Fugas - hotéis

Entregues à natureza e a um copo de vinho

Por Mara Gonçalves ,

No Alentejo, vamos ao encontro de um Monte da Esperança. Os rochedos já lá estavam, razão do que viria a seguir: a adega, a vinha e agora a recém-inaugurada unidade de turismo rural. Nada que chegue para interromper a paz abrasadora que aqui se vive, o tempo ritmado pelo som distante dos animais do campo.

Ainda não ultrapassámos o largo portão e já a vinha de uva branca nos recebe, subindo levemente a encosta até terminar aos pés da adega. Ao lado, a única casa que existia anteriormente foi restaurada e alberga agora o enólogo da quinta. Um cartão-postal vinícola que se apresenta a quem chega à herdade e que revela desde logo ao que viemos: no Monte da Esperança (Esperança, Arronches) o néctar dos deuses ocupa um lugar de destaque, segundo a imaginação do proprietário e da família.

António Salgueiro apaixonou-se há largos anos por esta zona do Alto Alentejo, na fronteira com Espanha, e desde então vive entre a região e o Pombal, onde reside. Aos 60 anos, é um homem dos sete ofícios com uma energia inesgotável: além de empresário na área da construção civil e das seguradoras, é criador de bovinos — vitelos e raça angus —, ovelhas e porcos pata negra, produtor de vinho e, desde Junho, proprietário desta unidade de turismo rural. Um projecto familiar que veio complementar a criação da adega, harmonia pontuada a cada pormenor.

Os diferentes aposentos, por exemplo, receberam os nomes das castas produzidas pelo senhor Salgueiro, como é por todos chamado. Os cinco quartos foram apelidados com as uvas tintas: Castelão, Cabernet Sauvignon, Trincadeira, Alicante Bouschet e Aragonês — cultivadas ao longo de 12 hectares de outra herdade da família, localizada a poucos quilómetros de distância. Já os apartamentos têm o nome das castas brancas: Arinto e Verdelho, com que o empresário faz agora experiências na área de quatro hectares que avistámos ao chegar. Esta comunhão com o vinho vai depois sendo rematada por outros detalhes: as chaves de cada alojamento são miniaturas de garrafas feitas em madeira; os candeeiros exteriores têm a forma de parras ou cachos de uvas; a estadia inclui uma visita gratuita à adega e prova comentada dos vinhos ali produzidos.

Outra constante na decoração, feita pela família, são as fotografias das diferentes propriedades que possui. À cabeceira das camas há panorâmicas sobre as vinhas, os montados de sobreiros e azinheiras ou sobre os rochedos que estão na origem da compra desta herdade (já lá iremos). Na sala são imagens das lides do campo e dos diferentes animais que enfeitam as paredes. Enquanto os quartos adquiriram um ar mais sóbrio e moderno, a sala de estar e de refeições relembra as casas tradicionais alentejanas. A grande lareira central chama pelo conforto caseiro das noites frias e encerra mais um pormenor: o tronco que agora a perfila e sustenta foi encontrado por António Salgueiro num ferro velho. “Gosto muito de pedras, madeira e coisas antigas, há sempre um lugar para cada uma, [por isso] guardo tudo”, ri-se à mesa do jantar, onde ainda se sentam a mulher, a filha, o neto, o caseiro e o enólogo. Só falta a dona Deolinda, que por ser a cozinheira está de serviço à cozinha.

Há Esperança neste vinho

Tudo começou por causa daqueles grandes e arredondados rochedos cinzentos que galgam o monte, alguns equilibrados em posições inusitadas. Até o “reitor da Universidade de Évora vem com os alunos discutir se foram ali colocados pela natureza ou pelo homem”, conta António Salgueiro, recordando “terem levado mais de três anos para autorizarem a obra por causa das pedras”. No entanto, o interesse do empresário até era outro, mais do foro estético e da enologia que geológico. “Vi aqui este maciço de pedras e achei que tinham de estar dentro do chão também. Tivemos de recuar a adega para encontrar o que eu idealizava, mas lá estava.”

O resultado é uma adega moderna, constituída por uma ampla sala com várias cubas metálicas e pela “cave” imaginada: uma galeria escavada na rocha ali descoberta e deixada no seu estado natural numa das paredes, o que acaba por também “ajudar a baixar a temperatura”, acrescentaria mais tarde o enólogo João Coutinho, já quase no final da visita guiada. Um estreito corredor de tecto baixo — contrastante com a área anterior — onde, por altura da nossa visita, o tinto reserva de 2012 ainda estagiava em dezenas de barricas de carvalho francês para ser engarrafado em breve. 

Outro detalhe curioso: a rocha retirada para criar a “cave” foi aproveitada para forrar algumas das paredes exteriores de todos os edifícios da quinta (as outras foram pintadas num amarelo quente, a lembrar o Verão alentejano).

Os rochedos, dispostos em fila (pela mão da natureza ou do homem?), acabam por dividir a herdade de 11 hectares em duas zonas distintas, separando-as visualmente. Entra-se pela área vinícola por excelência e é preciso contornar a adega para encontrar a unidade turística propriamente dita, localizada na encosta oposta. O edifício principal concentra a cozinha, a sala comum, a recepção e os cinco quartos, que têm entrada pelo exterior, varanda com acesso directo para a zona da piscina e um chuveiro ao ar livre, onde as paredes altas permitem tomar banhos refrescantes sem perder a privacidade desejada. Os dois apartamentos ficam do outro lado da piscina, criando um recanto turístico resguardado de olhares curiosos, sem nunca perder a vista panorâmica sobre o montado alentejano, onde o sol se põe deslumbrante em cada final de tarde. 

