Fugas - hotéis

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A meio-caminho entre o refúgio rural e a azáfama citadina

Por Andreia Marques Pereira ,

Foi uma 'prenda de Natal' transformada em morada permanente dos proprietários e ocasional para os que quiserem experimentar as delícias de uma 'country house'. Na Casa Valxisto, o rio Douro não está muito longe, os montes fecham o horizonte e o campo vem de forma elegante e contemporânea para dentro de portas.

A noite reserva-nos tempestade: chuva intensa e vento forte. E, no entanto, deitados na cama não conseguimos deixar de pensar que é a banda sonora perfeita, quando o vento ruge e a chuva bate arrítmica, ora forte ora suave, nas paredes de xisto ou no pátio de lousa. Há algo de primordial nesta sinfonia e não negamos que podemos estar influenciados pelo que nos rodeia. O cenário é rural, de montes que fecham o horizonte e escondem o rio Douro não muito longe, de vinhedos que vêm acabar (ou começar) mesmo aqui, de bosques que são ilhas, de telhados longínquos que são prova de vida. Não importa, dormimos embalados e, desta vez, com a tempestade veio a bonança, aqui na Casa Valxisto.

Uma aldeia de xisto em território granítico e a Casa Valxisto honra essa excepção — no nome e na própria construção, ainda que nesta o xisto tenha intromissões do granito e até da lousa. Chegamos tarde, noite cerrada, e andamos perdidos nas ruas desertas para encontrarmos o destino na casa de partida — ou seja, logo depois do corte para Quintandona (Penafiel), a aldeia de xisto e de Portugal onde um jovem casal transformou uma prenda de Natal num refúgio rural. Isso saberemos ao jantar, pouco depois de chegarmos, pela boca de Ana Cristina Oliveira e Hélder Moreira, os anfitriões: oficialmente, ela dá a cara e ele trata dos bastidores; na prática, tudo se baralha.

Tostas de queijo gratinado com cogumelos, presunto com tomate cherry, pataniscas, patés alinham-se como entradas, servidas em tábuas de lousa (que são também os pratos de serviço para as postas de carne — nós comemos bacalhau com broa). “É típico daqui e nós tentamos mostrar as coisas típicas”, explica Ana Oliveira. À mesa e não só. Na casa, por exemplo, onde se tentou misturar “o regional com alguma modernidade”. E vamos à história da inusitada prenda de Natal, como gostam de se referir à casa que, na verdade, foi herança de Hélder Moreira e como as partilhas aconteceram em época natalícia assim ficou. A “prenda de Natal” que foi a casa construída pelos seus bisavós e onde os seus avós viveram toda a vida — de então para cá havia estado fechada, a casa como marco de uma propriedade agrícola. “Logo no dia a seguir começamos a pensar no que fazer com ela”, conta Ana Oliveira. Para viver era manifestamente grande e, além do mais, o casal vivia em Vila Nova de Gaia, onde trabalhava e de onde não pensava sair. De ideia em ideia ganhou corpo a da transformação em turismo rural e quase quatro anos depois aqui estamos, na sala de refeições, que ocupa o antigo lagar. Ele ainda está num dos cantos, pedra granítica a dar-lhe forma e a antiga prensa a completar-lhe o retrato, entre mobiliário contemporâneo branco — branco que é a cor predominante na decoração da casa, tanto pintando peças resgatadas das suas funções agrícolas como compondo as peças novas, curvas barrocas a desenhá-las.

Sendo assíduos de turismos rurais, passaram-no a ser ainda mais em busca de inspiração para a sua country house (é assim que a Casa Valxisto se apresenta). Desde logo sabiam o que não queriam: “o ambiente pesado, escuro, muito tradicional” que associavam a muitas dessas casas. Muitas vezes haviam pensado: “E se fôssemos nós os proprietários?”. Quando tal deixou de ser uma hipótese romântica e passou a ser a realidade menos romântica, já sabiam o queriam: “Manter a ruralidade da casa associando-lhe a modernidade e o conforto exigido pelos dias de hoje.” Ou seja, “trazer o campo para dentro” mas com um conceito mais cuidado, quase como se de um hotel se tratasse. “Tentámos pôr em prática, com mais ou menos limitações.”

Se no início a ideia do casal era manter a residência em Gaia, vindo a Quintandona apenas quando houvesse hóspedes, rapidamente perceberam que seria impraticável. Mudaram-se para uma parte reservada da casa e Hélder continua a deslocar-se todos os dias para Gaia — Ana passou à consultoria e ganhou flexibilidade de horários e disponibilidade para a Casa Valxisto. E para os filhos, Carolina e João — João já nascido aqui, Carolina completamente em casa no meio da natureza.

