Elsa Marçal, directora do Convento da Sertã Hotel, recebe-nos com um sorriso à porta da unidade hoteleira de quatro estrelas recentemente inaugurada nesta vila da Beira Baixa. Após uma breve troca de palavras, somos conduzidos ao interior de um antigo convento franciscano do século XVII, cujo legado histórico serviu de inspiração à construção deste hotel.
“A transformação do antigo convento numa nova unidade hoteleira não foi tarefa fácil, sobretudo devido ao estado de degradação em que o edifício se encontrava”, adianta Elsa Marçal. Após a secularização das casas religiosas em 1834, este convento teve várias funcionalidades: quartel da GNR, casa de habitação, escola e sede dos escuteiros. Disso falaremos mais adiante...
Detemo-nos na sala da recepção, que no passado funcionava como capela de oração do convento, e rapidamente nos apercebemos que a aura daquele local é diferente. A directora do hotel concorda: “Devido à acústica singular de todo o edifício, quando as pessoas ouvem o eco da sua voz, instantaneamente se apercebem que este é um local diferente.”
A zona da recepção tem ligação com uma outra sala, elegantemente ornamentada e muito iluminada, onde são servidos os pequenos-almoços. O claustro do antigo convento foi aproveitado para este fim, tendo sido dotado de um tecto completamente envidraçado que lhe confere uma grande luminosidade natural. A decoração, em estilo vintage, é bastante delicada, fazendo sobressair as cores suaves que marcam todo este local. Diversas peças de coleccionador foram colocadas cuidadosamente ao longo da sala, de modo a transmitir sobriedade aos visitantes.
Demoramo-nos um pouco nesta sala para descobrir a história do convento. Os “homens bons” da Sertã, desejosos de ter nesta vila uma casa de religiosos, solicitaram ao Priorado do Crato que atendesse ao seu pedido, tendo o mesmo sido autorizado em 1634. Erigida durante os últimos anos do reinado filipino, a obra conheceu diversos atrasos devido aos parcos recursos disponibilizados. Daí que se tenha optado por uma construção faseada: primeiro, o corpo principal, depois o claustro, de seguida a capela e a biblioteca e por fim os acabamentos exteriores.
A nova estrutura religiosa acolheu a Ordem dos Frades Menores (também conhecidos por franciscanos) que aí permaneceu até à extinção do convento.
São várias as lendas que envolvem os primeiros anos de vida deste local. As mais admiráveis estão ligadas ao seu fundador, Frei Jerónimo de Jesus, que a população via como santo. Natural de Viana do Castelo e filho da importante família Fagundes, este frade ganhou uma “aura” especial entre os habitantes da vila, com quem trabalhou afincadamente na divulgação da fé católica. Por vezes, percorria dezenas de quilómetros a pé para confessar os moradores dos lugares mais distantes ou somente para dar algum consolo espiritual, porque os tempos de então não eram fáceis. Diziam dele que tinha premonições e bastantes visões. Entre as histórias que se narravam, destacamos duas. A primeira conta-nos que, durante a deslocação a uma povoação vizinha na companhia de um outro frade, se virou para este, a meio do caminho, e terá dito: “Apressa o passo, pois faleceu a tua filha espiritual, Luzia de Andrade”. O outro entreolhou-o com surpresa, e mais surpreendido ficou quando chegou à vila e percebeu que o facto era verdadeiro. Noutra ocasião, e já no seu leito de morte, Frei Jerónimo de Jesus terá respondido a algumas pessoas que o visitavam e lhe diziam que apresentava melhoras: “Amanhã [dia de Santo António] estarei morto”. E assim sucedeu.
Mas nem só de lendas se faz a história deste convento. Há factos bem reais, que pela sua peculiaridade merecem ser lembrados. Um deles prende-se com as invasões francesas. Por alturas da terceira invasão – corria o ano de 1812 –, estando os franceses próximos da Sertã, o guardião deste convento resolveu pedir à Coroa que enviasse armas aos frades para que estes pudessem defender convenientemente uma ponte que dava acesso ao edifício.
Este relato histórico é-nos apresentado por Carlos Marçal, proprietário da TuriSertã (empresa responsável pela gestão desta unidade), no interior de um dos quartos, de onde podemos avistar a ponte que os frades tanto queriam defender. Aliás, Carlos Marçal aproveita o momento para chamar a atenção para a envolvente do hotel: “Estamos no centro da vila da Sertã, numa das suas zonas nobres, contornados por duas ribeiras maravilhosas e por um coberto arbóreo de excepção. Este é um local de sonho para qualquer investidor hoteleiro.”
De sonhos se fez também a construção deste hotel. O projecto começou a ganhar forma a partir de 2010, altura em que a Câmara Municipal da Sertã decidiu avançar com um concurso público com vista à recuperação do edifício e à sua transformação em hotel. O concurso foi ganho pela TuriSertã, que arrancou com a obra um ano e meio depois.