Tecnologias intermitentes
Neste monte colado à aldeia da Esperança — que no início do ano ganhou protagonismo a nível nacional quando o Banco Espírito Santo propôs-se a restaurar a aldeia, no âmbito de uma campanha publicitária — viver o dia-a-dia tecnológico a que nos habituámos pode ser um desafio. A rede de telemóvel é quase inexistente e os clientes de umas operadoras terão mais sorte que outros, a Internet wireless vai desaparecendo à medida que nos afastamos da sala comum e nos quartos ainda só existem quatro canais de televisão, quando o serviço não falha. Enquanto para uns a descrição poderá ser um martírio, para outros será o cenário perfeito para dar folga aos aparelhos electrónicos e regressar à comunhão primordial com a natureza.

E aquilo que aqui apetece mesmo é nada fazer, é darmo-nos ao luxo de ficar simplesmente entregues a banhos de sol e piscina, sestas prolongadas, leituras em atraso e passeios retemperadores pela herdade quando o calor acalma. Foi o que fizemos de manhã cedo, ainda antes do pequeno-almoço. E ali tão perto a natureza agita-se de vida: os nossos passos fazem restolhar cada folha, borboletas brancas esvoaçam à nossa passagem, saltam gafanhotos, escondem-se lagartixas, fogem coelhos. O zunido das moscas é um vai-vem e um burro zurra algures ao fundo. De noite ouvia-se o coaxar de sapos à varanda, durante o dia é constante a música produzida pelos chocalhos de vacas ou ovelhas, que devem pastar por perto mas que nunca chegamos a vislumbrar. Tling, tling, tling, tling, tling. Mais do que interromper o eterno silêncio do interior, o som dos animais marca o ritmo hipnotizante da nossa estadia, esvaziando corpo e mente na dormência alentejana.

A Fugas esteve alojada a convite do Monte da Esperança
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Os cinco quartos duplos (80€/noite) têm, além de casa de banho, um chuveiro exterior privativo e uma varanda com acesso ao terraço e piscina. Os dois apartamentos T1 (110€/noite) têm uma kitchenette (equipada com fogão, microondas, frigorífico, torradeira e loiça) e um sofá-cama para duas pessoas. A unidade de turismo rural tem ainda uma sala comum com zona de estar e de refeições, piscina para adultos e crianças, parque infantil e adega. A estadia inclui pequeno-almoço — onde não faltam os enchidos e doces da região a somar à oferta tradicional — e visita à vinha, adega e prova de vinhos. Na altura das vindimas, os hóspedes são ainda convidados a participar na apanha da uva. Além disso, há garrafas de vinho tinto Monte da Esperança à venda (5€).

A herdade não possui restaurante, mas é possível pedir serviço de refeições mediante reserva com 24 horas de antecedência. Na ementa confeccionada pela dona Deolinda não faltam iguarias da região, desde sopa de cação ou de tomate com ovos escalfados, a carne de porco à alentejana ou migas de coentros com carne frita ou sericaia para sobremesa. Durante o dia servem ainda snacks, como tostas ou sandes, a pedido.

Como ir
Apanhe a A6 em direcção a Espanha e, perto de Elvas, saia para Santa Eulália, alcançando a EN246. Siga pela estrada nacional até chegar a Arronches. Aqui pode atravessar a vila ou contorná-la, até desembocar na Rua de Arronches. Continue por esta comprida recta pela planície alentejana, passando ao largo de Esperança. Pouco depois de ultrapassar o cemitério da aldeia e um cruzamento, encontrará o portão da unidade de turismo devidamente sinalizado à sua esquerda. Lá atrás, nas costas do portão e em pleno serro, existem ainda gigantes letras que confirmam ter chegado ao sítio certo: Monte da Esperança – Adega e Turismo.

O que fazer
De manhã cedo ou quando o calor ceder, não deixe de dar um passeio pela herdade, por entre as oliveiras, azinheiras e sobreiros até à vinha e aos rochedos. Além das caminhadas, dentro da propriedade e pela zona envolvente — a freguesia insere-se no Parque Natural de São Mamede —, pode fazer um passeio semelhante de bicicleta, aprender a montar a cavalo ou participar nas lides do campo. Uma vez que até está incluído na estadia, a visita guiada pela adega e prova de vinhos também são imperdiveís.

A aldeia da Esperança, a menos de cinco minutos de distância da unidade de turismo rural, também merece uma visita. Pode percorrer as ruelas típicas da localidade a pé, de bicicleta e até de charrete, passando, entre outros monumentos, pela Igreja Matriz, recuperada no início do ano como parte integrante da campanha publicitária do BES. Em Vale de Junco encontrará pinturas rupestres, um património da freguesia explicado, entre outros, no Centro de Interpretação da Identidade Local, construído na aldeia em 2013.

A quinze minutos encontra a vila de Arronches, sede de concelho, onde pode visitar a torre medieval do castelo ou o Museu de (a)Brincar, por exemplo. E a cerca de uma hora de viagem de carro distam várias localidades de maior dimensão, como Campo Maior, Elvas, Portalegre, Marvão ou a vizinha Espanha.

Nome
Monte da Esperança
Local
Arronches, Esperança, Monte da Esperança - Monte dos Louções
Telefone
245561019
Website
http://www.montedaesperanca.pt/
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