Fugas - hotéis

  • João Carlos Simões
  • João Mascarenhas
  • João Mascarenhas
  • João Carlos Simões
  • João Carlos Simões
  • João Mascarenhas
  • João Carlos Simões
  • João Carlos Simões
  • João Mascarenhas
  • João Carlos Simões

Sentir o chão com a ria aos pés

Por Marisa Soares ,

O nome fica-lhe bem mas não diz tudo. Em Olhão, esta é uma Casa Modesta, com certeza, mas é mais do que isso: é uma homenagem à família, às raízes, às tradições do Sul, aos pescadores e à ria Formosa, que se vê do terraço.

É toda uma sinfonia: o canto dos grilos, as ondas do mar a rebentar ao longe, a música do baile da aldeia e as folhas das árvores a dançar. Está vento, dizem que é o Levante, esse velho africano vindo do Sara que atravessa o estreito de Gibraltar e aquece o Algarve. Apetece-nos descalçar, saltar para a rede de lona instalada à frente do quarto e pedir que nos embalem, enquanto vemos as estrelas. E de repente, um rasgo de luz no céu, tão veloz que mal o vimos. Pedir um desejo, agora? Ficar aqui só mais um bocadinho.

As portas da Casa Modesta abriram no Dia das Mentiras, 1 de Abril, mas não há aqui enganos. O nome é honesto: este é um espaço de coisas simples, artesanais e autênticas, sem luxos mas confortável, acolhedor e recheado de memórias, não fosse esta uma casa de família que atravessou gerações. Localizada em Quatrim do Sul, no concelho de Olhão, longe do reboliço das praias algarvias e com a ria Formosa aos pés, a Casa Modesta é um refúgio de verdade.

Aquela foi em tempos a casa da avó Carminda e do avô Joaquim Modesto de Brito, um “lobo-do-mar”, “Campeão” para os amigos. Os netos – Vânia Brito Fernandes e Carlos Fernandes –, que ali cresceram e brincaram à sombra do eucalipto no quintal, herdaram o lugar e deitaram mãos à obra. Quiseram recuperar a alma da casa (que inclui a habitação principal e um antigo espaço de arrumos), entretanto perdida em obras avulso, e manter a arquitectura típica de Olhão: edifícios em forma de cubo, paredes brancas e terraços de vistas largas (açoteias, no dialecto algarvio), de inspiração árabe, onde antigamente se secava a fruta e o peixe. A isto juntaram bom gosto e produtos locais. Nasceu assim o protótipo da casa chã.

Chã, porque é do chão, da terra, do que é autêntico. Vânia explica o conceito, registado pela Plataforma de Arquitectura (PAr), atelier do qual é co-fundadora: “É uma arquitectura simples e pura, com toques de poesia e não tanto de luxo.” Não encontramos uma definição melhor.

O tradicional e o contemporâneo juntam-se nos detalhes. Nas cortinas que lembram redes de pesca, no mobiliário de cortiça com design moderno, na loiça em cerâmica feita nas olarias locais, nos potes de barro forrados a croché colorido, no bioco (o trajo típico do Algarve que se usou até ao século XIX, preto, inspirado nas burqas árabes) reinventado com materiais diversos (como renda e croché) e múltiplas cores.

A Casa Modesta tem nove quartos (um deles adaptado a pessoas com mobilidade reduzida) com pátios e terraços privados, sobranceiros à ria. Não há televisão, as camas são de madeira, as paredes brancas. O guarda-fatos e uma porta deslizante dividem a zona de dormir da zona de banho, onde o chuveiro largo e a banheira escavada no chão de tijolo convidam a banhos demorados. Mas em dias de calor é melhor ir para a rua e mergulhar no tanque instalado no quintal (óptimo para brincadeiras com as crianças, uma vez que é pouco fundo).

Voltemos aos desejos, daqueles que só se realizam à mesa. Porque Algarve é sinónimo de alfarroba, de laranjas sumarentas e de figos amadurecidos ao sol. Lá estão eles ao pequeno-almoço, ao lado dos morangos e framboesas acabados de colher na horta biológica, do leite, dos iogurtes naturais e do queijo fresco produzidos na região.

A sala de refeições tem uma grande mesa de madeira e bancos corridos que convidam a jantares e almoços demorados, regados por um bom vinho algarvio. E, apesar de não ter cozinheiros residentes, na Casa Modesta ninguém passa fome. Vânia e Carlos olharam à volta e encontraram nos amigos – e até na avó Carminda, que fez um arroz de pato divinal para o almoço de domingo – os melhores parceiros gastronómicos para satisfazer os hóspedes que preferem comer em casa. É só pedir.

No espaço onde a avó cozia o pão – o forno a lenha ainda lá está – e o avô Joaquim guardava as amêijoas apanhadas na ria, a dupla Algarve Cooking (Sandra e Rolando, dois professores apaixonados pela cozinha) prepara iguarias de comer e chorar por mais: a começar nas tapas de cavala pinceladas com pickles de salicórnia (erva algarvia), passando pela cataplana de amêijoas e acabando na tarte de alfarroba e figos. Água na boca? Calma, há mais. Temos que guardar espaço para os pintxos do Mezzanine, um bar e vinoteca que também serve refeições, em Faro. O chef vai à Casa Modesta preparar o lingueirão panado, as tapas de anchovas e de salmão e o delicioso morno (lombo) de atum, fresco, como não podia deixar de ser.

