Fugas - hotéis

Um lugarzinho no céu

Por Luís Francisco ,

É a unidade hoteleira mais alta de Portugal e só por isso já seria especial. Mas a Casa das Penhas Douradas tem muito mais para oferecer do que a paisagem que a circunda.

Há qualquer coisa aqui que nos faz sentir bem-vindo. Ou melhor, há muita coisa que nos faz sentir em casa, mesmo se muitos desses pormenores não aparecem à vista ou iludem a memória quando tentamos refazer os nossos passos. Na Casa das Penhas Douradas, um hotel de charme que recebe os seus visitantes na povoação mais alta de Portugal, há um cuidado genuíno com os detalhes. Os pequenos e os grandes.

Podemos mencionar, por exemplo, a oferta de chá e bolos que está ao dispor dos clientes a qualquer hora. E beber uma infusão bem quentinha quando se regressa da montanha, temperaturas negativas lá fora e o suave crepitar das lareiras cá dentro... bom, é um luxo. Talvez soe estranho, falar de luxo numa unidade hoteleira onde a ostentação está completamente varrida para fora da porta, onde a simplicidade e o ambiente familiar são uma constante. Mas a verdade é que, aqui, podemos dizê-lo, temos serviço e mordomias cinco estrelas.

O hotel, desde há um ano com 18 quartos, disponibiliza spa e piscina interior aquecida (com hidromassagem), salas de leitura e ecrã gigante - com generosa oferta de livros e filmes à disposição. A climatização é excelente, a cozinha (com consultadoria do chefe Luís Baena) serve jantares gourmet, os quartos são práticos e confortáveis, o design interior cativa pelos materiais (cortiça, bétula...). Mesmo sabendo que estamos na serra da Estrela, esse lugar único, apetece perguntar: sair para quê?

Mas vale a pena sair. Seja para um dos vários passeios pedestres ou de BTT (com instruções cuidadas e muito completas no site do hotel), para dar um salto à neve no maciço central, para conhecer melhor as tradições locais ou para visitar aldeias e castelos que contam a nossa história. Ou - não se arrepiem, isto só vale no Verão - para dar um mergulho nas lagoas da serra, cujas águas, aquecidas pelo sol, podem estar a mais de 20º C.

Vale sempre a pena sair, nem que seja apenas para respirar por breves minutos o ar gelado e puríssimo da serra. E, para reforçar a mensagem de que é bom ficar lá dentro mas há muito para conhecer lá fora, o hotel disponibiliza bicicletas, caiaques, trenós e raquetas para a neve.

Onde os rios nascem

Estamos a 1500 metros de altitude. Em território continental, só mesmo a zona do maciço central da Estrela (mais uns pontinhos ali perto e no Gerês...) se eleva até mais perto do céu. Mas aí não há onde ficar. Nas Penhas Douradas, estamos bem juntinho ao céu. A Casa está virada para a face Leste da montanha, mas uma pequena caminhada de 100 metros coloca-nos sobre a crista e alarga o ângulo de visão a uns bons 300 graus... Para os corajosos que, nesta altura do ano, se atrevam a desafiar o frio, a vista é avassaladora. Principalmente de noite.

Lamentavelmente, o único horizonte que nos é cortado desta localização é o do maciço central, na direcção Sudoeste. E isto acontece porque a serra se prolonga em crista nesse alinhamento, guardando ciosamente em paredes de granito os primeiros quilómetros de percurso do Zêzere, lá em baixo no vale glaciar de Manteigas.

Do outro lado, ali tão perto, está a nascente do Mondego, um despretensioso fontanário a marcar o início da longa caminhada do maior rio cem por cento português até à Figueira da Foz. Os dois, Mondego e Zêzere, nascem, aliás, de costas voltadas para o Atlântico - e ambos desenham curvas de 180 graus para se colocarem na rota definitiva, o primeiro rumo ao mar, o segundo a caminho do Tejo.

Neste reino de pedras e água, de árvores e prados, há um lugar especial para cada estação do ano. João Tomás, proprietário da Casa das Penhas Douradas, não se cansa deste espectáculo: "Aqui temos as estações do ano bem marcadas, ao contrário do que acontece em tantas paragens do país. O Inverno é branco, a Primavera florida, o Verão fresco e agradável, o Outono castanho e amarelo... Olhamos para uma árvore e sabemos logo em que estação do ano estamos."

