Chegamos de metro ao Terreiro do Paço, subindo à terra junto ao rio, um entardecer de azuis e laranjas desmaiados sobre a Ponte 25 de Abril, atrás uma neblina densa deitada sobre o horizonte. Daqui a pouco já não veremos ponte ou Cristo Rei, mas o Tejo manter-se-á à janela, já em lilases de anoitecer, a praça a esvaziar-se de vida, nunca inteiramente deserta. Temos seis grandes almofadas a prometer sonos de nuvens, temos minipastéis de nata, copo de vinho e até um telefone na casa de banho, uma banheira que se abre em mármores sobre o quarto, mas nada vence aquela pequena chaise longue de portadas para Lisboa. Podemos ficar já ali?
Estamos na nova Pousada de Portugal, localizada na esquina da Rua do Arsenal com a Rua Áurea, inaugurada no início de Junho. Ao chegarmos, receberam-nos as mesmas arcadas de pedra em cor de osso e as paredes amarelo-vivo que vemos agora daqui e que caracterizam a renovada praça-postal da cidade. Apesar de ficar já a fugir para o canto Noroeste da Praça do Comércio (e por isso serão poucos os quartos a ter vista directa), pertence ao conjunto arquitectónico que a circunda, idealizado pelo Marquês de Pombal após o terramoto de 1755 e classificado como Monumento Nacional desde 1910.
À entrada, uma escadaria de mármore e alcatifa aveludada surge monumental à nossa frente, um vitral colorido lá no topo. O ímpeto natural seria subir por ali, outrora acesso principal ao Ministério da Administração Interna (que aqui terá funcionado desde finais do século XIX, então designado Ministério do Reino, entretanto transferido para a ala oriental da praça). No entanto, a parede de vidro que se impõe diante das escadas só se abre quando accionada por dentro, “se o hóspede quiser sair por aqui”, ou “caso um evento o justifique”, indicam-nos.
Entramos, então, pela porta da esquerda, onde fica a recepção. E se a escadaria foi um prenúncio, aqui temos a primeira certeza: a decoração do interior procurará corresponder à imponência histórica do edifício pombalino. Na sala onde até finais de 2013 morou uma esquadra de polícia, há agora uma ode à biografia do país. Os Descobrimentos no tecto, entre rosas-dos-ventos, astrolábios, naus e marinheiros; ao centro, um D. Nuno Álvares Pereira de espada ao alto, modelo em gesso patinado da estátua equestre que “acabaria por ser doada pela CML ao município de Braga”, lê-se na inscrição. Pelas mesas há livros sobre a História e a Literatura de Portugal; ao fundo duas velhas liteiras de madeira dão inusitados assentos; num nicho há um busto de Luís Vaz de Camões, noutro, apesar de não ter qualquer indicação, adivinha-se Amália Rodrigues no rosto esculpido e na inscrição de letras desenhadas em chapa: “Desgraça é andar a gente / de tanto cantar, já rouca, / e o fado, teimosamente, / no coração e na boca”. Ainda não saímos do lobby e já percorremos grande parte da nata portuguesa.
Ao longo de todos os espaços públicos do hotel, a decoração clássica e sóbria, de pormenores contemporâneos, vai sendo conjugada com peças de mobiliário antigo e várias obras de arte, algumas réplicas ou maquetas de esculturas que figuram em praças públicas e na Assembleia da República. “Estavam nos armazéns do Museu da Cidade de Lisboa e foram cedidas ao Grupo Pestana”, indicam-nos na recepção. Um Santo António aqui, um D. José I acolá (e por momentos parece que vemos a dobrar: estátua grande lá fora, em miniatura cá dentro), heróis e ninfas d’Os Lusíadas nos pisos dos quartos. “De todas as peças, a que tem feito mais sucesso entre os hóspedes é essa cadeira [de madeira trabalhada e braços em forma de leão]. Adoram tirar fotografias.”