Porque a Casa Valxisto vive muito ao ar livre, ainda que nós não tenhamos tido essa oportunidade. Nós ficamo-nos pelo salão-recepção, onde antes se erguia um celeiro: pé direito desmesurado a culminar em telhado suportado por pesadas traves de madeira e transparências várias: para o jardim dianteiro e para o pátio interior, onde antes os animais se alimentavam — agora é uma espécie de hall descoberto onde se acede directamente aos quartos do rés-do-chão, dispostos em redor, à sala de refeições e às escadas para os quartos no andar superior. No salão, portanto, com lareira (e recuperador de calor) a compor um recanto de sofás, mesa de snooker, bar-loja (produtos da casa e regionais) e conjuntos de mesas e cadeiras a assegurarem que há espaço para todos. E, claro, pelo quarto, Maçã, o nosso — simples e contemporâneo, com o toque colorido a gravitar em torno das matizes do fruto: temos uma parede castanho-claro e almofadas e cobertura entre dourados e verde contra o branco do mobiliário; temos uma casa-de-banho ampla (característica comum a todos os quartos) e temos, sobretudo, uma porta-janela que abre directamente para o terraço.

Trabalhar na quinta

E o terraço é essa fronteira com a vida ao ar livre que faz parte do ADN da Casa Valxisto. Em terreno agrícola de cinco hectares a produção não parou — pelo contrário, a ideia é aumentar. “Não podia ser de outra forma”, nota Ana, sublinhando o método de produção biológica que, é essa a ambição, daqui a algum tempo deverá tornar a casa auto-sustentável no que a legumes e verduras diz respeito. Aos hóspedes é dada a oportunidade de participar nos trabalhos da quinta, que inclui ainda vinhas, criação de animais (há cabras, patos, galinhas à solta na vinha e ovelhas que garantem a renovação de gerações sem consanguinidade — Carolina teve um cordeiro, a sua perdição, que um dia foi encontrado morto, enlaçado na vedação) e árvores de frutos. Os nomes dos quartos reflectem a variedade da quinta: se se chamam framboesa, alfazema, tangerina, mirtilo, pêra e maçã é porque estes se encontram no exterior.

E muitos desses produtos são utilizados na confecção de compotas, geleias e até licores que se vendem sob a marca Casa Valxisto e se intrometem nas refeições — nada melhor do que o abundante pequeno-almoço para provar a produção da casa (nós pudemos escolher entre a compota de abóbora e framboesa, a geleia e a marmelada). Também produto do labor caseiro (e tradicional) são os enchidos que aqui se servem, feitos por Ana, com a ajuda da sogra (as duas comandam a cozinha) e de funcionárias, de acordo com a receita da sua mãe, ou seja, alheiras, chouriços, salpicão, linguiça “transmontanos”. E sendo o pequeno-almoço a única refeição certa na Casa Valxisto (é incluído no preço), todos os dias há um prato do dia para o jantar (e um bife de reserva para quem não gostar) e ao almoço podem ser preparadas refeições mais “leves”, com tostas, sanduíches e grande protagonismo às saladas — do mesmo modo podem preparar-se cestas de piquenique.

Se o mundo rural é o nosso cenário, sem sair do tal terraço a Casa Valxisto convida ao dolce fare niente — é fácil imaginar dias passados à beira da piscina, infinity a despenhar-se na vinha. Imaginar, porque o que podemos fazer nestes dias chuvosos à volta da piscina é abrigar-nos sob o antigo espigueiro, onde a mini-esplanada se rodeia de plantas e cria uma atmosfera chill-out (o armazém do espigueiro será, em breve, transformado num pequeno spa). Tão-pouco podemos pegar numa das bicicletas a brilhar de novas e irrepreensivelmente alinhadas postas à disposição dos hóspedes. Mas estas têm grande procura, asseguram-nos — pelo menos naquele que foi o primeiro ano da Casa Valxisto. Que já percebeu que beneficia de uma localização privilegiada: tem os dois pés na ruralidade mas a espreitar a cidade. Penafiel é a sede de concelho e em 30 minutos os hóspedes podem encontrar-se no centro do Porto, com partida da estação de Recarei-Sobreiro para viagem de comboio na Linha do Douro. Não são poucos o que o fazem (“chegam a ir à praia”). Do silêncio absoluto à azáfama citadina — a Casa Valxisto fica a meio-caminho.


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A Fugas esteve alojada a convite da Casa Valxisto

A Casa Valxisto oferece cinco quartos duplos e dois estúdios com kitchenette. Os preços variam entre 75€ e 95€ para os duplos e 99€ e 143€ para os estúdios. Menu de jantar de 15€ a 20€. 

Nome
Casa Valxisto - Country House
Local
Penafiel, Penafiel, Rua Padres da Agostinha, 233 (Lagares)
Telefone
255752251
Website
http://www.valxisto.pt/
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