Para este (ex-)advogado lisboeta, agora com 54 anos, não há neve que o convença a mudar de ideias: "A Primavera e o Outono são os momentos mais bonitos!" O festival de cores das folhas que envelhecem, a coexistência de neve com as primeiras flores, há aqui muita matéria de paixão. E João Tomás é um confesso apaixonado pela região.

Casas e sanatórios

Essa paixão pela montanha explica como começou por vir até às Penhas Douradas, que em tempos tinham sido a primeira estância de montanha de Portugal. "Fiquei aqui na Casa quando esta era uma espécie de café-albergue, durante os passeios pedestres que vinha cá fazer", explica. "As Penhas Douradas tinham perdido a lógica de estância de montanha. O que aqui havia era residências particulares e sanatórios." Os médicos, com o célebre Sousa Martins à cabeça, recomendavam a altitude em casos de tuberculose.

Existira um hotel naquele local, em tempos, mas ardeu e as ruínas ficaram por ali a maior parte do século XX. Depois de outros usos, incluindo o de café, a propriedade foi adquirida por João Tomás e pela sua mulher, Isabel Costa, que fizeram obras e abriram a Casa das Penhas Douradas em 2006, então com nove quartos. Três anos depois, em 2009, fecham novamente e reabrem em 2010 com dois novos edifícios e o dobro dos alojamentos.

O hotel actual é o reflexo vivo do passar do tempo. Das linhas e materiais tradicionais do edifício original (com embasamentos em granito e chapas metálicas nas paredes) à arquitectura moderna e "mimética" das novas zonas - que ficam enterradas no chão e acompanham a linha de encosta. Dos esquis antigos que aparecem um pouco por todo o lado - "Não sou coleccionador, mas fui comprando; tenho desde 1880 a 1960, altura em que deixaram de ser feitos em madeira, e um dos mais antigos foi mesmo comprado num antiquário lisboeta, em Campo de Ourique..." - aos painéis solares que se alinham num terreno anexo.

"Agarrámos duas ideias, a vertente social e a vertente ambiental. Estamos num parque natural, portanto achámos que devíamos fazer o que achamos que está certo: unidades pequenas, com oferta de produtos e experiências da região", explica João Tomás.

Sossego total

O discurso está longe de ser revolucionário, a diferença é que aqui as coisas acontecem mesmo: a criação da empresa Penhas Douradas Food and Factory permitiu já abrir em Manteigas um espaço de design e produção de burel (o tecido artesanal português mais antigo) e os lisboetas podem encontrar os sabores e aromas da serra numa loja em pleno Chiado.

Voltemos para dentro. Nos quartos modernos e elegantes está-se bem, espreitando para o jardim cá fora e para as ondulações sucessivas de picos e cristas montanhosas que se alinham no horizonte. É uma boa altura, esta do fim da tarde, para beber um chá, comer uma fatia de bolo e, depois, experimentar a piscina com hidromassagem. Ou fazer uma massagem. Ou sauna. Ou ler um livro à lareira. Ou ver um filme. Ou...

Mas, afinal, quem procura este cantinho de conforto na aspereza da serra? "A noção transversal é que é gente que gosta da Natureza. Depois, há mais portugueses no Inverno e mais estrangeiros no resto do ano. Há quem venha para namorar, para escrever, para actividades de outdoor, para aproveitar o spa ou simplesmente pela gastronomia. A piscina ajuda quem tem crianças. Acho que temos resposta para toda a gente."

Durante a semana, o sossego é total. Quase apetece pedir desculpa por abrir e fechar portas, implorar aos senhores que não acendam tantas velas à noite, que não se incomodem, não vale a pena. Dizer-lhes que o pequeno-almoço é uma barbaridade de sabores genuínos, que a oferta de fruta no quarto nem era preciso, que até trouxemos acesso à Internet e não precisam de nos fornecer o cabo para usarmos a rede do hotel, que aquele jarrinho de suave limonada (também oferecida) à beira da piscina é bom de mais para ser verdade...

E depois há a neve. Acordar, abrir a cortina e ver o branco suave da neve virgem por todo o lado... deve ser fantástico. Só que nem sempre acontece. Mas, para todos aqueles que ouvem a previsão meteorológica e encolhem os ombros em resignação com a informação de "aguaceiros que serão de neve acima dos 1200m", resta lembrar que as Penhas Douradas ficam a 1500m.

Nome
Casa das Penhas Douradas
Local
Manteigas, Sameiro, Penhas Douradas, Apartado 9
Telefone
275981045
Website
www.casadaspenhasdouradas.pt
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