Santa Maria da Feira tem que agradecer ao Hostel da Praça. É essa a primeira impressão que fica quando chegamos à Praça da República, também conhecida como Praça Velha, e nos deparamos com um arranjo urbanístico que eliminou uma série de degraus sem objectivo claro e permite agora mobilidade para todos, entre faixas de relva com flores vibrantes. Mérito segundo: a fachada do edifício centenário por onde já passaram militares, redacções de jornais e outras referências da terra mostra-se agora a hóspedes e passeantes de cara lavada e actualizada, após uma requalificação que foi orientada pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR) e que deu lugar não apenas a uma frontaria clean e digna, mas também a uma pequena esplanada e a uma paragem de bicicletas eléctricas. Last but not least: o hostel não tem nada de medieval! Beneficia de uma localização privilegiada na zona pedonal da cidade, está no epicentro do seu incontornável evento de recriação histórica sobre a Idade Média e servirá de fundo ao festival de teatro de rua Imaginarius, mas respira ares de cosmopolitismo actual porque nas suas seis suítes e sete camaratas prefere evocar metrópoles como Tóquio, Nova Iorque ou Melbourne.
Passando-se depois ao interior do edifício, a sua entrada exígua não faz adivinhar o que esconde: primeiro, um mapa da cidade em larga escala, para facilitar a orientação a turistas estreantes; logo a seguir, a esplanada interior do hostel, contornada à esquerda pelas suítes com paredes de vidro, em frente por um prédio de habitação neutro e à direita pela Igreja dos Loios e o Castelo da Feira; e, finalmente, o bar interior, que acolhe os pequenos-almoços entre cadeiras de tom verde, cinza e ameixa, mesmo ao lado da mesa de bilhar e dos dardos eléctricos.
Começa nesse local a estratégia sustentável do Hostel da Praça, que não se limita a utilizar painéis solares para aquecer águas do edifício: numa parceria destinada à partilha de recursos e de lucros, os pequenos-almoços e snacks da casa são servidos pela cafetaria Praça Viva, que funciona logo na porta ao lado. O bar do hostel pode assim concentrar-se nas bebidas e, também para rentabilizar a gestão, disponibiliza-as tanto a hóspedes como ao público em geral, que aí descobrirá café a 60 cêntimos, água e cerveja a 1 euro, caipirinhas a 3,50 ou gins de 4 a 7,50. Barato? Rui Cavaco, um dos proprietários da nova unidade, tem uma avaliação própria: “Há por aí bares que abusam um bocado e o mesmo se passa nos hotéis, que não têm qualidade e cobram mais do que unidades de referência na capital, mas a Feira não tem que ser mais cara do que Lisboa.”
Esse espírito de economia e abertura aplica-se também às suítes duplas e camaratas, dispostas por dois pisos do edifício. Entre as primeiras, a maioria inclui kitchenette equipada com louças e electrodomésticos nacionais, a pensar na economia familiar, e tem vista para o exterior a toda a largura do quarto, defrontando a encosta do castelo e o terraço com jardim vertical; depois há ainda a opção executiva, que acrescenta à luz natural uma varanda e está apta a acolher hóspedes em cadeira de rodas. Todas as suítes têm smart TV, frigorífico, cofre, um secador a sério, candeeiros de leitura reguláveis e camas extras em insuspeitos móveis de madeira, que, mediante acesso controlado pelo staff, se abrem para revelar leitos já prontos, com os respectivos candeeiros e tomadas eléctricas de entrada normal e por USB. A estadia é serena e bem insonorizada, mesmo quando o bar está ao rubro, e, a haver perturbações, o mais provável é que sejam motivadas pelos sinos da Igreja dos Loios quando essa se põe a chamar os fiéis para a missa.
