Fugas - hotéis

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O exótico palacete nascido do ouro do Brasil

Por Alexandra Prado Coelho ,

Um palacete-castelinho de 1909, encaixado mesmo em cima do Chafariz d’El Rei, em Alfama, é hoje um pequeno hotel com seis quartos e salão de chá.

Sentados nos sofás de couro do quarto vemos o rio Tejo ao fundo, por entre as plantas, flores e borboletas pintadas nos vidros da janela em arco. Lá fora fica um pequeno terraço privado, com duas cadeiras e uma mesa. Daí avistamos a buganvília que cobre o pequeno jardim no piso de baixo e, por entre as flores de diferentes tons de rosa, uma fonte lançando água. 

Em baixo, na rua, os turistas param surpreendidos e não resistem a fotografar este inesperado palacete-castelinho – hoje um pequeno hotel com seis quartos e salão de chá – encaixado mesmo em cima do Chafariz d’El Rei, em Alfama, um pequeno paraíso construído em 1909 por um português que fez fortuna no Brasil e que queria uma casa que gritasse ao mundo o seu sucesso. Foi assim que João António dos Santos adquiriu o terreno sobre o chafariz, onde anteriormente se erguia o palácio dos Marqueses de Angeja, destruído pelo terramoto de 1755, e construiu o seu palacete.

Quem nos conta esta história é Rui Teixeira, director do Palacete do Chafariz d’el Rei, que é propriedade do espanhol Emilio Castillejos. “Logo em 1912, a Comissão de Estética propôs a demolição da casa por atentado ao bom gosto. Mas João António dos Santos conseguiu mantê-la de pé”, diz Rui para mostrar como aquele a que por vezes chamam a brincar “o palhacete” foi sempre um objecto estranho para os lisboetas. 

Uma noite em que passavam por ali vindos do Bairro Alto, Rui e Emílio ficaram a olhar para ele e a pensar que talvez valesse a pena recuperá-lo. Nessa altura, a casa, transformada numa amálgama de escritórios de firmas de despachantes e desfigurada no exterior por enormes aparelhos de ar condicionado, estava quase irreconhecível.

Depois da construção, o palacete esteve pouco tempo com João António dos Santos – a mulher não morria de amores pela casa e terá convencido o marido a vendê-la. Foi então comprada pela família Magalhães Mexia, que o habitou durante muitos anos. A certa altura, conta Rui, era uma casa cheia, com muitas crianças. Mas pela década de 1980 já só viviam nela duas senhoras idosas que decidiram então alugá-la a despachantes oficiais. “Quando chegámos aqui, em 2007”, recorda Rui, “os tectos estavam com lâmpadas fluorescentes, o chão tinha alcatifa e estava tudo muito estragado e cheio de mobiliário de escritório muito feio”. 

Demoraram quatro anos a restaurar o palacete – que abriu como hotel em 2011 e como salão de chá e brunch há um ano – tentando aproximá-lo tanto quanto possível do espírito original. Compraram mobiliário antigo em feiras, antiquários e leilões e, sobretudo trabalhando com técnicos formados pela Fundação Ricardo Espírito Santo, restauraram pacientemente todo o trabalho dos tectos e das paredes e os muitos vitrais que encontramos por toda a casa. “Os 690 vidros da clarabóia foram lavados um por um à mão”, recorda o responsável.

Vista 360º

Não é fácil descrever o estilo do palacete. O interior, explica Rui, é um exemplo de uma “Arte Nova brasileira”, ao gosto dos imigrantes regressados do Brasil. A porta principal dá para o interior de Alfama, situando-se do lado oposto ao do chafariz. Quando se abre essa porta surge-nos um luminoso corredor que se ergue à altura dos três pisos até à clarabóia de vitrais. Este corredor estende-se a todo o comprimento até à porta que, ao fundo, dá para o jardim e sobre a qual existe outra janela de vidros coloridos.

