Esta história pode começar com um casamento por procuração.
Ou então com uma limonada inesquecível ao fim da tarde, quando o sol já está a pôr-se e a chegada da noite se anuncia com uma orquestra de rãs.
Opção um, casamento
O avô de Paula Silva está em Moçambique, a avó algures na Metrópole. Casam-se de papel passado (e assinado por outrem, mas isso são pormenores) e é preciso que ela passe um mês a bordo de um navio para que o veja pela primeira vez na pele de marido. O resto é qualquer coisa como isto: casaram-se e foram felizes para sempre. Pelo meio, duas filhas, a mãe e a tia de Paula.
Décadas depois, o pai de Paula está nos arredores de Viseu, a tentar enganar uma vida difícil. Acaba por emigrar para Moçambique e daí até à história de amor vai um pequeno passo. Que seria suficiente para chegarmos aqui, a esta grande mesa de cozinha da Figueirinha dos Condados, não faltasse um pequeno detalhe: até chegarmos aqui ainda há que falar, outra vez, do avô que era mestre-de-obras e ensinou a arte ao genro - sim, ao pai de Paula Silva, que é personagem central neste filme.
Esta história também pode começar com um licor de pêssego caseiro servido na grande cozinha alentejana onde Paula desfia estas memórias. A Figueirinha dos Condados, no meio de um nada do concelho de Odemira, pertence a Paula Silva e Alexandre Coutinho mas o filme que hoje temos à frente dos olhos tem muitos actores secundários. Nomeá-los a todos seria impossível: o Óscar vai para a família e para os amigos de Paula e Alexandre e não se fala mais nisso.
Foram eles que ajudaram a tornar a casa de férias de Paula e Alexandre nesta que, hoje, pode ser a casa de férias de qualquer um. Um dia aqui, outro ali, o pai de Paula foi reconstruindo e recuperando a casa principal, que o casal tinha comprado há 16 anos. Os amigos, que sempre apareceram para passar fins-de-semana, ajudaram. Até que o que era um local de férias e de refúgio ganhou outras atribuições. "Em 2011 decidimos abrir a Figueirinha ao turismo", conta Paula - ao ecoturismo, acrescentamos, para sermos mais precisos.
Houve que construir mais uma casa, onde estão agora dois quartos, o da Serra e o da Ribeira (na casa principal há mais um aberto a hóspedes e a oferta fica-se por aqui). Neste fim-de-semana de Maio temos o monte alentejano só para nós e Paula deixa-nos escolher em qual dos dois preferimos ficar. De chave na mão, subimos os degraus de madeira que levam ao alpendre comum aos dois quartos e entramos primeiro no Serra. Abre-se a porta e é uma pequena kitchenette que nos recebe. Logo a seguir, o quarto, de inspiração marroquina, e a casa de banho.
Da Serra à Ribeira vai apenas uma passagem secreta. Explicamos: os dois quartos são naturalmente autónomos mas, porque são vizinhos, podem facilmente tornar-se comunicantes, através de uma porta embutida no roupeiro - que como é óbvio se fecha a sete chaves quando os hóspedes não têm ligação entre si. Entramos no quarto Ribeira por esta porta dos fundos, mas nem por isso ficamos menos impressionados. Já decidimos que é aqui que vamos passar as próximas duas noites: a rede mosquiteira que pende do tecto e se espalha em cima da cama feita à medida com estacas de vedação conquista-nos ao primeiro olhar. E ainda nem nos deitámos no colchão milagroso que nos há-de dar noites de sono como há muito não experimentávamos.
Ao lado da cama, as mesas de cabeceira são dois bancos de cortiça tipicamente alentejanos. Há dois candeeiros suspensos de pele de cabra, a um canto estão empilhadas três malas de viagem antigas, vê-se um espelho na parede e um banquinho de estacas por baixo da janela. Ponto.
De resto, temos a mesma kitchenette do vizinho do lado, isolada do quarto por uma porta de correr. Na casa de banho é a pia em granito que se destaca e só depois se atenta nos candeeiros: são feitos a partir de utensílios "usados para apanhar laranjas", explica Paula. "Chamam-se ladras." O toalheiro, uma espécie de escada encostada à parede, é de bambu, e foi oferta de uma amiga.
Opção dois, limonada
Chegámos ao final da tarde, depois de uma viagem de antologia por trechos de paisagem alentejana deliciosos, mas ainda temos luz suficiente para vermos para além do quarto. Saímos para o alpendre e olhamos em volta. Tudo o que se ouve é um concerto desafinado de rãs. Seguimos-lhes o rasto e desembocamos na menina dos olhos de Paula Silva e Alexandre Coutinho: a piscina biológica da Figueirinha. É Alexandre quem assume as despesas da conversa, referindo-se às incontáveis espécies vegetais e animais que aqui vivem. São, porém, os nenúfares e as rãs os reis da festa. Talvez amanhã tenhamos coragem de entrar na água.
