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Ver o mar dos Açores mudar de cor em São Miguel

Por Ana Maria Henriques ,

Na encosta norte de São Miguel, o Santa Bárbara Lodge é uma oportunidade para fazer de conta que se vive nos Açores: apartamentos autónomos e com privacidade voltados para o mar, em silêncio.

Ainda não são oito da manhã e já se vêem pessoas a correr pelo trilho rochoso por detrás do Santa Bárbara Lodge: vestem camisolas fluorescentes e percorrem um caminho cheio de pedras negras, com vista para o mar. Entram no nosso campo de visão enquanto tomamos o pequeno-almoço na mesa alta de microcimento do apartamento Boca-Negra e seguem em passo rápido. A parede de vidro enquadra a encosta norte da ilha de São Miguel, nos Açores, e cria um postal natural que não deixa de nos impressionar. Os dias que nos esperam e que hão-de ser preenchidos com lagoas, cascatas e estradas de verde e flores impedem-nos de optar pelo sofá cinzento. Voltado para o mar, claro, como quase todos os alojamentos deste Lodge aberto há poucas semanas em São Vicente Ferreira, freguesia de Ponta Delgada.

Chegar a esta unidade de alojamento — irmã mais nova do Santa Bárbara Eco-Beach Resort — sem as coordenadas do GPS à mão pode ser difícil. No táxi que nos levou, Rodrigo (natural de Oeiras e açoriano por amor há já um ano) é o único taxista a trabalhar à noite na zona da Ribeira Grande. As estradas estão quase desertas e a indicação da “recta de São Vicente” acaba por ser certeira: como ainda não existem placas à face da estrada, o melhor é mesmo perguntar a quem conhece esta parte da ilha. Uma pequena rua habitacional conduz-nos a um terreno murado com uma construção moderna destacada e é hora de testar os códigos de acesso fornecidos pela gerência. Sem recepção, a ideia do complexo é preservar a autonomia e a privacidade dos hóspedes, convidados a imaginar que vivem na pequena aldeia. 

Ao todo são oito os apartamentos (dois T2, dois T1 e quatro T0), baptizados com nomes de peixes típicos do arquipélago e que incluem kitchnette e zona de estar, quarto de dormir, casa de banho e varanda. O silêncio é a primeira coisa em que reparamos. Até o barulho das rodas das malas de viagem parece deslocado e a tentação é carregá-las silenciosamente. Apesar de a ocupação ser completa, não nos cruzamos com outros hóspedes, o que sublinha a independência de cada apartamento e valida o conceito. As paredes e o chão são claros, há tectos em madeira de criptoméria dos Açores, cortiça e microcimento na bancada da cozinha e na casa de banho. Não falta espaço para cozinhar, tomar uma refeição ou apenas descansar. No quarto, o colchão assenta sobre uma base de cimento. Parece despido, numa primeira observação, mas revela-se simples e perfeito para dormir, sem distracções como televisão ou telefone ou elementos decorativos escusados. Nem otablet cedido pelo Lodge a todos os alojamentos impede uma mão cheia de horas de sono que sabem a muito mais.

Não foram poucas as vezes que ouvimos dizer maravilhas dos Açores. Confissão: achávamos um pouco exageradas as afirmações de que a beleza era deslumbrante e capaz de mudar a nossa vida. Seria este arquipélago assim tão fascinante? No momento em que abrimos a cortina e a janela do Boca-Negra e pisámos a varanda (que mais parece um terraço) plantada em cima do Atlântico, percebemos a soberba das nossas dúvidas. Se a manhã começou com um dos muitos tons de cinzento que o clima de São Miguel pinta, em poucos minutos tudo pode mudar e o azul manda. Basta uma mudança de cenário dentro do próprio apartamento para a paisagem se apresentar outra.

Por não ter os serviços que tipicamente associamos a um hotel — recepção, bar ou opção de refeições —, o Lodge pode parecer um pouco isolado. Para evitar esta sensação, encomendar o pequeno-almoço com antecedência é uma opção a considerar. Uma cesta de vime cheia de coisas boas e simples da região (café, chá, iogurte, leite, pão, fruta, queijo fresco, compota e manteiga) tem um custo acrescido de 25 euros para duas pessoas e oferece a possibilidade de começar o dia a um ritmo lento, na varanda ou na zona de estar. Caso férias sejam sinónimo de pequeno-almoço buffet, qualquer hóspede do Lodge pode deslocar-se ao Eco-Beach Resort e experimentar mais variedade (15 euros/pessoa).

Joana Melo, a directora geral do Lodge e do Eco-Beach Resort (ambos pertencentes a Rodrigo Herédia e João Reis), regressou a São Miguel após 18 anos a trabalhar em Portugal continental. Passou por vários hotéis e acabou por se render ao conceito do Santa Bárbara. Conhece bem quem procura a maior e mais populosa ilha dos Açores: famílias portuguesas durante as férias da Páscoa e do Verão e estrangeiros, sobretudo fora da época alta. Lembra-se bem de quando o espaço do Lodge acolhia um restaurante, com área para eventos, fechado há alguns anos. A localização e a vista são os pontos fortes do edifício e apostar em alojamentos independentes parecia o mais acertado. Em seis meses foram feitas todas as obras de adaptação necessárias.

