Chegamos a Fiais da Beira por uma estrada de paralelo. Para trás ficou Oliveira do Hospital — e as suas muitas rotundas — e a serra da Estrela vê-se já com neve, bem lá em cima. Não dá para enganar, viemos mesmo pelos caminhos de Portugal a entoar mentalmente a canção de Roberto Leal. O GPS vai falando connosco, parece que já não falta muito para o destino, o hotel que viemos conhecer fica a 300 metros, do lado direito.
Breve hesitação na hora de estacionar o carro, o parque é mais à frente, alcatroado e sem os solavancos do paralelo, com vista para o pavilhão de eventos e algumas árvores de fruto. Rampa para as malas e estamos no jardim cuidado daquilo que parece uma casa de família, a seguir as indicações para a recepção. Assim que passamos a pesada porta bordeaux, viajamos no tempo até ao século XIX e as calças de ganga que temos vestidas parecem totalmente despropositadas. A expectativa é de que o lobby boy de uniforme roxo e chapéu na cabeça do Grand Budapest Hotel (Wes Anderson, 2014) nos venha saudar e carregar nas malas. Na realidade isso não acontece, mas dá para perceber que o Hotel Stroganov não é um hotel qualquer.
No lobby, o silêncio só é quebrado pelo canto dos passarinhos (os clichés são para ser aplicados sempre que seja impossível escapar-lhes) e bater na campainha do balcão soa a gesto indelicado. Duas saletas de ar kitsch ladeiam esta recepção: espelhos, sofás de veludo, cortinados drapeados, tectos e paredes trabalhados, candeeiros com pendentes brilhantes e retratos de homens e mulheres com penteados e roupas de outras épocas. A sensação de que estamos dentro de um filme continua assim que a porta do elevador se abre: encostado ao espelho, um banco convida a sentar (apesar de a viagem ser breve) e as paredes estão forradas com uma espécie de papel de parede escuro e florido.
“Este é um hotel romântico”, define a proprietária e responsável por todo o projecto de decoração, Marina Kartashova. O apelido não engana e o sotaque também não: Marina é russa, nascida em Moscovo há 59 anos e fascinada por boas histórias. A professora catedrática de línguas, que fala um português quase perfeito, decidiu seguir a paixão da decoração e abrir um pequeno hotel rural de luxo em Fiais da Beira, depois de ter equacionado a Alemanha e a Hungria. O palacete de 1898 estava “numa situação muito triste, com infiltrações de água e cheio de morcegos”; salvou-se a estrutura granítica e o ar senhorial que o edifício mantém. Depois de seis anos de atrasos burocráticos e obras profundas, o hotel abriu, em regime de soft opening, em Setembro último.
Sendo certo que o tema não é o cinema, a história de amor que inspirou o Hotel Stroganov dava um filme (o livro já existe: Juliana — Condessa de Stroganoff, de José Norton). Foi quando se mudou de Moscovo para esta aldeia do interior de Portugal que Marina descobriu o romance entre Juliana de Almeida D’Oeynhausen e o conde Grigory Stroganov, que começou antes das guerras napoleónicas. Juliana, filha da marquesa de Alorna e casada com o embaixador português em Madrid, apaixonou-se pelo conde Stroganov, embaixador russo na mesma cidade. Separados pelas invasões napoleónicas, reencontraram-se na Suécia e esperaram mais de 20 anos para se casarem, em São Petersburgo. “A decoração da casa faz lembrar os tempos desta gente”, explica Marina, e “os nomes dos quartos estão ligados à história de Juliana e Grigory”. Dos quartos e não só: o pequeno sheltie (uma espécie de Lassie em miniatura) que se passeia pelas saletas da casa, atrás de Marina, foi baptizado Grisha em homenagem ao conde Stroganov.
