José Maria Sousa Guedes e a mulher, Inês, preferem receber os hóspedes debaixo das tílias exuberantes, centenárias, com um copo de vinho verde e uma tábua de queijo e paté, mas o dia despertou carrancudo. Recebem-nos numa sala acolhedora, com uns confortáveis sofás azuis virados para uma lareira.
A Casa do Outeiro está na família há 13 gerações. Cada um dos seus detalhes pode despertar uma memória. Os hóspedes podem dar uma volta pela casa toda e ouvir algumas histórias contadas por José Maria, de 61 anos, ou por Inês, onze anos mais nova, unidos por um casamento de 30 anos.
O solar, situado em Tuías, Marco de Canaveses, tem uma planta mais complexa do que o habitual graças aos acrescentos que foi sofrendo ao longo do tempo. Está bem conservada a capela particular, de gosto barroco, dedicada a Nossa Senhora do Pilar. No centro do edifício, separa a ala direita, mais antiga, construída ainda do século XVII, da esquerda, já do início do século XX.
Não nasceu ali, José Maria. Aconteceu-lhe nascer em Lisboa. “Meu pai era delegado do Ministério Público e esteve três anos em Lisboa”, revela. “Ele tinha uma paixão por esta casa e pelo Marco que era uma coisa impressionante. Antes de eu nascer, ele mandou ir um caixote com terra e pôs debaixo da cama para poder dizer que eu tinha nascido em cima de terra de Tuías.”
Herdou o apego ao lugar. E ganhou grande gosto pelas coisas do campo, embora se tenha feito homem na cidade. Cresceu no Porto, tendo o solar da família como o lugar aonde ia passar as férias da Páscoa e o fim das férias do Verão. Lembra-se de olhar à volta na hora de comer o anho assado com arroz de forno e de ver umas 30 pessoas de prato na mão. Era uma família enorme.
Quando se instalou ali, na ala esquerda, era já um homem casado, pai de uma criança de dois anos. O pai tinha morrido. A mãe adoecera. José Maria e Inês viviam com a filha num apertado T1, em Vila Nova de Gaia. “Ela não podia estar sozinha. Não podia ir para nossa casa. Resolvemos vir viver para aqui com ela”, recorda Inês. “Foi nessa altura que comecei com a produção de vinho. Fiz as minhas vinhas de raiz. Foi há 25 anos, não foi?”, pergunta o homem. “Sim”, retorque a mulher.
Já não faz vinho, o anfitrião da Casa do Outeiro de Tuías. Arrendou o terreno a um homem bem mais novo por um período de 21 anos. “Nos últimos dois ou três anos, o negócio começou a correr mal”, queixa-se. “Houve um ano em que, uma semana antes de fazer a vindima, caiu granizo. Destruiu tudo, tudo. Um stress. No fundo, ter uma vinha é ter uma fábrica a céu aberto.”
Teria de reinvestir. Estava na altura de plantar novas vinhas. Tinha de comprar novas máquinas. A família tem uma longa tradição de produção de vinho verde – branco, frutado, refrescante, ou maduro, mais intenso, mais robusto, ou mesmo rosado, mais suave. Mas já ninguém parece interessado em mantê-la. Nem as filhas, Inês, de 28 anos, embrenhada na criminologia, e Maria Pilar, de 23, a começar uma carreira no turismo. Nem os sobrinhos, que são como se fossem filhos, Gustavo, de 29 anos, bioquímico, e Rita, de 28, que estudou ecologia aplicada.
Obra para toda a vida
Há muito que andavam a acarinhar a ideia de abrir o solar ao turismo. Não podiam pensar nisso a sério enquanto a ala direita, a casa inteira, não lhes pertencesse. Mal essa parte lhe chegou por herança, puseram mãos ao trabalho. “Foram eles que fizeram tudo”, orgulha-se Pilar. Tudo é tratar das paredes espessas, duplas, e do chão de pedra ou madeira. E recuperar mobiliário antigo, forrar sofás, fazer tapetes de arraiolos, cortinados, lençóis, almofadas, robes… “Isto é uma obra para toda a vida”, diz o pai. “É. É uma obra para toda a vida”, concorda a mãe.