"Hostel de luxo"
Nas camaratas, contudo, é que melhor se percebe por que Rui Cavaco queria um “hostel de luxo, para quem gosta de passar alguns dias fora de casa, mas, lá por apreciar espaços partilhados, não tem que prescindir de um serviço de qualidade”. Como o IGESPAR obrigou a preservarem-se as madeiras do edifício, os proprietários optaram por deixá-las expostas e é por isso que, à entrada nas camaratas, se impõe olhar para cima: o pé direito é de seis metros, as vigas do tecto conferem ao espaço um apelativo toque rústico e o contraste contemporâneo faz-se não apenas com uma grande fotografia da praça que dá tema a cada quarto, mas também com roupas de cama com detalhes têxteis a combinar. A camarata de Sevilha é a maior, por ter varanda, mas todas as outras impressionam igualmente pelo encaixe bem arrumado das suas camas em box, a fazerem apetecer aconchego de tão bem dispostas que estão, resguardadas pela madeira e pelos respectivos armários de bagagem. Os degraus para subida às camas superiores não são os mais simpáticos para os joelhos, ok, mas o casulo lá em cima compensa eventuais pisaduras, esteja quem estiver nos colchões em volta, amigo ou desconhecido.
Para banhos e coisas que tais, as camaratas dispõem depois de dois balneários de serventia comum que, além de cabinas de duche com porta e banco interior para muda de roupa, incluem secador e até modeladores de cabelo, mediante caução. O mesmo se aplica ao kit a levantar à chegada com toalhas e roupa de cama, que no hostel não há mordomias de aias e camareiras. Mimos de exclusividade só no piso -1, que acolhe um salão de eventos com capacidade para 140 pessoas e tem uma entrada independente, para evitar que convidados formais de casamentos ou conferências se tenham que cruzar com hóspedes em calções e chinelos de dedo.
É a cozinha, ainda assim, que verdadeiramente materializa o espírito comunitário de que está imbuído o Hostel da Praça. Que esse espaço esteja equipado com todos os electrodomésticos, com panelas e talheres ajustados a qualquer prato, com louças de tons neutros, mesas com vista para a esplanada, cadeiras apelativas e confortáveis, e até um grelhador a pellets… Tem graça, mas não surpreende. O que admira é que essa cozinha também esteja disponível — e de forma gratuita — para aqueles que, não sendo hóspedes da casa, lá queiram confecionar uma refeição e saboreá-la com amigos. Essa generosidade tem sentido prático, claro: implica reserva prévia, só permite o consumo de bebidas do hostel e obriga a lavarem-se os pratos no final, porque, lá está!, nenhuma copeira aparecerá por artes mágicas a para levantar a mesa.
A nova casa da Praça Velha prova assim que tem muitas portas abertas à rua e está realmente disposta a acolher todos os que vierem por bem, num gesto que reflecte tanto de lucidez comercial quanto de genuína hospitalidade. E isso logo ali onde já pouco se podia pedir mais, de tão perto que se está de castelos e conventos, bares, restaurantes e cervejarias, cafés com bolinhos da PIDE e fogaças anti-peste, esculturas de Vhils e até matas enfeitiçadas por princesas mouriscas.
Guia prático
Onde comer
Restaurante Praceta
Rua das Fogaceiras, 15
Tel..: 256 305 245
Pratos tradicionais e mediterrânicos, como carne em massa folhada com cogumelos e presunto seco, camarão tigre grelhado em molho de manteiga sobre pão da avó e, de sobremesa, três texturas de chocolate coroadas por maracujá e Petazetas.
Lusitano Taberna e Bar
Rua Dr. Elísio Castro, 17 e 19
Tel.: 918 752 054
Serve petiscos como pimentos padrón, bucho, orelheira, sandes de presunto e ovo, chouriço a arder, rojões com castanhas, costeletinhas de anho ou bacalhau com broa e grelos. Bebidas noite fora.
O que fazer
A pé, visitar o Museu Convento dos Loios e o Castelo da Feira. www.castelodafeira.com
De bicicleta, o Europarque e o centro de ciência Visionarium, contíguos, entre floresta e lagos. www.europarque.pt www.visionarium.com
A Fugas esteve alojada a convite do Hostel da Praça
- Nome
- Hostel da Praça
- Local
- Santa Maria da Feira, Feira, Praça da República, 6
- Telefone
- 256 338 186
- Website
- https://www.facebook.com/hosteldapraca/