"Ali em baixo será o espaço onde em breve planeamos instalar a nossa área deglamping", aponta agora Alexandre. Para quem não sabe, o glamping é um neologismo que resulta da junção das palavras inglesas camping e glamour. Em português, será qualquer coisa como acampar com estilo - ou com comodidade, se preferirem.
Há uma horta biológica de onde saem tomates e alfaces que provaremos mais logo, árvores de fruto variadas, um caramanchão camuflado por plantas diversas, um ninho de andorinhas instalado junto ao forno a lenha exterior. À nossa volta ouvem-se apenas os sons da natureza - e entretanto a voz de Paula, que chama para uma bebida antes do jantar.
É uma singela limonada, mas há-de ficar para a história. Tem cubinhos de maçã a boiar, folhas de hortelã e um travo muito ligeiro a mel. Antecipa os dotes culinários de Paula, que testaremos ao longo do fim-de-semana, e que vão desde uns deliciosos camarões fritos a um inesquecível ensopado de borrego. As refeições fazem-se na cozinha da casa principal (uma grande mesa de madeira, cadeiras vermelhas, uma lareira à escala humana; é aqui também que está a única televisão da Figueirinha, bem como a aparelhagem e um par de jogos que podem animar as noites de quem não se contentar com a contemplação do céu estrelado) ou cá fora, no alpendre com vista para o jardim e para as camas de rede que ondulam suavemente ao vento.
É nelas que, na manhã seguinte, assentamos arraiais depois de uma noite bem dormida e de um farto pequeno-almoço. Alexandre repara umas bilhas de azeite antigas, Paula anda às voltas na cozinha, as rãs cantam lá em baixo, na piscina. O sol está na medida perfeita: aquece mas não queima. Pedimos mais limonada e aqui ficamos até nos chamarem de novo para a mesa. Haverá melhor vida que esta?
(Do gin tónico falaremos para a próxima.)
Como ir
De Lisboa, seguir pela A2 e sair na segunda indicação para Grândola. Depois, apanhar a estrada nacional em direcção ao Algarve. À chegada à Mimosa, virar à direita para Alvalade e depois seguir em frente pela EN262 até ao Cercal. Na rotunda do Cercal, sair na terceira em direcção a Odemira. Uns dez quilómetros depois, chega-se a São Luís e a uma placa (pequena e do lado direito) que indica, para a esquerda, Relíquias, Lameiros e Monte da Estrada. Virar nessa direcção e novamente dez quilómetros depois chega-se ao Monte da Estrada. Seguir a estradinha que indica o Café Seara. Regra geral, Paula e Alexandre vão buscar os hóspedes a este ponto, dado que o caminho até à Figueirinha, aí uns dois quilómetros, é feito por uma estrada de terra batida. Apesar dos solavancos, qualquer carro, mesmo ligeiro, chega lá facilmente. De Lisboa, a viagem demora cerca de duas horas.
Onde comer
Por encomenda, as refeições podem ficar a cargo de Paula Silva, que pratica uma cozinha simples mas de mão cheia. Quem preferir pode sempre preparar almoços ou jantares ligeiros na kitchenette ou usar a grelha para fazer churrascos. Nas imediações, e mesmo assim ainda são mais de 20 quilómetros, um dos restaurantes mais afamados é a Tasca do Celso, em Vila Nova de Milfontes.
O que fazer
A Figueirinha está suficientemente longe e suficientemente perto da costa alentejana. Quem quiser apenas descansar encontra aqui a paz de que precisa - e a piscina biológica refresca os dias mais quentes. Pontualmente, a Figueirinha organiza actividades que tanto podem passar pela apanha da azeitona ou por workshops de escrita criativa. Os que preferirem têm uma mão-cheia de praias, qual delas a mais bonita, a distâncias variáveis. Vila Nova de Milfontes será a mais próxima e a partir dali desenrola-se uma imensidão de areais. A praia do Cavaleiro, próxima do cabo Sardão, fica a uns 50 minutos da Figueirinha mas o passeio vale bem a pena. É uma pequena enseada de águas cristalinas abrigada por lâminas de xisto que se erguem numa enorme falésia. Recomendamos também a praia dos Alteirinhos, a única do concelho de Odemira classificada como zona naturista. Só lamentamos que, aquando da nossa visita, fosse um monte de lixo a dar as boas-vindas a quem chegava ao fim da escada de madeira que conduz ao areal. Para além das praias, a zona é propícia a passeios pedestres, de bicicleta, a cavalo, de barco ou de canoa, nomeadamente no rio Mira e na barragem de Santa Clara.
O ecoturismo
Disponibiliza três quartos, um na casa principal e mais dois na casa recentemente construída. Tem quartos acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida. A piscina é biológica e grande parte da energia provém de painéis solares.
- Nome
- Figueirinha Ecoturismo
- Local
- Odemira, Relíquias, Monte da Estrada
- Telefone
- 283623306
- Website
- http://www.contra-a-corrente.pt