Fugas - hotéis

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Um hotel escavado nos socalcos do Douro

Por Romana Borja-Santos ,

O Grupo Vila Galé deu uma segunda chance a um hotel com vista para o rio que fechou num processo de insolvência. Três milhões de euros depois, há nova unidade de cara lavada à espera de receber quem quiser conhecer este Douro que “está na moda”.

As estradas de curvas e curvinhas com plantações de uva a perder de vista embalam-nos no espírito do Douro Vinhateiro e afastam-nos do urbanismo frenético do dia-a-dia. Os olhos e o pensamento perdem-se nas vinhas para perceber como se distribuem as videiras pelos carreiros estreitos — onde a inovação das máquinas ainda não consegue competir totalmente com a agilidade humana. Com a aproximação de mais casas, entre a Régua e Lamego, salta à vista uma das mais recentes estrelas turísticas da região, remodelada à beira-rio: o novo hotel Vila Galé Douro. O tom laranja terra quase remete para lugares mais marroquinos, mas a conjugação com uma estrutura que assenta sobretudo na tradicional pedra cinzenta escura faz a ponte entre o passado e o presente deste hotel escavado em socalcos e com terraços idílicos para beber o que a terra dá e os pés pisam.

A estrutura sedeada no concelho de Lamego, mas com vista para a Régua, não foi feita de raiz. O antigo Douro River Hotel & SPA, fechado num processo de insolvência, teve direito a uma nova oportunidade. Três milhões de euros depois, surge de cara lavada, com um ar mais moderno e na proporção certa para manter o espírito acolhedor, mas requintado, que caracteriza muito do que se procura nesta região.Como sintetiza o presidente do Grupo Vila Galé, Jorge Rebelo de Almeida, “o Douro está na moda” e sequioso de unidades que não esqueçam o passado, mas que respondam às exigências de quem procura alguns serviços que só os espaços com alguma dimensão conseguem proporcionar.

A mudança do antigo hotel para o actual foi quase relâmpago, mas percebe-se pouco do que resta do anterior edifício. Logo à entrada somos invadidos pela modernidade do espaço, mas que em alguns recantos e apontamentos surpreende com peças mais clássicas e com objectos comprados em antiquários, mas que podiam muito bem ser uma herança de família. Nos corredores dos vários pisos tanto estão expostas as garrafas do vinho que o grupo, em jeito de antítese, produz no Alentejo, como há talheres de prata, faiança inglesa e guardanapos de pano bordados. O requinte e a tranquilidade são transmitidos pelo equilíbrio que é dado entre os tons escuros e claros da decoração, por vezes pintalgada por tons marcantes como o roxo ou — como não podia deixar de ser — o grená, aqui obrigatoriamente designado como cor-de-vinho.

Ainda antes do check-in fazemos um desvio para o bar que fica logo à esquerda. Chama-se Versátil e o nome diz tudo. Para as noites mais frescas os sofás confortáveis espalhados pelo interior são a melhor opção, com o tom prata a trazer mais elegância, e uma lareira a trazer conforto apenas pela sua discreta presença ao canto. No entanto, durante o dia, não há como resistir a um dos terraços em que nos sentimos com os pés numa vinha. Com mobília em wengué e a ocupar um dos socalcos, o espaço exterior é o ideal para saborear um livro e degustar um bom vinho, seja do Alentejo ou do Douro — por agora de outros produtores, mas com o grupo Vila Galé a admitir que gostaria de se estender para lá da herdade de Beja. Também há excelentes opções para os adeptos do gin. Os gulosos podem simplesmente deixar derreter na boca um delicioso rebuçado artesanal da Régua, cujo sabor caramelizado dá um toque perfeito para uma tarde prolongada de dolce far niente com vista para uma paisagem que Miguel Torga um dia descreveu como sendo “um excesso da natureza”.

É precisamente do escritor que nos lembramos quando vamos para o quarto. A unidade é a mais pequena do Grupo Vila Galé. Conta com 38 quartos distribuídos por cinco pisos. Quase todos têm uma varanda privativa com vista para o rio e para a natureza ou, como diria Torga, para “um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar. (…) Um poema geológico. A beleza absoluta”. Mas, mesmo de cortinas fechadas, o Douro sente-se dentro do quarto, a começar na casa de banho, predominantemente em pedra rústica cinzenta escura e com vista para a cama. O próprio quarto combina os castanhos e tons mais pastel da terra com o tom cinza das pedras.

Apesar das almofadas e do édredon serem muito convidativos, a curta escapada leva a que a maior parte do tempo seja passado nos espaços de convívio do hotel. É no restaurante que são servidos os pequenos-almoços e as principais refeições. O restaurante usa a marca Inevitável, já conhecida do grupo, e alia a gastronomia portuguesa, com influências dos produtos regionais, à cozinha contemporânea da autoria do chef Francisco Ferreira. O pequeno-almoço é servido em regime de buffet, mas com alguns mimos trazidos à mesa, como uma selecção de pão fresco e croissants. Queijos e enchidos de qualidade são uma garantia independentemente da hora do dia. Ao jantar é obrigatório não resistir a um dos risottos, em especial ao de polvo, mas a opção pelo torricado de alheira de Lamego com ovo de cordorniz e o crocante de morcela de arroz com cominhos em grelos salteados e redução de vinho tinto também não são fáceis de excluir.