O jardim, com acesso directo a partir de alguns dos apartamentos, é tão minimalista quanto os próprios quartos. A relva enquadra a piscina, há cactos de diversos tipos e uma cozinha exterior com barbecue para quem não quiser abdicar do sossego das espreguiçadeiras de madeira. E esta pode ser, de facto, uma tentação para os hóspedes: estacionar o carro no parque de estacionamento privativo, abusar dos produtos da ilha (o Mercado de Ponta Delgada merece uma visita e fica a 20 minutos) e alternar entre as varandas, o jardim e o enorme terraço que ocupa todo o telhado do edifício. 

Por estradas íngremes e totalmente cobertas de vegetação verde chega-se a miradouros onde nem apetece falar. Tentamos a lagoa das Sete Cidades, mas o nevoeiro que se transforma em chuva não nos deixou ver nem um pouco do azul e verde das águas. É frustrante mas não é o fim do mundo — e não é tão raro quanto isso, culpa do clima da ilha. A lagoa do Fogo, bem mais perto de São Vicente Ferreira, compensou a outra viagem perdida. Depois de subirmos durante uns 30 minutos, sempre com o olhar na paisagem cada vez mais alta, aproximamo-nos de uma zona com muitos carros parados na berma da estrada. Basta afastarmo-nos alguns metros da pequena confusão e o silêncio já se sente. O primeiro impacto é abrir muito os olhos para a lagoa que, lá no fundo, recorta as árvores e uma pequena praia onde se percebem alguns vultos. Só depois de um sorriso meio apalermado é que vem a vontade de fotografar — mas não há máquina superpoderosa de smartphoneque retrate isto. A caminho da lagoa do Fogo, uma queda de água de uns imponentes 40 metros vale o desvio por um acesso de terra batida. No Salto do Cabrito, as pedras, de todos os tamanhos e feitios, que ladeiam a cascata, são, à partida, desencorajadores. Mas a temperatura da água e o postal verde que parece feito para as fotografias são imperdíveis. 

No regresso ao Santa Bárbara Lodge, uma constatação. Poucos dias foram precisos para nos transformamos numa daquelas pessoas (sortudas) que dizem que os Açores são de uma beleza deslumbrante e capazes de mudar a nossa vida. 

Como ir

Diariamente, a Sata voa para os Açores a partir das cidades do Porto e de Lisboa. A TAP tem voos diários para Ponta Delgada a partir de Lisboa e várias opções semanais a partir do Porto. As companhias low-cost como a Ryanair e a easyJet também podem ser alternativa: tal como acontece em muitos destinos, reservas antecipadas podem significar preços mais apelativos.

Onde comer

No hotel-irmão do Santa Bárbara Lodge, o Eco-Beach Resort, não há como errar ao pedir qualquer combinação de sushi no restaurante Areais. Da ementa constam ainda pratos de inspiração regional, com produtos da ilha, mas o gunkan de lapas e salmão e o enrolado de curgete com paté de chicharro e ananás dos Açores são quase obrigatórios. Mais abaixo, com vista para o areal de Santa Bárbara, o bar de apoio (explorado pelo resort) serve lapas, camarões, saladas e hambúrgueres (de atum ou de carne), além de sumos naturais.

Em Ponta Delgada, a 20 minutos de carro, opções não faltam. A Tasca já é um ponto de paragem obrigatório com o seu menu em formato jornal e os pratinhos de petiscos tradicionais. Não muito longe fica a Calçada do Cais, casa com uma simpática esplanada e uma carta cheia de especialidades açorianas. Recomendamos a banana caramelizada com queijo da Fajãzinha e massa sovada e o encharéu grelhado com legumes salteados. 

O que fazer

O Santa Bárbara Lodge foi pensado para se poder descansar no meio do silêncio, sem a estrutura típica de um hotel. A zona da piscina, ajardinada, convida a sestas tímidas e leituras adiadas, enquanto que as varandas dos apartamentos são ideais para refeições esticadas. Parar para ver o mar mudar de cor é sempre uma boa opção, assim como percorrer o caminho de terra batida que acompanha a linha da costa nas traseiras do Lodge.

Para quem prefere dias mais preenchidos, o Santa Bárbara Eco-Beach Resort, a dez minutos de distância, propõe massagens com vista para o mar (a partir de 25 euros/30 minutos) pelas mãos de Nuno Oliveira, da Almond Bodhi. Os mais radicais podem experimentar trike paramotor, com a empresa SkyXpedition, e ver a encosta norte de São Miguel do ar. Não faltam opções de excursões na ilha, mas a Holistika oferece passeios personalizados com direito a piquenique e roteiros surpresa: o jovem Jorge Valério conduz uma carrinha branca e mostra locais recônditos de São Miguel que, garante, muitos micaelenses desconhecem. As áreas comuns do Santa Bárbara Eco-Beach Resort também estão abertas aos hóspedes do Lodge, que podem assim usufruir da piscina infinita com direito a espreguiçadeiras submersas, das cadeiras estrategicamente colocadas em decks de madeira a encarar o horizonte e da praia de areia negra.

A Fugas esteve alojada a convite do Santa Bárbara Lodge

Nome
Santa Bárbara Lodge
Local
Ponta Delgada, São Vicente Ferreira, Canada da Tapada, 14
Telefone
296 470 360
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