Quase juramos que o tempo em Quatrim do Sul passa mais devagar. Senão, como explicávamos as longas horas passadas a comer à volta da mesa grande, literalmente como se não houvesse amanhã? No sábado à noite, foi o sushi que nos prendeu ao banco – depois de nos ter colado à banca da cozinha, onde durante um par de horas tentámos merecer o jantar numa pequena aula sobre a técnica japonesa de enrolar arroz em algas. Preferimos os rolos do mestre: Tiago Santos trocou o tradicional salmão por peixes que se encontram na região, como o sarrajão, o robalo, a dourada, a cavala e a corvina, e criou o sushi da ria. Afinal, mais difícil do que enrolar o sushi correctamente, é parar de o comer.

O melhor da noite, porém, está a cinco minutos a pé da Casa Modesta, para lá dos canaviais. Em noites de festa, o ringue desportivo de Bias do Sul transforma-se em salão de baile. Aos comandos, o Grupo Musical Blue Star: Yolanda Micaela na voz, Luís Pacheco no órgão. Chegámos tarde, já só temos direito a três músicas, dois pés de dança (exercício perfeito depois de tanto sushi) e umas faixas extra cantadas pela Yolanda, a capella com fundo de beat box. Convidam-nos para voltar outro dia. Voltávamos já amanhã.

A Fugas esteve alojada a convite da Casa Modesta

___________________________

Como ir
Se for de carro pela A2, siga para a Via do Infante e saia para Olhão-Moncarapacho. Na primeira rotunda, corte na direcção de Quelfes e na rotunda seguinte saia para Tavira/Vila Real de Santo António. Depois de ver as placas para o Aldeamento de Marim, à direita, fique atento. Um pouco à frente está uma placa discreta que indica Fontes Santas, corte aí à direita. Já estará em Quatrim do Sul. Siga em frente, passe o café da Adélia à direita, percorra a estrada que curva ligeiramente à esquerda, passe outro café e a Casa Modesta fica poucos metros adiante, à direita.

O que fazer
Pegue nas bicicletas disponíveis na Casa Modesta ou dê corda aos ténis e aproveite para desenferrujar as pernas na ecovia que percorre o litoral do Algarve e tem uma entrada a poucas centenas de metros da casa. O caminho, plano e em terra batida, serpenteia por entre as salinas da Reserva Natural da Ria Formosa. O parque natural, uma das 7 Maravilhas de Portugal, é também um paraíso para os amantes da observação de aves, por isso não se esqueça dos binóculos. O moinho de marés situado em Marim, junto à sede do parque, também merece uma visita.

À noite, peça para instalarem o telescópio no terraço e fique a ver as estrelas. Se o corpo pedir mesmo muito descanso, entregue-se às mãos do irmão dos proprietários, que faz massagens no spa da Casa Modesta utilizando produtos naturais como a flor de sal, as algas ou a azeitona. Uma sessão custa 70 euros.

Se quiser pegar no carro vá até Olhão (que fica a 6,5 quilómetros de distância) e perca-se pela cidade, demorando-se no centro histórico. No passeio marítimo, os dois mercados municipais – um vende peixe fresco, o outro tem legumes e frutas – são de visita obrigatória: classificados como Monumentos de Interesse Público, os dois rectângulos em tijolo e as torres arredondadas, de inspiração árabe, assentes em estruturas metálicas, distinguem-se na paisagem.

Guarde (pelo menos) uma tarde para passear de barco pela ria Formosa e descobrir os areais imaculados das ilhas-barreira, ou sair à procura dos golfinhos. A Algarve Natura (www.natura-algarve.com), por exemplo, tem opções para todos os gostos, que incluem um skipper-guia turístico – perguntem pelo Jaime. Tem desde passeios de 2,5 horas, com um mínimo de três adultos (25 euros/adulto,15 euros/criança, menores de cinco anos não pagam), até passeios de 5h30 (52 euros por pessoa), incluindo tempo para almoço, com direito a parar nas ilhas da Armona, Culatra e Farol. Pode ainda experimentar a emoção de partir de veleiro na ria Formosa, ao sabor do vento e das marés, à boleia da Bolina (www.bolina.com.pt). Escolha entre a Rota dos Canais (3h30) e a Rota do Pôr do Sol (2h30).

Se o tempo ajudar, dê um mergulho (ou vários) e faça snorkelling – com sorte encontra os cavalos-marinhos, já que a ria Formosa é a casa da maior comunidade de cavalos-marinhos de focinho comprido do mundo.

Onde comer
Considere fazer algumas refeições na Casa Modesta, cozinhadas pelos parceiros de Vânia e Carlos. Paga 40 euros por pessoa para comer as iguarias confeccionadas pela dupla Algarve Cooking e o mesmo valor para o Mezzanine. O Sushi do Tiago (www.sushidotiago.com) vai a casa em todo o Algarve e custa 55 euros por pessoa; uma refeição caseira da avó Carminda custa 30 euros. Tudo incluído no preço. Quando esgotar as opções indoor, pode sempre visitar os chefs do Mezzanine no seu habitat natural, na baixa de Faro, na Rua de Santo António, números 58 e 60, num edifício centenário com um pátio acolhedor e uma esplanada ideal para dias de sol.

Olhão é considerada a capital gastronómica do Algarve, por isso não faltam certamente opções para comer fora. Se for em Agosto, de 10 a 15, visite o Festival do Marisco no Jardim Pescador Olhanense, em Olhão, onde pode comer – marisco e outras iguarias do Algarve – e dançar pela noite dentro.

Nome
Casa Modesta
Local
Olhão, Olhão, Quatrim do Sul
Telefone
289701096
Website
http://www.casamodesta.pt/
--%>