Naquele dia, olhos postos nas ruínas que um dia foram palco de felicidade, José Manuel Silva Couto tomou uma decisão. Ou resgatava a quinta da família do abandono ou não regressava mais a Cervães, a freguesia minhota onde o avô paterno adquiriu em 1913 uma propriedade de 14 hectares. Ver aquele espaço desmoronar-se era para ele testemunhar o desaparecimento das próprias origens — e essa mágoa não estava mais disposto a suportar.
A memória ainda o emociona. Mas agora que das ruínas surgiu o Torre de Gomariz Wine & Spa Hotel (e imaginar o que ali existia se tornou um exercício complexo), é sobretudo o contentamento que sobra. Silva Couto, médico em Coimbra, faz-se à estrada pelo menos uma vez por semana. Gosta de acompanhar de perto o crescimento do hotel. De passear pela mata onde as vinhas se desenham, sentir os aromas criados na cozinha do restaurante. Recuperar aquele espaço com um dos irmãos, o também médico em Viana do Castelo José Carlos Silva Couto, foi um regresso ao tempo da infância. Aos dias das vindimas com Cervães inteira reunida, às tardes das desfolhadas, encerradas com um grande jantar e concertinas a ritmar um baile no jardim. Muito mudou em relação ao cenário desses anos. Mas manter a identidade histórica do local, paredes meias com o contemporâneo, foi linha mestra na reabilitação (já lá vamos).
Uns 20 minutos separam o ambiente citadino de Braga do rural castiço da freguesia de Vila Verde. Vai-se de rotunda em rotunda, placas de sinalização bem visíveis, até ao portão imponente que, ao ser cruzado, dá entrada a um outro mundo. Temos pouco mais de 24 horas para estar no hotel — e rapidamente se percebe que será pouco para o aproveitar com a serenidade que ele pede.
Um copo de vinho da casa brinda a chegada dos hóspedes à torre da quinta, emblemático edifício da vila transformado na recepção do hotel. Os olhos vão-se perdendo nos pormenores de requinte e fogem para a escada em caracol ali à espreita, caminho para uma sala de estar e duas suítes medievais, as mais típicas dos 24 quartos do hotel. Degrau a degrau, mais de 70 a contar do piso térreo, faz-se a viagem até ao topo da torre. Novo brinde: uma panorâmica verdadeiramente cinematográfica — que até pedidos de casamento já inspirou.
Visto dali de cima, o hotel desenha-se como um puzzle de peças distintas entrelaçadas ao longo do terreno. Uma junção improvável do histórico e do contemporâneo concebida pelos arquitectos Paulo Braga e Cristina Amaral, a trabalhar lado a lado com a designer de interiores Nini Andrade e Silva. Começamos a entender o espírito: estamos numa casa de cadeados postos à entrada de qualquer stress.
Vamos por partes. Ao lado da torre, o solar recebeu a sala de pequenos-almoços, uma sala de estar e o restaurante. O salão multiusos — perfeito para casamentos e com espaço para eventos com 300 pessoas — está já ali. E a capela histórica recuperada não passa despercebida. Nos novos edifícios, nasceram o spa, com piscina interior, um wine bar, e os restantes quartos (alguns, no piso térreo, com passagem directa da varanda para a piscina). No exterior, simpáticas esplanadas, uma mata imensa, uma vinha geometricamente cortada.
A enumeração ao estilo memória descritiva explica pouco. Ou, pelo menos, peca por défice sensorial.
Pé dentro do quarto, sentimento imediato de conforto e requinte. A cama king size apetece e, de lá, vê-se o relvado que circunda a piscina exterior, certamente irresistível quando outra estação der um ar da sua graça. Há um tapete gigante a convidar ao descanso dos sapatos, sofás, uma banheira a pedir banhos pouco amigos do ambiente. De repente, com o frio minhoto de Dezembro, sair dali só é possível pela amostra que tínhamos tido antes de entrar no quarto — e a promessa de um chá das cinco servido com bolos, cortesia da casa no wine bar.
Limão, laranja, canela e alecrim. A infusão aquece enquanto o sol se põe e prepara-nos para a visita ao spa, aberto também a quem não está hospedado, de cuja nomeação para o Luxury Hotels Spas of the World tínhamos sido atempadamente avisados por uma nota deixada no quarto. Tempo de esquecer (ainda mais) o mundo lá fora: não testámos as massagens, mas o banho turco, o sauna e a piscina a temperatura amena chegaram para o efeito desejado.
Só a noite posta nos devolve a noção do tempo (sabíamos desde o início que as 24 horas saberiam a pouco) e nos faz regressar à agenda: o restaurante Gomariz, aberto ao público em geral, espera por nós. À entrada, a expectativa está já a níveis de quem sabe que no Minho nunca se come mal. Junta-se um piano de cauda a fazer-se ouvir a partir da sala ao lado, uma lareira para conforto extra e um cocktail kir royal adaptado, com licor cassis e vinho da casa. Só para começar. E já se está no paraíso. Isabel Freitas, chef bracarense com vários anos de experiência, juntou à cozinha tradicional da zona uma pitada de modernidade e o resultado foi uma fusão onde a geografia minhota não é esquecida. Elegemos um aveludado de ervilhas com ovo escalfado e crocante de presunto e uma salada de queijo de cabra panado com laranja mel e nozes para entrada. Seguiu-se um salmão tostado com gnochis, bacon, espargos e zabaione trufado e ainda um tamboril grelhado com o seu arroz caldoso e gambas. A finalizar, já só houve espaço para uma sobremesa (e um sorriso de contentamento): tartelete de limão curd merengada.
