É a primeira coisa que nos inunda os olhos assim que os abrimos às primeiras horas da manhã. A frente ribeirinha é explorada em todos os ângulos e até neste bastante ensonado (e contrariado) erguer de entre os lençóis, com o Mar da Palha aqui mesmo à nossa frente. Assim acontece neste quarto, uma suite em que a zona de dormir é a mais modesta, alargando horizontes tanto numa casa de banho - com banheira, duche e quarto de vestir incluídos (e onde não falta uma vasta gama de mimos) - como numa sala que pede para nos aninharmos num sofá ultramacio: a ver TV, a ler um livro, a folhear uma revista ou simplesmente a olhar o azul pelas janelas que emolduram todo o espaço. Mas também poderia acontecer em qualquer outro dos 185 quartos que compõem o novel Myriad, cinco estrelas gerido pelo grupo Sana que, depois de 12 anos do nascimento do projecto, cumpriu por fim a missão de inaugurar um hotel na Torre Vasco da Gama, no Parque das Nações, Lisboa. E, localização oblige, todos os quartos, sem excepção, têm vista mar.
A ideia de "virar as camas para o mar" não constava no projecto original - "foi uma das coisas acrescentada a meio do processo" -, mas coaduna-se com o mesmo, que foi "concebido a olhar para o mar", relata à Fugas o arquitecto responsável pelo Myriad, Nuno Leónidas. "Estava na praia (...) e como não havia ainda estes devices de nova tecnologia, fui desenhando com o dedo na areia." Nascia assim a ideia de construir uma gigantesca vela, com dois corpos e sempre com os olhos no azul da água - "a fazer a barba, a ler um livro, a trabalhar... tudo convida a olhar o Mar da Palha" -, para um desamparado mastro que, durante anos, foi acolhendo eventos, ofereceu restaurante panorâmico, mas sobretudo serviu de miradouro.
A Torre Vasco da Gama ainda atrai curiosos, principalmente entre turistas. A todo o instante vão entrando: sozinhos, aos pares, em grupos, de máquina de fotografar a tiracolo. Querem saber se é possível subir ao topo da torre, como provavelmente lhes terá indicado algum guia mais desactualizado. E são recebidos como se já se esperasse por eles. "Convidamos a pessoas a entrar", diz Nuno Braga Lopes, que assume a direcção do hotel. Até porque, justifica, "as pessoas sentem que este edifício também lhes pertence por estar ligado à Torre Vasco da Gama, que é público".
Assim que atravessam a acanhada porta de entrada, num dos cantos do átrio, os olhos, quer dos visitantes quer dos hóspedes (quer os nossos), são atraídos a escalar até aos 142m que o pé direito do lobby totaliza. Um "efeito "uau"" previsto no projecto de arquitectura que, segundo o seu autor, cumpre um dos requisitos principais: "Provocar sensações e emoções."
O tamanho, porém, não causa constrangimentos: o espaço foi criado para surpreender, mas também para acolher. Por isso, o centro da acção não passa pelo balcão decheck-in, incrustado na lateral oposta, mas antes pelo central bar - e, claro, com o mar no horizonte. "Tudo gravita em torno do bar", resume Nuno Leónidas. A partir daí, nascem espaços de estar, orquestrados como pequenas salinhas, um restaurante, talhado a brancos e negros, com toques lilases, e as varandas que nos remetem para os decks de um grande navio de cruzeiro em alto-mar. Sítios criados para servir o cliente, mas compreendendo que "um cliente não é necessariamente um hóspede: pode simplesmente vir beber um copo, jantar, encontrar-se com os amigos, fechar um negócio", enumera Leónidas.
Braga Lopes reforça a ideia: "Ao contrário do que acontece lá fora, em Portugal os hotéis ainda têm muito o estigma de inacessíveis e nós queremos contrariar isso." Assim, "o restaurante aberto, sem divisão clara entre o bar, serve para quebrar preconceitos e barreiras". "É possível estar alguém a jantar e mesmo ao lado uma pessoa a beber um copo no bar - e nenhum destes ser hóspede."
