Há uma estrada com curva e contracurva para lá chegar mas não custa nada. Ainda na viagem percebemos que o lugar compensa o incómodo de um caminho torto. A pouco mais de duas horas do Porto, está o nosso destino: Colmeal Countryside Hotel. Onde um dia existiu uma aldeia escondida num vale da serra da Marrofa, perto de Figueira de Castelo Rodrigo, existe hoje um conjunto de ruínas e um hotel de quatro estrelas. O resto é história. E muito silêncio.
Pouco a pouco, a desabitada aldeia do Colmeal ganha uma nova vida. Para já, encontramos ali um hotel e uma casa independente, edifícios modernos construídos em cima de ruínas, depois de aproveitados todos os pedaços possíveis de pedra. À volta das novas paredes há alguns restos de habitações de xisto e granito com tapetes de relva a céu aberto e as sobras de uma igreja, começada no século XII e que foi acabada aos soluços nos tempos que se seguiram.
Mas há mais. Há caminhos, árvores, bichos no chão e no céu e até há, a cerca de 300 metros do hotel, um cantinho onde ainda se podem ver uns vestígios do que se acredita serem pinturas rupestres do período neolítico. A quinta tem cerca de 650 hectares de silêncio para ouvir. Hoje, além dos hóspedes do hotel, que vêm e vão, há umas quatro pessoas a viver ali o ano todo: dois caseiros, o director do hotel e o cozinheiro.
Não foi sempre assim. Já ali viveu muita gente. “Algumas dezenas de pessoas”, admite João Leitão, um dos três irmãos que no Verão de 2011 começaram a fazer da herança do avô um negócio. O proprietário sorri com as histórias que se contam sobre o Colmeal. Talvez nem tudo seja verdade nestas histórias que, com o tempo, ganham sempre o tempero q.b. do exagero.
Por isso ou outro motivo qualquer, João Leitão não faz muitos comentários aos relatos sobre uma violenta acção de despejo dos habitantes daquela aldeia pela GNR que terá ocorrido nos anos 1950 e que, dizem, envolveu tiros, casas queimadas e até mortos. No livro sobre o projecto Colmeal Countryside Hotel refere-se apenas que “no final dos anos 50 do século passado, um processo judicial acabaria por decretar a saída da população que ainda residia no Colmeal”.
João Leitão volta a sorrir quando se fala sobre as raízes de Pedro Álvares Cabral no Colmeal. Não parece importar se ali nasceu a mãe da figura da história de Portugal, Isabel de Gouveia. O mais interessante são os sinais da história que ainda resistem no lugar. No topo de uma das portas do hotel está o vestígio bem conservado do século XVI: o desenho de “dois chibos” avermelhados. Eis o brasão dos Cabrais que parece confirmar que aquela terra foi herdada por Pedro Álvares Cabral.
Verdade, sem exagero, é que a aldeia ficou deserta durante várias décadas. Uma aldeia fantasma, dizem alguns. Era assim que estava em 2011 quando os três irmãos herdeiros tiveram de decidir o que fazer com o terreno povoado de ruínas. Vender? Deixar estar? Ou arregaçar as mangas, agarrar naquelas terras e fazer algo novo? Está mais que visto qual foi a decisão. A mais acertada, arriscamos dizer.
700 hectares para ouvir
Na parte construída pelos homens, neste caso no edifício projectado por Pedro Brígida e Alice Faria, existe um hotel com 13 quartos. Lá dentro, há um pequeno spa com sauna e espaço de massagens, ao lado de uma rocha que ali estava antes e não saiu do lugar. Há cantos que pedem para parar e só ficar. Janelas por onde se espreita para constatar que “estamos no meio do nada” e isso pode ser muito, como nota João Leitão. As lareiras acesas e o espaço despido de bibelôs, peças de arte ou outros adereços, tornam a casa acolhedora. Nos quartos, onde apenas foi colocado o essencial, a cama está coberta com uma manta da Burel Factory que é feita com o material denso das capas que cobrem os pastores.
Cá fora, há uma piscina, um parque infantil e um campo de futebol onde os mais pequenos prometem quebrar o prometido silêncio. E, literalmente, mais nada. “Bem-vindo à terra do silêncio”, dizem os proprietários da quinta com mais de 650 hectares.
Sem nos afastarmos muito do hotel, há percursos e trilhos marcados em volta onde nos podemos aventurar com a expectativa de tropeçar num animal, uma ruína ou outro pedaço de história. Podemos fazê-lo de forma organizada, com as orientações e apoio do pessoal do hotel, ou simplesmente ir.
