Abriu a 6 de Fevereiro, cheira a novo e brilha de acordo. Mas já muita gente passou por este hostel alentejano com vista para a Quinta da Cartuxa, em Évora. Foi pensado para alojar estudantes e profissionais deslocados, numa lógica de permanência duradoura, mas, por enquanto, eles ainda não apareceram. As famílias e os grupos de amigos descobriram-no primeiro e invadiram felizes os beliches confortáveis e acolhedores do 4ÉvoraHostel. Marcam para uma noite, mas ficam quase sempre mais uma.
A Fugas instalou-se no que antes era o quarto de Clara e Mariana, gémeas de sete anos, filhas do casal proprietário. E elas não se importaram. “O nosso quarto era ao pé do escritório”, informa Clara, com simpatia. “Um hostel é um sítio onde as pessoas dormem. Tem uma diferença dos hotéis, os hostels são uma casa”, explica Mariana, com um sorriso amável. As meninas tinham sugerido que o alojamento em que a moradia se transformou se chamasse “Hostel para Estudar” (Clara) ou “Hostel para Toda a Gente” (Mariana). E sabem do que falam.
“Podemos albergar aqui famílias grandes, com filhos, e grupos de amigos, mas com todo o conforto. É um hostel com requinte”, diz Laure Correia, 42 anos e ascendência francesa. “A aposta também foi essa”, prossegue. No entanto, como o nome completo do hostel faz perceber (4ÉvoraHostel – Long Stays Academic Hostel), a ideia inicial foi a de responder à necessidade dos estudantes que frequentam a Universidade de Évora, sejam portugueses ou do programa Erasmus.
“Arranjar uma casa para alugar em Évora é difícil. A opção é alugar quarto, que ronda os 200 euros por mês e por pessoa. E ainda ter de pagar as despesas: água, luz e gás. Há sítios onde põem dois ou mais estudantes num quarto e muitas casas são velhas e têm poucas condições”, descreve Carlos Carvalho, 47 anos.
“Fizemos um estudo de mercado e começámos a pensar em albergar estudantes. Mas com mais comodidade.” Além da lareira na sala, tem “aquecimento, ar condicionado, piscina, jardim, barbecue”, enumera Carlos. E para breve está prevista a abertura de um pequeno ginásio no piso inferior, onde antes funcionava a garagem e onde, entretanto, se pode jogar matraquilhos. Também é lá que estão as bicicletas para aluguer (meio dia, 3€; dia inteiro, 4€). É que o hostel fica a dois quilómetros do centro. Para alguns, uma vantagem; para outros, nem tanto. Mas há paragens de autocarro por perto.
A sala de refeições, virada para o jardim e com bastante luz natural, tem um espaço destinado ao estudo e à leitura. Numa mesa comprida, podiam ver-se dois computadores portáteis, com acesso gratuito à Internet, e alguns jornais do dia.
Como a maior parte dos jovens vai passar o fim-de-semana a casa, as camas ficam libertas para os turistas a partir de sexta-feira à noite e até domingo à tarde. Os estudantes podem deixar guardado o que quiserem em cacifos (há um para cada hóspede) enquanto se ausentam. Se ficarem também durante o fim-de-semana, a mensalidade é um pouco mais alta, mas nunca ultrapassa os 340 euros por mês. O mesmo se aplica aos profissionais deslocados.
O 4ÉvoraHostel tem cinco quartos, que no total podem alojar 27 pessoas: um com sete camas, dois com seis e dois com quatro. E têm nomes engraçados: 4 Family e 4 Champs; 4 Friends; 4 Thinkers; 4 Dreamers. Todos têm televisão e casa de banho. Este último aspecto é um dos que mais têm agradado a quem procura alojamento aqui.
O quarto mais requisitado é o único que fica no piso térreo, não pela vista, mas pela configuração: são dois sommiers encostados, com uma cama alta por cima (que é preciso subir através de uma escada semelhante às dos beliches), e ainda um sofá-cama ao lado. Para as crianças, é uma festa adormecer ali sobre a cama dos pais.
“Como é o quarto mais parecido com o de um hotel, os casais reservam-no muito”, conta Laure. No dia em que a Fugas visitou o 4ÉvoraHostel, estava ocupado por um italiano e uma espanhola que tinham reservado apenas uma noite, mas quiseram ficar mais outra. E foi possível. As outras marcações para essa noite eram de um adulto e duas crianças e ainda de um grupo de jovens educadoras de infância que iam participar numa formação na universidade.
