria João Simões, coordenadora de eventos da unidade, já se observou um corrupio de curiosos. Com a cisterna manuelina em destaque, de frente para a discreta entrada da pousada, a praça vai-se compondo com o avançar do dia com esplanadas e vida.
"A cidadela vai ser usada tanto pelos nossos hóspedes como pelos locais e pelos turistas que passam a Porta de Armas e têm aqui uma série de lojas ou um restaurante com entrada directa", refere Metello. As sinergias com o município prometem ainda alargar-se ao longo deste ano, com "um projecto cultural que irá fazer parte da Agenda Cultural de Cascais", a iniciar-se no Verão, ou com a abertura de uma discoteca.
O objectivo passa por "dinamizar toda esta zona" ao mesmo tempo que se criam valências várias para tornar a estada completa: num único espaço, dorme-se, faz-se exercício, dá-se um mergulho na piscina, apanha-se um pouco de sol, come-se algo leve no bar; depois, à tarde, talvez um passeio pelas lojas e um gelado; à noite, pode-se jantar fora n' A Taberna e logo de seguida beber um copo e dançar.
"É um investimento muito grande, de 20 milhões de euros, que veio revitalizar não só a vila de Cascais, mas também dar uma alma nova a este local", frisa Metello. Por isso, "desde que entramos até que saímos, respiramos história".
- Nome
- Pousada de Cascais
- Local
- Cascais, Cascais, Avenida Dom Carlos I - Cidadela de Cascais
- Telefone
- 214814300
- Website
- http://www.pousadas.pt