Mas o Colmeal Countryside Hotel quer oferecer mais do que a modernidade e o conforto no meio do nada. E já se sabe que uma das melhoras maneiras de agradar um convidado é à mesa. A cozinha deste hotel tem a assinatura e consultoria do chef Vítor Claro onde os seus aprendizes experimentam combinar os ingredientes da região com a sazonalidade e um toque contemporâneo. Por exemplo? Uma sopa de abóbora com beterraba, costeletas de borrego com castanhas, salmão fumado (fumado na cozinha do hotel) e gelado regado com mel. Os proprietários do hotel ainda guardam alguns frascos de mel antigo — João Leitão chama-lhe mel “vintage” — produzido há anos no Colmeal e prometem que, em breve, além de novos edifícios e pessoas, as terras voltarão a ser povoadas também por abelhas e, claro, o Colmeal terá um novo mel. Vítor Claro criou também uma linha de produtos de marca própria do hotel, como o vinho Silêncio, o mel Essência e o azeite Harmonia.
No pequeno-almoço, também há espaço para o mel. Ao natural ou a regar gomos de laranja também temperada com azeite. Ali mesmo ao lado de pães e bolos ainda mornos, requeijão, compotas com “sabores da Geninha”, sementes, sumos e outros mimos que tornam mais fácil o acordar.
Numa conversa ao pé de uma lareira da casa, o casal João Leitão e Catarina Byscaia, ele formado em economia e ela profissional na área da publicidade, conta que quis juntar muita coisa num só lugar para chamar gente para esta aldeia desabitada. “As pessoas querem consumir experiências. Aqui encontram muita coisa que é diferenciadora. Tudo num conceito slow tourism.” Neste hotel, explica João Leitão, oferece-se uma quebra, um tempo para respirar fundo, “no meio de um vale, rodeado por uma natureza que parece que nos esmaga”. A recuperação do Colmeal, já o dissemos, vai continuar com o compromisso de que o que lá está, o que resta do passado, vai permanecer.
Mas o que lá está agora já é muito. Há o isco da arquitectura num edifício que parece simples mas que se descobre a cada passo e em cada janela, a gastronomia com assinatura, a história com lendas e exageros, o património, a natureza, o conforto e até um pouco de aventura na descoberta do lugar. Além do espaço construído e das ruínas, além do que fez e desfez o homem por ali, há 700 hectares para ouvir.
Como chegar
A partir do Porto (240 km): sair da A1 para A25 direcção Viseu, Guarda e Vilar Formoso. Sair da A25 para N324, direcção Almeida. Virar à esquerda para N340, direcção Almeida. Passar Almeida e seguir na N340 para Figueira de Castelo Rodrigo. Na rotunda (depois de Vilar Torpim) siga pela quarta saída para N221, direcção Pinhel. Cinco quilómetros depois vire à direita junto à placa de Colmeal. Mais dois quilómetros e está no hotel.
A partir de Lisboa (365 km): sair da A1 para A23, direcção Torres Novas para a Guarda. Sair da A23 para A25, direcção Vilar Formoso. Sair da A25, para N324, direcção Almeida (o resto do percurso é o de cima).
O que fazer
No hotel, há os trilhos para fazer a pé, de bicicleta ou jipe (a combinar com o hotel), a piscina, o campo de futebol, o spa, os puffs gigantes ao pé da lareira com estantes de livros ou um ecrã de televisão em frente. Há também workshops de culinária e provas de vinho que devem ser previamente agendadas com o hotel. E, claro, uma imensa e irresistível oportunidade de não fazer nada.
A 30 minutos
Aldeia histórica de Castelo Rodrigo
Alto da Marofa
Convento de Santa Maria ?de Aguiar
Igreja de Escalhão (no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo)
Barca d’Alva (rio Douro)
Passeio de barco no Douro
Barragem de Santa Maria ?de Aguiar
Reserva Natural Faia Brava
Termas da Fonte Santa
A 60 minutos
Aldeia Histórica de Marialva
Aldeia Histórica de Castelo Mendo
Museu e gravuras de Foz Côa
Aldeia histórica de Castelo Bom
Centro histórico de Moncorvo
Arribas do Douro Internacional
Serra da Estrela
A não perder
Na viagem de ida ou volta (ou mesmo durante a estadia no hotel) vale a pena um desvio até Valhelhas, uma freguesia que pertence ao concelho da Guarda mas que fica, longe da cidade, para os lados de Belmonte. Sem desmerecer outros atractivos do local, a visita justifica-se para conhecer o restaurante Vallecula. Um espaço pequeno, que exige que se faça uma reserva com antecedência, onde será recebido pelo simpático casal de proprietários Luís (na sala) e Fernanda (na cozinha). Sente-se e, com tempo, delicie-se com o pão, as compotas “ancestrais” e requeijão e outras entradas. Depois com o galo estufado à moda antiga ou outras coisas quaisquer da ementa. Por fim, podem sugerir-lhe “o melhor arroz doce que já provou”. Aproveite. No final da refeição, leve umas das compotas alinhadas no balcão.
A Fugas esteve alojada a convite do Colmeal Countryside Hotel
- Nome
- Colmeal Countryside Hotel
- Local
- Figueira de Castelo Rodrigo, Colmeal, Quinta do Colmeal
- Telefone
- 271 312 352
- Website
- www.colmealhotel.com