Fugas - hotéis

Nini Andrade Silva é a autora do projecto de arquitectura e design de interiores deste Figueira, o primeiro do novo grupo The Beautique Hotels

Nini Andrade Silva é a autora do projecto de arquitectura e design de interiores deste Figueira, o primeiro do novo grupo The Beautique Hotels Rui Gaudêncio

Fruta da época

Por Sandra Nobre ,

Não é tempo de figos, mas na Praça da Figueira a árvore que lhe deu nome transformou-se num hotel com folhas viçosas e frutos apetecíveis todo o ano. Guardado por um cavaleiro de outros tempos, o The Beautique Hotels Figueira convida a subir à árvore e deixar-se levar pelo apelo da natureza.

É noite. Está um cavaleiro à janela. Tem armadura e uma lança. E há um castelo no alto da colina para defender. Quem será a dama em perigo que vem salvar? Menina e moça, Lisboa é resgatada aos poucos do abandono a que tem sido deixada. Da janela do quarto, a Praça da Figueira, em frente, parece adormecida. Não se vê vivalma. No casario em volta, apenas umas luzes denunciam gente, um ténue sinal de vida. Há outras que se acendem e apagam, alternadamente, consoante a fugaz freguesia das habitações. Sentimos o bater do coração da cidade. Adormecemos com conversas vadias que sibilam furtivamente nas janelas. Mas sentimo-nos seguros, guardados pelo Mestre de Avis, D. João I, que permanece impávido no seu cavalo, como o foi em Aljubarrota contra o Reino de Castela, onde foi aclamado Rei de Portugal.

Acordamos com o eléctrico que passa airoso junto ao cavaleiro, sinais dos tempos. Lisboa anda a outro ritmo em dia de semana. A praça ganha movimento à medida que o dia avança. Há folhas caídas no interior do quarto junto à janela fechada e espalhadas pelo tapete. São perenes, bordadas de propósito, como se o vento as tivesse espalhado a seu bel-prazer também pelas paredes e pelos móveis.

Visto de fora, a fachada verde do hotel é como uma árvore frondosa, como as figueiras que outrora deram nome à praça. Nini Andrade Silva, autora do projecto de arquitectura e design de interiores, concebeu o The Beautique Hotels Figueira como se fosse uma árvore, que cresce até uma altura de oito pisos. Mais do que um local para dormir, pretende que seja uma experiência sensorial. "Da base ao topo, das raízes à copa e da força estrutural à densidade do tronco, erguem-se ramos que deambulam pelos demais pisos em proporções geométricas e curvilíneas. As misteriosas proporções da folhagem ganham cor e corpo numa indisciplinada vontade de proporcionar experiências únicas", explica a designer na apresentação. E tudo é nacional - do mobiliário à comida. Esta é a estratégia do novo grupo hoteleiro The Beautique Hotels (TBH), decidido em apostar "em hotéis de charme e um segmento superior", que primem pela "personalização e design". O Figueira é o primeiro de vários projectos em curso.

Os tons da terra envolvem o espaço em cada elemento decorativo - castanhos, bronzes, exaltados por verdes viçosos das folhas e vermelhos sumarentos da polpa dos frutos. As formas acompanham a silhueta da árvore, criando recantos mais privativos. Os móveis têm formas orgânicas. Nas paredes, projecções multimédia recriando o nascimento das folhas até à sua queda das árvores, o figo que cai maduro e se abre - as imagens surpreendem e convidam quem passa a ficar a observar. A dois passos dos principais pontos de interesse da capital - o Terreiro do Paço, o Castelo de São Jorge, os bairros mais castiços da cidade, os miradouros, os elevadores, as principais artérias comerciais, como o Chiado e a Avenida da Liberdade -, em breve o hotel vai abrir as portas ao público em organizadas visitas guiadas para que mais gente possa assistir ao "espectáculo" da natureza que acontece no interior.