Nesta noite, alguém aproveita um dos cantinhos da ampla entrada para, entre os sofás prata arredondados e sob um lustre carmim, celebrar o aniversário com três convivas, antes de se decidir por um faustoso jantar. Já antes um casal tinha saboreado um chá, servido com um sortido de bolinhos, recolhido num dos cantos do bar e separado do resto da entrada por uma cortina de correntes. "Hoje [domingo] é mais calmo", mas durante a semana as mesas enchem, assim como os sofás e os decks lá fora. É que, de forma a aproveitar o espaço deste gigantesco lounge, o Myriad pretende "sair da ideia do piano de hotel - que temos à segunda e à terça-feira". "À medida que o fim-de-semana se aproxima, fazemos um programa de animação um bocadinho diferente: à quinta temos jazz, que intercalamos com soul, e à sexta e ao sábado um DJ que cria um ambiente muito interessante."
Também o restaurante é factor de atracção de não-hóspedes, com uma aposta numa "alta cozinha, muito ligada ao mar, mas também às tradições portuguesas". No nosso menu, por exemplo, constava uma viajada pintada (ou galinha-d"angola) recheada com uns mui alentejanos pezinhos de coentrada. Resumindo, "é uma cozinha muito despretensiosa - até pela época em que vivemos - e muito genuína". Não se pense, porém, que a ausência de pretensão é sinónimo de singeleza: desde o serviço de pratos até aos talheres ou às garrafas que compõem o bar - em que se destaca a colecção de conhaques, de vodkas ou de gins -, tudo parece ter sido pensado ao mais ínfimo pormenor. E sem austeridade.
Cereja no topo da torre
De manhã, o movimento no primeiro piso vai crescendo. São os hóspedes que descem para o pequeno-almoço - que passa com distinção na prova: sumo de laranja acabado de espremer, croissants e pão estaladiços, doces caseiros, molhos quentes para as macias panquecas, frutas, bolinhos de todas as formas... -, os funcionários que vão montando as salas do almoço no primeiro piso para os participantes na conferência de trabalho no centro de eventos anexo - facto que serve para "separar o tráfego de hóspedes do tráfego de negócios" - ou os curiosos que voltam a espreitar. Uns viram costas assim que descobrem que visitar o alto da torre só mesmo daqui a um ano, quando as obras do restaurante panorâmico terminarem, outros aceitam o convite para entrar e conhecer o novo hotel. É, por isso, comum cruzarmo-nos com visitas guiadas pelos corredores. Também o spa, no último piso, recebe visitas e clientes externos (apenas o ginásio é de acesso restrito). Embora, pelo facto de ser pequeno, mantenha "uma certa exclusividade", afiança Braga Lopes.
De facto, é o silêncio que mais se ouve pelas salas de tratamento, nas quais se tem provavelmente a mais ampla vista sobre Lisboa, o rio e toda a margem Sul. "É a cereja no topo do bolo", enfatiza o arquitecto Nuno Leónidas, que remete a ideia do mar para uma enorme parede em vidro que compõe uma onda. "Quando estamos a trabalhar num projecto em cima do mar, a curva tem de ser um elemento do discurso arquitectónico e tem de ser um elemento também da composição dos interiores." Ainda assim, esclarece, no Myriad assiste-se "a um diálogo entre a curva e a linha recta - como no caso do átrio".
Além da piscina, aquecida e com cadeiras de massagem, das airosas salas ou do menu de tratamentos, gerais ou localizados (para a Fugas reservaram um Relaxante Sayanna, indicado para reduzir níveis de stress), o trunfo do spa reside precisamente nas vistas, que ganham ainda mais relevo na sauna, que parece flutuar sobre o Tejo e que, segundo Nuno Leónidas, "é única".
Mas a unicidade do Myriad não se fica pelo seu topo. Até porque o hotel é mais do que apenas um edifício: "É um barco", constata Leónidas. "Temos duas caves dentro de água e a estrutura está apoiada em estacas com mais de 30m de altura." Voltamos aosdecks e volta a sensação de que o arquitecto não está a exagerar. Estamos muito provavelmente num barco, em que tudo nos convida a rumar à proa, onde um bar, estrategicamente colocado ao centro, tem a ambição de garantir que este Myriad seja mais do que um hotel. Que seja "um grande ponto de encontro em Lisboa".
- Nome
- Hotel Myriad
- Local
- Lisboa, Santa Maria dos Olivais, Cais das Naus, Lote 2.21.01
- Telefone
- 211107600
- Website
- www.myriad.pt