Muito diferente dos tradicionais corredores das casas, este parece-se muito mais com um jardim interior, ou uma estufa, com plantas, colunas e candeeiros de rua. Dele podemos aceder a várias salas. À nossa direita fica a biblioteca, com sofás e um piano – “estava assim descrita na planta, mas o único vestígio que encontrámos foram estas cinco prateleiras para livros”, conta Rui. À nossa esquerda, do outro lado do corredor, fica o “salão dos espelhos” que funcionaria como salão de baile no tempo de João António dos Santos (hoje é usado como salão de chá e de brunch) e ligado a este por uma porta em forma de ferradura, a “salinha árabe”, usada no passado como sala de fumo. As paredes têm motivos orientais, entre o árabe e o asiático – há até um buda com um dragão sobre a porta. Desta sala pode-se sair directamente para o jardim. 

Do outro lado do corredor, a seguir à biblioteca, havia a salinha de música (hoje a recepção do hotel) identificada por um violino em estuque no tecto, e a sala de refeições, onde são servidos os pequenos-almoços (com pão, croissants, doce, queijo, fiambre, presunto, ovos mexidos e sumos naturais) e que, também ela, dá para o jardim. Este – que é na verdade mais uma varanda larga que um jardim – é dominado pela pujante buganvília. 

Se seguirmos, no exterior, pelo lado direito vamos dar a uma espécie de pequeno “jardim de fresco” como existia nos palácios, com uma romântica gruta decorada com pedaços de louça partidos – entre eles, diz Rui, restos do brasão dos Angeja, o que poderia significar que se trata de louças recuperadas das ruínas do antigo palácio. E, ao lado, uma gaiola de parede com um periquito-verde, a lembrar-nos que foi o dinheiro do Brasil que fez nascer este exótico palacete, que quanto ao exterior é geralmente descrito como neo-mourisco. 

Nos andares de cima ficam os quartos. Rui e Emílio fizeram algumas alterações, sobretudo na zona que estava dividida em vários quartos pequenos, possivelmente para os empregados, e que foi transformada numa enorme suíte. A maior das seis suítes é a do Torreão, tem 110 metros quadrados, e, no interior, uma pequena escada em caracol que dá acesso ao topo, de onde se tem uma vista de 360 graus sobre Alfama e o Tejo. 

A nossa suíte, a Amaya, fica no primeiro piso e divide-se entre o quarto propriamente dito, com a cama junto a uma enorme janela em arco que dá para o corredor interior do palacete, e uma pequena salinha, com sofás e uma mesinha de trabalho, que dá acesso à varanda. A estrutura labiríntica da casa – que, no fundo tem duas alas e, no extremo, uma “ponte” a ligá-las – pode ser confusa no início. Mas para chegar à Amaya temos como referência a pequena capela que antecede a suíte e que foi, diz Rui, o espaço que encontraram mais preservado. Seguindo pelo corredor decorado com fotografias a preto ebranco do Rio de Janeiro no início do século chegamos à porta do quarto. 

A única alteração neste quarto foi a construção de uma casa-de-banho moderna, com um duche generoso, bom para nos refrescar ao final da tarde. Da varanda observamos o movimento na rua ao cair do dia e, mais ao longe, os barcos a passar no Tejo, pensando na vida deste palacete que começou tão mal-amado pela sua cidade. E em João António, o português chegado do Brasil, a imaginar o seu castelinho, a vê-lo nascer e finalmente a dar festas no salão dos espelhos exibindo-se aos amigos e orgulhando-se da fortuna feita do outro lado do oceano. Depois, a família seguinte a chegar, cheia de crianças a correr pelos corredores e a brincar às escondidas nos secretos recantos da casa. E, mais tarde, os cinzentos despachantes oficiais a carimbar papéis sem tempo para olhar para os vitrais ou reparar no buda e no dragão por cima da porta na sala árabe. 

Até ao dia em que dois amigos pararam na rua lá em baixo a olhar para o chafariz e o palacete e decidiram fazê-lo renascer. Pacientemente limparam-no, descobriram lugares secretos, e deixaram entrar a luz (neste momento, as obras continuam na cave, onde Rui e Emílio planeiam vir a abrir um bar). E o Palacete do Chafariz d’el Rei, espécie de paraíso exótico suspenso sobre a cidade, sem respeitar estilos nem regras, ganhou uma segunda vida.

Nome
Chafariz d’el Rei
Local
Lisboa, Sé, Travessa do Chafariz d’el Rei, 6
Telefone
218 886 150
Website
http://www.chafarizdelrei.com/
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