Há sonhos e sonhos. Há os que servem para dar objectivos a quem os sonha, e há os que trazem alegria e felicidade a quem antes não os havia pensado. Confuso? Basta pensar no Chão do Rio, a quimera rural sonhada por Catarina Vieira e que se converteu na estadia de sonho de quem nem tinha Travancinha como um lugar prioritário na serra da Estrela. Mas vamos por partes, que esta história merece ser contada pela raiz — ainda que bastasse, como nos bastou, para o enamoramento absoluto, olhar para as fotografias daquelas cinco casinhas de telhado de colmo, quais irmãs gémeas, vaidosas, a disputar a melhor maquilhagem a reflectir num espelho.
Se vamos por partes, o melhor é começar no sítio. Na terra onde tudo nasceu. Travancinha pode não ser a primeira localização que nos vem à cabeça quando alguém nos fala de serra da Estrela. E, se calhar, até era a última em que alguém pensava quando pretendia marcar um fim-de-semana por lá. E o tempo verbal está bem escolhido — era, e não é — porque tudo mudou, graças ao sonho de Catarina Vieira. O sonho de fugir à cidade e ao mar (ela é natural de Aveiro) para rumar ao interior e à montanha (e instalar-se na ponta mais a oeste do concelho de Seia) foi dela, é certo. Estávamos em 2001, e o anúncio que a fez abalar de Aveiro para a serra foi uma quinta de sete hectares, uma herdade de uvas que se chamava Chão do Rio.
Ela procurava um local para deitar as mãos à terra e perceber se tinha unhas para tanta vontade: foram dias e dias a limpar, a pensar, a organizar, a plantar árvores: de uma vez, oito mãos plantaram 300 árvores em apenas quatro dias. Na cabreira que existia num dos pontos altos do terreno reconstruiu a casa que sonhou para seu refúgio. Em 2003 ampliou a quinta. Já tinha oito hectares, semeados com flores, árvores de fruto, pinheiros, carvalhos, muita força de vontade e muito amor pela natureza. Nunca entraram químicos na quinta, os tratamentos necessários foram sempre feitos à mão e com produtos naturais. Os pastos são doados ao pastor da aldeia.
Foi bem mais tarde que Catarina Vieira se apercebeu que não lhe faltavam unhas para o campo mas que podia testar se havia outros, tal como ela, que procuravam lugares mais ou menos recônditos e contactos o mais directo possíveis com a natureza. Transformou a sua cabreira-casa num alojamento local e abriu as portas do seu refúgio aos hóspedes. E logo percebeu que sim, que havia mais gente que, como ela, procurava este tipo de lugares — perto da serra de todas as brochuras turísticas mas longe das enchentes que bloqueiam a estrada da Torre ao primeiro nevão.
O sonho de Catarina deixou de ser apenas o de meter as mãos na massa, perdão, as unhas na terra, para passar a viver também com a vontade indomável de partilhar esse gosto com outros. A casa da Cabreira já não era suficiente. E logo apareceu a Loba, a Churra, a Cotovia, a Ribeira, o Pastor. Foi há pouco mais de um ano, mas até parece que elas estiveram sempre ali, a bordejar um lago que a natureza plantou. As cinco casinhas de pedra com telhados de colmo são as tais irmãs gémeas, iguais na essência, mas que se diferenciam pelas cores que usam na cara.
Por fora, só as cores das portadas as distinguem. Por dentro, todo o mobiliário e decoração diferem. Será difícil a um visitante não se identificar logo à partida, e na totalidade, por uma delas. São pequenas casas, de rés-do-chão e primeiro andar, ambos em open space (só a casa de banho tem portas a proteger), e sempre com um ar acolhedor. Nós ficámos na Cotovia, a casinha de janelas vermelhas, onde na decoração pontuam as flores e os pássaros, o ambiente provençal. Cheirava a Primavera, apesar de ser Verão. Mas foi do Inverno e do Outono que me lembrei, quando olhei para a poltrona defronte à lareira, e quando o sofá que se converte em cama exibia mantinhas tão fofas e acolhedoras. Lembrei-me do Outono e do Inverno, mas regozijei-me por ainda ser Verão para poder experimentar sem medo o tal espelho mágico que organiza a disposição das casas. A piscina biológica estava à nossa espera.
Os novos amigos
Sabemos que foi tudo pensado e desenhado pelo homem, mas não há nada naquele ecossistema que não remeta para a natureza — é disso que se trata, de um ecossistema vivo, onde a libelinhas e as rãs, os nenúfares e as outras plantas aquáticas têm um papel muito diferente do meramente decorativo. Nos dias de calor intenso deve ser difícil sair de lá de dentro. Nos dias de Verão tímido pode ser difícil entrar. Nada que um chuveiro não resolva, e os do Chão do Rio até são bem originais: jorram a partir do chão, num estrado de madeira que está mesmo a pedir “pula, pula” (pelo menos é isso que as crianças “ouvem”).