Mobiliário português
É seguro dizer que não há uma parede por decorar no hotel. Quadros, relevos, silhuetas desenhadas, tapeçarias, espelhos e cores escuras e quentes preenchem os andares do Stroganov, onde não faltam otomanas nos patamares das escadas, sofás nos cantos, relógios pesados. “Perto de 90% do que temos aqui é da Península Ibérica”, diz a decoradora, e a maior parte do mobiliário é “recuperado e português”. “Tenho esta preocupação de tentar salvar as coisas. Na Rússia, perdemos tanto de uma cultura gloriosa nas guerras e revoluções, agora é impossível ter de volta. Em Portugal ainda há muito para recuperar.” O granito foi mantido e, na sala dos pequenos-almoços, a forma arredondada de uma das portas foi mantida para recordar a antiga função do espaço — o lagar de azeite da propriedade. O antigo curral, nas traseiras da casa, deu lugar à piscina e ao spa e a escada de pedra que o liga à zona dos quartos também já existia.
Ao todo são 12 os quartos deste hotel classificado com cinco estrelas: nove quartos e três suítes. Não há dois iguais, nem em configuração nem em decoração. Variam os tons entre um azul claro com apontamentos dourados do Silhouettes e as madeiras escuras e pesadas do Dacha. Nas suítes (Oriental, Sparkling e Azulejos), a aposta é em zonas de estar confortáveis e casas de banho com generosas banheiras de hidromassagem, cheias de luz natural. O silêncio característico de uma pequena aldeia junta-se a camas confortáveis e o sono não é um problema, antes um prazer que se estende até ao pequeno-almoço. Servido numa sala com vários painéis de azulejos, inclui as usuais variedades de pão e croissants, queijos da região e enchidos, ovos cozinhados na hora e alguma fruta da época. O destaque, contudo, vai para as mimosas, prontas a ser bebidas, antes ou depois de uma passagem pelo spa, com entrada ali ao lado.
Um curral transformado em piscina aquecida, jacuzzi e spa complementa a oferta do Stroganov. O espaço é amplo e arejado, com um jardim vertical, uma cascata e colunas a ladear o jacuzzi. Há ainda salas para sauna e banho turco, um ginásio com os equipamentos básicos e gabinetes para massagens. A água é de uma nascente que passa pela propriedade e é aproveitada para alguns dos tratamentos. Uma manhã ideal começa com um acordar numa cama de dossel, massagem de relaxamento e mergulho na piscina e um pequeno-almoço lento. Apesar do frio que só os dias soalheiros de Inverno têm, parece mal não explorar, a pé e sem pressas, Fiais da Beira. É hora de abandonar este cenário de filme, voltar a apreciar as calças de ganga e deixar para trás o século XIX, enquanto Grisha se vem despedir junto à vedação do Hotel Stroganov.
Como ir
Fiais da Beira fica a menos de duas horas de viagem do Porto. Basta seguir pela A1 em direcção a Lisboa e convergir com o IP3 para Viseu, até tomar a saída para Tábua. Daí ao Hotel Stroganov são apenas 20 minutos por estradas nacionais.
De Lisboa são precisas perto de duas horas e 45 minutos para chegar à aldeia beirã. A maior parte da viagem é feita pela A1, em direcção ao Porto, até à saída para Viseu e convergência com o IP3. Saindo deste itinerário, os sentidos são os de Guarda e Tábua em estradas nacionais, durante alguns minutos.
Onde comer
Numa sala com espelhos no tecto e uma decoração em tons de verde escura do Hotel Stroganov funciona o Chaminé Russa. Segundo Marina, “o restaurante tem inspiração russa mas não é um restaurante russo, tem uma cozinha de fusão”. Não compete com os restaurantes locais na confecção tradicional do cabrito ou do leitão, aposta em novas formas de os apresentar. As sopas russas — caldos com cubos de legumes — são fortes e condimentadas, perfeitas para o Inverno.
A 20 minutos de Fiais da Beira, Oliveira do Hospital tem várias opções, sobretudo voltadas para gastronomia tradicional. O Túnel é uma dessas escolhas, com ensopado de borrego, bacalhau e muito Queijo da Serra.
A Fugas esteve alojada a convite do Hotel Stroganov
- Nome
- Hotel Stroganov
- Local
- Oliveira do Hospital, Ervedal, Estrada Ponte da Atalhada, 14
- Telefone
- 238 640 030
- Website
- www.hotelstroganov.com