Rita, uma menina de oito anos, disse-nos por que motivo ali estava: “O meu pai fez-me uma surpresa. Eu não sabia que vinha.” Informou-nos que já tinha estado no hostel antes, “mas não havia hóspedes”, e que era amiga, “há muito tempo”, de Clara e Mariana. Contou ainda que às vezes se zangavam. Porquê? “Várias opiniões e não conseguimos chegar a um consenso”, explicou sem hesitações.
Laure e Carlos, que antes de explorarem o hostel trabalharam em distribuição, na área da bricolage, dizem que ainda é cedo para definir o perfil de quem acolhem. No entanto, apercebem-se de que nestes primeiros meses hospedaram sobretudo famílias, com um ou dois filhos. E gostam do ambiente que propiciam. “É engraçado vê-los a descer para a sala, em roupão e chinelos, muito descontraídos, como se estivessem em casa”, diz Laure, com uma expressão entre o surpreendido e o satisfeito. É um novo conceito de “lar, doce lar”. Mas ainda ninguém usou a cozinha para fazer as suas próprias refeições.
Carlos conta a história de uma família de espanhóis que se alojou com um objectivo muito particular: “Vieram visitar um familiar que está no convento da Cartuxa, um monge. Era um casal de 40 e muitos [anos] e dois filhos. E vinha a avó. O monge era irmão da avó e tio do rapaz. Não se viam há 20 e tal anos. Ficaram aqui e foram visitá-lo.” As mulheres não. Estão proibidas de lá entrar.
Durante o jantar de migas e carne alentejana que dona Conceição preparou para alguns hóspedes (é preciso marcação, custa 7,50€ e inclui entrada ou sobremesa, prato e café, com as bebidas pagas à parte), contam-nos como os dias mais animados foram aqueles em que acolheram jovens atletas que vieram participar em provas do Clube de Ténis de Évora, que fica mesmo ao lado do hostel.
Essa boa experiência fê-los avançar com uma parceria com o clube e programar pacotes de alojamento com aulas de ténis incluídas. Carlos Carvalho diz que o único som que de vez em quando interrompe o silêncio desta morada é o “poc, poc” das bolas de ténis quando alguém está a jogar no court mais próximo. “Não incomoda, mas é um som característico da casa.”
Características e únicas são as pinturas que decoram os espaços comuns desta morada. Com a assinatura de Gonçalo Jordão, o artista plástico português que integrou a equipa de arte que ganhou um Óscar pelo seu trabalho em Grand Budapest Hotel. Logo à entrada, é-se surpreendido com um hall cheio de imagens de malas e baús nas paredes, a lembrar viagens, partidas e chegadas.
Gonçalo Jordão contou à Fugas o seu entusiasmo com o 4ÉvoraHostel: “Fiquei com vontade de participar, primeiro porque era um projecto integral de todo o hostel, em que podia desenvolver um percurso com lógica, desde a entrada até à cozinha, passando pelas áreas comuns, e segundo porque era no Alentejo.”
Qualquer residente perceberá a lógica de que fala o pintor. As malas à entrada, as chaves na parede a indicar as escadas para os quartos, os pratos no tecto da cozinha, as lombadas de livros na sala de leitura ou os relógios na sala com as horas de diferentes geografias.
Laure e Carlos viram o trabalho que Gonçalo tinha feito no mercado de Reguengos de Monsaraz e foram atrás dele. Antes do Óscar. Não se arrependeram, mas Carlos confessa que ficou um pouco assustado quando viu a equipa de pintores “com umas caixas cheias de pincéis, mas daqueles muito fininhos, como os das aulas de Educação Visual”. Pensou: “Isto não vai ter fim.” Mas teve. E feliz.
“A sensação que trago comigo no fim de cada trabalho é a de ter correspondido às aspirações de cada cliente. Elaboro um projecto aguarelado que serve de referência ilustrativa da forma e volumetria da pintura mural pedida pelo cliente”, descreve o pintor, que trabalhou neste projecto através da After Wall, em que participa também a sua mulher, Raquel Jordão. Laure já nos tinha contado: “O Gonçalo apresentou a proposta e basicamente aceitámos tudo.”
O pintor falou do “folclore mediático” que se seguiu à atribuição do Óscar, mas reconheceu: “Tem trazido dividendos e novas encomendas tanto para Portugal como para o exterior.” E revelou ainda uma aspiração: “Pese embora o facto de ter até hoje executado mais projectos de pintura no interior das habitações, gostaria de realizar cada vez mais projectos no exterior dos edifícios.” Talvez algum hostel se candidate.
- Nome
- 4 Évora Hostel
- Local
- Évora, Évora (Sé e São Pedro), Rua Alfredo Henrique da Silva, 1
- Telefone
- 266043953
- Website
- http://www.4evorahostel.com/