História em ponto moderno
Durante um ano e meio, as obras de reabilitação procuraram devolver o esplendor de outrora ao edifício do século XVIII. Foram recuperados os mármores do chão e das paredes, o vitral junto à escadaria principal, algumas tapeçarias e tectos. No final de Maio abriu em soft-opening. A 4 de Julho deu-se a inauguração oficial, em pompa e circunstância numa cerimónia no Salão Nobre, parte do quadrante mais especial e histórico do hotel.
O tecto desta larga sala no segundo andar, agora destinada a eventos, é todo trabalhado com adornos em estuque, restaurados e ornamentados com folha de ouro, o candelabro foi polido e devolvido ao brilho original. À esquerda, a porta solitária entre candeeiros e floreados dourados já não abre a lado nenhum, é apenas memória de um tempo em que por ali entravam e saíam ministros. Para lá da parede ficavam até há poucos anos o gabinete e a sala de reuniões do ministro da Administração Interna. Por ali “passaram 135 chefes” de ministério, actualmente é a suíte principal do hotel. No entanto, não perdeu os ares de escritório governamental: as paredes forradas a painéis de madeira, uma larga estante embutida, o mobiliário de requinte clássico. São 110 metros quadrados, com sala, closet, cama king-size e vistas desafogadas sobre a Praça do Comércio, com preço a condizer: uma noite aqui não custará menos de 800 euros.
Cada piso do hotel vai-se desenvolvendo em anel sobre o pátio interior, onde de manhã será servido o pequeno-almoço. Um agradável átrio, repleto de luz natural graças à cúpula envidraçada (“que se abre quando está bom tempo”), com chão em calçada portuguesa e mais um pormenor histórico vindo do museu da cidade: duas réplicas dos painéis de São Vicente, utilizados no cortejo histórico de Lisboa em 1947.
Ao lado fica uma das entradas para o Lisboeta, o restaurante do hotel, com bar e esplanada sob as arcadas de pedra do Terreiro do Paço. A carta, de gastronomia tradicional portuguesa com um toque de autor, está a cargo do chef Tiago Bonito (Cozinheiro do Ano em 2011). Jantamos um robalo da areia sobre risotto de trufa de Verão, regado com a simpatia extra do sommelier Rui Borralho, e não resistimos a terminar com o pastel de nata do chef: um petit gateau recheado com o tradicional creme do bolo português sob uma placa crocante de massa folhada, acompanhado por creme de café e gelado de canela.
O melhor? A Praça do Comércio continua à janela, agora iluminada, amena e serena. Perfeita para um passeio pós-jantar ou começar a noite ainda criança. A localização não é trunfo solitário da Pousada de Lisboa, mas é um privilégio arrebatador.
A Fugas esteve alojada a convite da Pousada de Lisboa
_______________________________
São 90 quartos, distribuídos ao longo de quatro pisos e divididos por cinco tipologias diferentes: classic (dimensão média de 25m2), superior (30m2), deluxe (42m2), duplex e cinco suítes (três standards, uma “intermédia” - Praça do Comércio, e uma “presidencial” - Dom Perignon). Há quartos com vista para a Praça do Comércio, para a Rua Áurea, para a Câmara Municipal de Lisboa ou para a colina do Castelo de São Jorge.
O hotel integra ainda um spa (com piscina interior, sauna, uma sala de tratamentos e um fitness center); um solário (um pequeno terraço em volta da clarabóia do pátio interior, acessível através do spa, com espreguiçadeiras e um chuveiro); duas salas para reuniões ou eventos (a Sala Terreiro do Paço, com 137m2, alberga 143 pessoas, enquanto o recuperado Salão Nobre, com 168m2, tem capacidade para 154 pessoas). No piso térreo, com acesso directo pela Praça do Comércio, fica o restaurante Lisboeta, com bar e esplanada.
Preços: Desde 210€ por noite em quarto classic.
- Nome
- Pousada de Lisboa
- Local
- Lisboa, São Nicolau, Praça do Comércio, 31/34
- Telefone
- 218442001
- Website
- http://www.pestana.com/