Entre refeições, para quem quer aproveitar o hotel a 100% há mais surpresas reservadas. Numa zona em que o clima pode pregar algumas partidas, a aposta está numa piscina interior aquecida. Lá fora há apenas um jacuzzi, mas que pela beleza e integração na paisagem compensa a dimensão. Aliás, esta é mais uma zona em socalco excelente para relaxar, entre as espreguiçadeiras e um baloiço que ajuda a embalar o pensamento com vista para o rio. É também o melhor sítio para quem viaja com os mais pequenos. No entanto, é praticamente imperdoável não reservar pelo menos meia hora para conhecer o SpaSatsanga — também escavado nas pedras e iluminado por luzes elegantemente dissimuladas — e entregar-se, a partir de 40 euros, nas mãos profissionais para uma massagem, duche Vichy ou apenas ginásio para ajudar a lidar com a culpa trazida pelos queijos e enchidos.

A Fugas esteve alojada a convite do Grupo Vila Galé

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Preços
O valor para duas pessoas em quarto duplo em regime de pequeno-almoço começa nos 90 euros na época mais baixa. Todos os quartos têm vista rio, mas a tipologia “duplo familiar”, a partir dos 117 euros, é a mais indicada para quem viaja com crianças, pelo espaço extra que proporciona. As crianças com menos de 12 anos são convidadas do hotel, desde que fiquem no quarto dos pais. No quarto duplo só é permitida uma criança.

Como ir
O Vila Galé Douro fica a cerca de 1h30 do Porto. A melhor opção é apanhar a A4 em direcção a Vila Real e aqui entrar na A24 em direcção a Viseu — sair para a Régua. Vindo de Lisboa, a viagem demora menos de 3h30. A opção mais rápida é seguir pela A1 até Coimbra, onde deve continuar pelo IP3 em direcção a Viseu e, depois, pela A24 em direcção à Régua e a Tabuaço, fazendo o percurso final pela N312 e pela N222.

O que fazer
No caminho até ao hotel, nas varandas do edifício e mesmo quando se espreita pelas janelas do quarto o rio Douro persegue-nos. Torna-se praticamente impossível não querer marcar a estadia nesta região sem experimentar pelo menos um passeio de barco pelas águas deste Património da Humanidade e ganhar, assim, um outro prisma sobre as margens, quintas, vinhedos e socalcos que nos rodeiam. Por comodidade, optámos por fazer o mais próximo e atravessámos a ponte para subir o Douro desde o Cais da Régua até ao Pinhão.

O percurso de mais de duas horas e meia é repleto de tranquilidade, embalado pelo barulho do vento suave e pela ligeireza com que o barco corta a água. Só as outras embarcações que se cruzam connosco — com os mais pequenos a trocarem saudações mais efusivas — nos acordam das histórias que vamos montando na nossa cabeça a cada quinta ou vinha que passamos. Há muitos edifícios em ruínas que fazem pensar em que momento deixou aquele local de funcionar, mas muitos outros renovados ou recuperados mostram que o Douro está a renascer.

O passeio é feito no Memórias do Douro, uma réplica dos barcos rabelos, um convite às memórias da região, numa evocação ajudada pelas músicas de fado escolhidas para o percurso. As réplicas dos barcos que há séculos navegavam estas águas agora transportam pessoas. Mas a imaginação ajuda a fazer crer que ainda se sente o cheiro ao vinho do Porto que os originais rabelos transportavam em barris, pensa-se que até à década de 1960. Na altura, ainda não existiam estradas e caminho-de-ferro e as quintas produtoras tinham apenas o rio como forma de transportar os barris. O Douro, como nos explicam no passeio, era também muito traiçoeiro — até porque não contava com a ajuda da engenharia recente.

A mão humana torna-se agora num dos momentos altos do percurso quando a água, qual elevador, nos empurra para cima depois de fechados entre duas paredes de betão. A subida da barragem de Bagaúste é feita através de um processo que tem o nome técnico de eclusagem e que permite enfrentar o desnível de 27 metros entre as duas zonas do passeio. É o momento mais agridoce da viagem, com os claustrofóbicos a hesitarem entre semicerrar os olhos ou ver a magia acontecer e subir antes do troço final para o Pinhão, onde um autocarro nos traz de volta ao ponto de partida. Esta opção de passeio entre a Régua e o Pinhão custa no mínimo 20 euros, mas o valor pode subir ao fim-de-semana. Há outras hipóteses disponíveis no site da empresa Douro Acima (www.douroacima.pt). Recomenda-se reserva antecipada.

Nome
Vila Galé Douro
Local
Lamego, Cambres, Lugar dos Varais - Cambres
Telefone
254780700
Website
http://www.vilagale.com/
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