A máquina do tempo
A recepção, discretamente arrumada a um canto, parece ser o único elemento que quer passar despercebido. Mesmo ao lado, o bar e o restaurante contíguo - Honra by Olivier - chamam a si todas as atenções. Ambiente moderno, descontraído e "comida de portugueses", como se pode ler na carta, para almoços e jantares. Servem-se clássicos revisitados - peixinhos da horta, escabeche de caça, bochechas de porco preto com puré de grelos, bitoque, bacalhau à Brás, açorda de gambas, arroz doce, pastéis de nata e travesseiros. Enquanto se espera, vêm do bar combinações com bebidas com sabores igualmente nacionais - Licor Beirão, Amarguinha, Ginjinha ou o vinho do Porto.

Os empregados percorrem a sala de auricular e há um dispositivo em cada mesa para os chamar, como se fossem bonecos telecomandados - dir-se-ia que uma qualquer máquina do tempo os teletransportou para o sítio errado... Terá chegado assim o cavaleiro e o seu cavalo, que continuam em pose defensiva na praça, aos nossos dias?

Há algo de misterioso no conceito cénico que nos envolve, como se fizéssemos parte de uma pantomima. Deixamo-nos levar até à copa da árvore. Subimos ao spa, projectado como se de um ninho se tratasse, de formas curvilíneas e orgânicas. De súbito, estamos da mesma altura do castelo, que se avista de uma pequena janela, como uma vigia estrategicamente colocada. A luz é ténue, deixando que os rasgos de luz natural confiram dramatismo ao espaço. A música embala-nos. Até o cheiro é o da natureza.

A terapeuta recebe-nos e damos início ao tratamento, misto de "massagem de relaxamento com técnicas de shiatsu e tailandesa", explica-nos. Os produtos são naturais - sal e alfazema - preparados na hora. Primeiro uma esfoliação, depois a massagem com o mesmo aroma, ideal para relaxar. A precisão dos gestos e dos pontos de pressão operam milagres nos corpos doídos do dia-a-dia. Por fim, uns momentos de silêncio. Tocam as taças tibetanas a anunciar o fim do tratamento, tínhamos adormecido...

Descemos pelos ramos, as folhas continuam a cair, suavemente. Parece que entraram mais no quarto, mas é mera sugestão. Ficamos sentados à janela, nos bancos como os dos namorados de antigamente. O cavaleiro continua de guarda. À luz do dia a praça revela-se diferente - em cima, as ervas daninhas que trepam pelos telhados dos edifícios devolutos, as portadas fechadas, as gaivotas a sobrevoar baixinho a ameaçar chuva; lá em baixo, os eléctricos num vaivém, a Casa da Sorte, as pastelarias Suíça e a Nacional, o Hospital de Bonecas, o Mercado... São dois mundos, entre o passado e o presente, tal como esta Lisboa menina e moça que espreita à janela.

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Como ir
O hotel fica no coração da cidade, por isso, vindo de Norte ou de Sul siga pela 2.ª Circular e saia em direcção ao Areeiro, desça, sempre em linha recta, pela Avenida Almirante Reis, continue pela Praça do Martim Moniz e, em frente, vai dar à Praça da Figueira. O hotel não tem estacionamento mas há um parque público mesmo em frente.

Nome
The Beautique Hotels Figueira
Local
Lisboa, Santa Justa, Praça da Figueira
Telefone
210492940
Observações
Ao todo são 50 quartos divididos em quatro categorias: standard, superior, deluxe e premium. Vai haver um quarto especial Nini Andrade Silva, com alguns objectos da designer e um livro onde pode deixar comentários. Em todos, a lista de amenities é grande e vem acompanhada da respectiva lista de preços, para quem gosta de levar para casa dos chinelos ao robe, mas neste caso também pode querer levar a máquina do café, a balança, a docking station para iPod ou o comando da TV. O restaurante Honra by Olivier está aberto para pequenos-almoços (7h às 10h30), almoços (12h30 às 15h) e jantares (19h30 às 00h). O bar está aberto das 10h às 00h. O spa está aberto ao público, entre as 9h e as 21h. Conta duas salas de tratamento, sauna e banho turco. O hotel tem ainda com um ginásio para uso exclusivo dos hóspedes.
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