Começaram por abrir três quartos e uma casa de banho. Agora, têm cinco, cada qual com a sua casa de banho – dois não obrigam a sair do quarto de dormir, mas três obrigam a cruzar o corredor. “Fomos fazendo mais quartos de banho. Não é fácil nestas casas antigas. Queremos manter a traça. Embora não estejamos qualificados, temos essa preocupação”, explica a mulher.
Planeiam começar a servir refeições por encomenda e abrir uma pequena loja de produtos próprios ou regionais. Ao pequeno-almoço já servem as compotas que fazem ali – de morango, de uva, de amora, de ameixa, de quivi. Podem servir as refeições ali, na parte mais nova da casa, ou no outro lado, na parte mais antiga. Há lá uma sala arejada que dá para uma varanda vistosa.
Não falta energia àqueles dois. Estão a abraçar uma nova carreira numa fase adiantada da vida. José Maria pôs de lado a experiência laboral, passou a vitivinicultura a outro, reduziu o cavalo, o Poeta, a um passeio semanal. Inês já foi modista, advogada, professora. E ei-los, calorosos, a receber quem chega.
O que os atrai no turismo? “Poder conhecer outras pessoas”, responde Inês, a mãe. “O Zé Maria é um relações públicas nato”, elogia ela. “Os meus pais completam-se”, corrobora Pilar. “Acho importante dizer uma coisa”, achega Inês, a filha. E diz mesmo: “Os meus pais fazem uma espécie de turismo humanista”. E a outra Inês, a mãe, esclarece: “Isso é o que diz um primo do Zé Maria. O que nos queremos é que as pessoas se sintam bem, se sintam em casa. E acho que temos conseguido.”
Os hóspedes podem adoptar uma postura mais reservada ou mais aberta. Se quiserem, podem usar a cozinha ou o churrasco e comer debaixo das tílias ou à volta da piscina descoberta. Reza a lenda que quem adormece debaixo de uma tília pode ser transportado para a terra das fadas.
Como ir
De comboio, através da Linha do Douro, pode chegar à Estação do Marco de Canaveses. De carro, pode usar a A4. Também pode seguir pela Estada Nacional 108, pela marginal do rio Douro.
O que fazer
Pode, simplesmente, ficar a relaxar debaixo das tílias ou à beira da piscina da Casa do Outeiro. Se lhe apetecer caminhar um pouco, pode seguir ao longo dos trilhos abertos nas proximidades pela família Sousa Guedes. Se gostar mesmo de andar, explore a serra da Serra da Aboboreira, com os seus moinhos de água. Pode começar na igreja da freguesia de Soalhães.
Se lhe apetece recuar mais no tempo, vá à freguesia do Freixo visitar Tongobriga, estrutura castrejo-romana provavelmente criada pelo imperador Augusto. Aproveite para experimentar os centenários doces do freixo. Se prefere arquitectura contemporânea, não perca a oportunidade de visitar a igreja de Santa Maria, desenhada pelo arquitecto Siza Vieira, mesmo à entrada da cidade. O solar está situado a apenas três quilómetros do centro do Marco de Canaveses.
Muitos dos hóspedes da Casa do Outeiro estão em trânsito, isto é, a ir ou a vir de outros pontos. Há, porém, quem a use como base para conhecer a região. Tuías dista 20 quilómetros de Amarante, uma das mais belas cidades do Norte de Portugal. E está entre o Porto (45 quilómetros) e o Douro vinhateiro (50 quilómetros), ambos património classificado pela UNESCO.
Onde comer
Pode cozinhar em Casa do Outeiro ou recorrer a um dos vários restaurantes do Marco de Canaveses. O Plátano (+351 255 534 349) serve uma posta de arouquesa de comer e chorar por mais. Seguimos a recomendação dos anfitriões, que sugerem também o anho assado com arroz de forno.
- Nome
- Casa do Outeiro
- Local
- Marco de Canaveses, Tuias, Rua Casa do Outeiro
- Telefone
- 255 523 432
- Website
- http://www.casaouteirotuias.com/