Estamos, definitivamente, no Minho.
Hotel difícil de definir
Pedro Castilho assumiu a direcção do Torre de Gomariz em Maio de 2016, quase um ano depois da abertura oficial do espaço. No currículo trazia sobretudo passagens por hotéis de negócios, e um período feliz de trabalho em Angola. Este é “um desafio completamente diferente”, conta o vianense: “É uma unidade familiar, um hotel de charme, um boutique hotel, um design hotel, um wine hotel”, vai enumerando como quem explica a dimensão do projecto. Difícil de definir. José Manuel Silva Couto sorri. É efectivamente complexo colar uma só etiqueta à Torre de Gomariz: “É um hotel histórico e com design”, começa, para logo a seguir acrescentar: “O que sinto mais é o conforto e o aconchego, um cinco estrelas em ambiente rural.”
As primeiras referências à Quinta de Gomariz datam de 1296. A torre foi construída no final do século XV, o solar e a capela — transformada num belíssimo exemplo de espaço divino sem o divino lá dentro — no início do século XVIII, altura em que ali terá residido o Cónego da Sé de Braga e contador do rei D. Dinis, Estevão Durão Esteves.
Na viragem do século XIX para XX, as mudanças económicas agitavam a ordem no país. O avô paterno dos agora donos era homem endinheirado a quem toda a zona norte da freguesia pertencia e que chegou até a ter negociada a Quinta de Azevedo — cuja compra só não se concretizou pela polémica falência do Banco do Minho nesse início de século, após a crise de 1929.
A Quinta de Gomariz não era residência do dia-a-dia para os Silva Couto. Quando o pai de José Manuel e José Carlos herdou o espaço também não se instalou lá. Advogado, político, homem de vida agitada, Aristides Couto mandou construir uma casa a uns estratégicos quatro quilómetros, em frente à escola primária onde a esposa dava aulas. Na quinta, onde chegaram a trabalhar mais de 40 pessoas, produzia-se vinho e milho (fruta também, mas apenas para consumo). A família passava ali férias e fins-de-semana felizes.
Assim foi até há 30 anos, quando a quinta começou a ficar progressivamente esquecida. Depois da morte de Aristides Couto, há cerca de 20, “a degradação foi vertiginosa”, conta o filho. “Via aquilo a acontecer e já não aguentava mais. Foi aí que pensei: ou recupero isto ou nunca mais volto.”
Recuperou.
E agora não quer parar. Já este ano, há novas valências para acrescentar ao hotel. Primeira e mais importante: construir uma adega própria e passar a produzir os verdes Loureiro e Escolha — marcas essenciais e particularmente acarinhadas pelos donos — na própria quinta. Há mais: está pensado um espaço de equitação, talvez com aulas, cestas de piqueniques para casais e famílias desfrutarem da mata. E outras ideias ainda a marinar e na pasta “segredo do negócio”. O caminho, dizem, é num sentido único: o de tornar a visita ao Torre de Gomariz cada vez mais numa “experiência”. Inesquecível.
Guia prático
Como ir
Pouco mais de uma hora separa o Porto de Cervães, a pequena freguesia do concelho de Vila Verde. Não há que enganar: apanhe a A3 até Braga e, ao chegar à cidade, está já a apenas dez minutos do hotel. Entre na N103 e logo de seguida na N205. Na verdade, basta estar atento às placas com a indicação Torre de Gomariz. Estão bem visíveis. Quem sai de Coimbra — como o administrador do hotel — tem uma viagem de duas horas pela frente, pela A1 até ao Porto e depois seguindo as mesmas indicações. De Lisboa, a lógica mantém-se e as previsões apontam para 3h47m de viagem.
Onde comer
Papas de sarrabulho, rojões à moda do Minho, arroz de cabidela, cozido. No Minho nunca se come mal — e convém ir de estômago vazio. Em Braga, pare no Velhos Tempos (garantimos que não se vai arrepender!). No Expositor há também garantia de bom serviço. Estando no hotel, não deixe de experimentar o restaurante Gomariz. Os preços estão ao nível de um cinco estrelas, mas todo o jantar é uma experiência. Há menus de degustação a partir dos 65€ por pessoa e, para um momento especial a dois, existe a possibilidade de ser servido na torre medieval, por 125€. As crianças têm um menu especial por 16€. Só para abrir o apetite: pode escolher entre bochechas de porco ibérico estufadas em redução de vinho tinto, puré de castanha, cenoura baby, chalotas e crocante de maça~ (21€), robalo aromatizado com manteiga de especiarias servido com puré de couve-flor, legumes e gambas (22 €) ou, para adoçar, uma pannacotta de café com crumble e confitado de laranja (9€). Nos vinhos, escolha os da casa Torre de Gomariz Loureiro ou Escolha.
A Fugas esteve alojada a convite do Torre de Gomariz Wine & Spa Hotel
- Nome
- Torre de Gomariz
- Local
- Vila Verde, Cervães, Av. Sobral-Castelo, 76
- Telefone
- 253 929 160
- Website
- www.torredegomariz.com/torre-de-gomariz-vila-verde