Se há certezas nesta vida, uma delas é que não há criança que nesta altura do ano saia entediada de uma estadia na Chão do Rio. A começar na piscina biológica e a terminar nos muros carregados de amoras, passando pelos baloiços e escorregas espalhados pela quinta (a criança que há em mim confessa o seu deleite por ter encontrado um baloiço pendurado numa arvore que aguenta com um adulto de peso) e pelas bicicletas, com rodinhas e sem rodinhas, e pelos carros de mão que estão mesmo a desafiar para passeios. Há ainda outra vantagem, que vivemos por experiência própria: não há perigo de deixar as crianças à solta; em menos de cinco minutos estão a entrar pela casa dentro, a dizer que têm um novo amigo.
A dona Emília, a experiente auxiliar educativa que deixou décadas de trabalho na escola primária da Travancinha para vir tomar conta da Chão do Rio — e zelar para que nada falte aos hóspedes que pernoitam na quinta —, confirma. “A primeira pergunta que me fazia uma das meninas que aqui esteve instalada uma semana, quando lhe dizia que iriam chegar novos hóspedes essa tarde, é se também viriam crianças. Passado umas horas já estavam todos a brincar juntos.”
Ora esta é uma vantagem, e das grandes, para pais que querem ver os miúdos entretidos “a descobrir o mundo e a viver aventuras” — ainda que o mundo esteja, por ora, confinado aos oito hectares da quinta. A outra vantagem: quem não tem crianças e quer estar a ler um livro, a apanhar sol, a fazer uma massagem soberba ao fim da tarde aproveitando a sombra de imponentes carvalhos, está igualmente à vontade.
Catarina Vieira pensou em tudo o que pode precisar quem escolhe a Chão do Rio para passar uma noite, um fim-de-semana, um mês. Da proximidade à serra e a todos os seus encantos, nem vale a pena falar. Falemos antes dos parceiros que ela escolheu criteriosamente, entre empresas da região, para a ajudar a pôr Travancinha no mapa: as massagens de Sílvia, a técnica da AP Estética, uma empresa da vila ao lado, São Romão, que tem mãos de fada e palavras doces; a comida caseira do Bico Guloso, que faz serviço de entregas à porta, ao almoço ou ao jantar, para quem não quer meter as mãos nos tachos (a cozinha está equipada com o essencial, e quem se esquecer do sal ou do azeite também pode pedir à dona Emília, que a Chão do Rio é uma aldeia, e é fácil a entreajuda entre vizinhos); a experiência de turismo activo, seja fazendo stand up paddle no rio Mondego ou na barragem da Aguieira (nós experimentámos, e foi ainda mais fácil e agradável do que as nossas melhores expectativas) ou caminhadas em trilhos escolhidos da serra.
A integração dos produtos locais é uma preocupação de Catarina Vieira que também é visível nos cestos de pequeno-almoço que são entregues à chegada (e repostos sempre que necessário): o requeijão da serra, o doce de abóbora da dona Emília, o mel da serra da Estrela, o bolo negro de Louriga, a fruta da época. E o pão. O quente e estaladiço pão de centeio, feito da padaria de Travancinha, que é reposto diariamente, sempre que o saco esteja pendurado no alpendre da casa, às 17h. A experiência da vida em aldeia não é apenas um slogan turístico; vive-se, de facto. Deve haver muitos, como nós, que sonhavam com isso. O sonho de Catarina Vieira ajudou-nos a realizá-lo.
A Fugas esteve alojada a convite da Chão do Rio
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Como chegar
A partir do Porto, a melhor referência será apanhar a A1, a auto-estrada em direcção a Lisboa, e sair para a A25, em direcção a Viseu. Seguir na A25 até à saída 18, e seguir pela Estrada Nacional 231, em direcção a Nelas. Travancinha fica uns minutos depois e há placas na estrada a sinalizar. A partir de Lisboa, o percurso mais rápido é sair da A1 na zona de Coimbra para apanhar o IP3 em direcção a Viseu e circular pouco mais de 40 quilómetros até à saída do IC2/A35, em direcção à Guarda. Tomar a saída N337 e seguir pela Estrada Nacional 231. Aqui a referência deve ser Ervedal da Beira. Só depois procurar as placas para Travancinha.
Preços
O preço normal é, para as casas T1, de 100€ para um casal; 110€ para três pessoas e 120€ para quatro pessoas. Estes valores sobem, respectivamente, para 150€, 160€ e 170€ por altura da passagem de ano.
Na casa grande, a T2, o preço normal é de 170€ para seis pessoas, 160€ para cinco pessoas e 150€ para quatro pessoas. Estes valores sobem, respectivamente, para 220€, 210€ e 200€ no fim de ano. Quanto a restrições, regra geral, em pontes, Verão e segunda quinzena de Dezembro, obriga-se a um mínimo de duas noites.
- Nome
- Chão do Rio
- Local
- Seia, Travancinha, Rua da Calçada Romana
- Telefone
- 919523269
- Website
- http://www.chaodorio.pt/