Quartos com história
Os quartos desta unidade hoteleira estão imbuídos de história. Cada um deles foi baptizado com o nome de uma personalidade ligada à memória do convento (em cada quarto um pequeno destacável oferece-nos a história do convento e uma pequena biografia do visado). O nome dos frades predomina, mas aqui também se pode encontrar o de outras figuras como Clementina Relvas, irmã de José Relvas – o homem que anunciou, em Outubro de 1910, a chegada da República nas varandas da Câmara de Lisboa.
Percebendo a nossa estupefacção pela escolha de um nome tão aparentemente desligado da história do convento, Elsa Marçal rapidamente nos elucida. “Antes de darmos início à construção do hotel, fizemos um rigoroso levantamento histórico deste local – antes e depois de ter sido convento –, e descobrimos por exemplo que, após o seu encerramento em 1834, foi concedido a Carlos Mascarenhas como meio de pagamento pelos serviços prestados por este enquanto Governador Civil de Santarém”. O resto da história conta-se de uma penada – Carlos Mascarenhas, tendo morrido sem descendência, legou o edifício ao irmão Simão José de Mascarenhas, que, por sua vez, o entregou a Romão Luís de Mascarenhas e, mais tarde, à sobrinha deste último, Maria Clementina Relvas (habitou no edifício nos anos de 1891 e 1892).
A vida de excessos e opulência que Maria Clementina Relvas levava ainda perdura na memória colectiva da população: “Dizia-se que fumava tabaco estrangeiro e que acendia os cigarros com notas a arder”, conta Carlos Marçal, para logo acrescentar: “Era uma das poucas habitantes que tinha carruagem e os seus vestidos vinham directamente de Paris. Numa terra em que a pobreza alastrava, os habitantes não ficavam indiferentes a estes excessos”. Todavia, Clementina Relvas é ainda lembrada pela sua faceta de benemérita: “Ajudou muita gente pobre e deixou avultadas somas de dinheiro para obras de caridade no concelho. A sua ingenuidade conduziu-a à desgraça, visto que foram também vários os que se aproveitaram maliciosamente da sua boa vontade”, revela Elsa Marçal.
Na década de 1920, o edifício foi adquirido pela Câmara Municipal da Sertã e nele se instalaram o quartel da GNR e as cadeias civis. Numa sala anexa funcionou também, durante vários anos, uma escola primária e a capela do antigo convento, ainda que preservada, mudou de invocação: de Santo António para Nosso Senhor do Bonfim. Já nos anos de 1990, e após a construção de um novo quartel da GNR na Sertã, a autarquia tentou instalar ali uma biblioteca, mas o projecto nunca foi concretizado devido a problemas financeiros. Mais tarde surgiu então a ideia de converter este espaço numa unidade hoteleira.
Carlos Marçal não tem dúvidas de que o novo hotel “alia o requinte de um antigo edifício histórico à qualidade que só um empreendimento desta natureza poderá oferecer”. Elsa Marçal complementa: “Temos 25 quartos, com todas as comodidades que um cliente exigente pode desejar, designadamente free wireless, HDMI, USB e áudio”, além de uma piscina e de um health club para massagens, tratamentos e terapias.
A directora do Convento da Sertã Hotel confidencia-nos a opção da TurisSertã de “ter trabalhado, durante a construção desta unidade e mesmo depois, apenas com empresas nacionais”. “E quando nos era permitido com empresas da nossa região”, sublinha. “A responsabilidade social de uma empresa como a nossa é um valor importante e não podemos ignorar todos aqueles que escolheram esta região para ter os seus negócios”, nota ainda. Carlos Marçal acrescenta: “A qualidade impera por estas paragens e, por vezes, concluímos que algumas empresas familiares trabalham com tanta ou mais qualidade do que muitas das empresas mais conhecidas.”
Uma obra deste género tem sempre surpresas inesperadas. “Encontrámos de tudo ao longo da construção. A equipa do IGESPAR e o arqueólogo que acompanhou a obra permitiram que nada de valor se perdesse, catalogando tudo para uma futura inventariação das peças, que mais tarde poderão vir a estar expostas na capela do convento”, sublinha Elsa Marçal. Mas, para já, deseja apenas que o hotel se torne num “destino de eleição na região Centro do país”.
Como ir
Para quem vem de Lisboa, seguir pela A1 até à saída 7 (A23 - Abrantes/Torres Novas). Depois seguir pela A23 até à saída 10 (Vila de Rei). Tomar a N2 até à Sertã. Para quem vem do Porto, apanhar a A1 até Pombal, seguindo depois pelo IC8 até à saída para a Sertã.
Onde comer
Restaurante Santo Amaro
Rua Bombeiros Voluntários, Sertã
Tel.: 274 604 115
Restaurante Ponte Velha
Alameda da Carvalha, Sertã
Tel.: 274 600 160
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A Fugas esteve alojada a convite do hotel
- Nome
- Convento da Sertã Hotel
- Local
- Sertã, Sertã, Alameda da Carvalha
- Telefone
- 274608493
- Website
- http://www.conventodasertahotel.pt/
