De vez em quando, acontece isto. Sabemos que a maior parte dos progressos tecnológicos na indústria automóvel tem tendência para se "democratizar" no curto/médio prazo. E também já se percebeu que a pressão do mercado obriga os construtores a acelerar esse processo. Mas, ainda assim, no meio desta vaga geral, há, ocasionalmente, uma onda que destoa das outras. A nova geração do Nissan Micra faz isso mesmo: com níveis de equipamento invulgares até em modelos de nível superior, marca a diferença para a concorrência. E sem que isso "carregue" o preço.
A viatura de teste correspondia ao nível máximo de equipamento e, mesmo assim, fica abaixo dos 16.000 euros. Mas logo no início da gama o Micra oferece seis airbags, computador de bordo e programa electrónico de estabilidade. A lista vai engrossando e, ao chegarmos à configuração Tekna Premium (a testada), aparecem itens como os sensores de luminosidade, chuva e estacionamento (atrás - o que, num carro do tamanho do Micra, até parece excesso de zelo...), tecto solar, arranque sem chave, ecrã táctil e sistema de navegação, alerta de limite de velocidade e sistema de medição do espaço de estacionamento.
Tudo isto numa "caixinha" com lotação oficial para cinco pessoas, mas que, claro, funciona bem apenas com quatro. O espaço interior é bastante razoável se se mantiver esse número, com a limitação de, agora, já não ser possível deslizar longitudinalmente os bancos traseiros, como acontecia na geração anterior. É claro que não são de esperar milagres em termos de materiais: seja à vista, seja ao tacto, não há aqui nada que nos entusiasme.
Mas a sensação global é de solidez. E essa confiança, aliada à boa visibilidade e à extrema manobrabilidade do carro, faz do Micra um valor seguro e augura boas experiências no tráfego urbano. Já fora da cidade, temos de enfrentar algum ruído, dificuldades nas recuperações e uma suspensão "esquisita", cuja melhor definição talvez seja o termo "saltitante".
É nos argumentos mecânicos que somos obrigados a voltar à Terra. O motor, económico, esforça-se e até acelera de forma alegre, mas, com o carro cheio - e também porque a caixa está escalonada com uma quarta e uma quinta velocidades mais longas do que as restantes -, exibe limitações previsíveis nas recuperações. A caixa, de resto, não é um portento de suavidade (mas, lá está, isso também não é nada de estranhar num carro deste preço).
Com travões competentes e uma direcção bastante bem equilibrada, o comportamento ressente-se apenas da forma estranha como a suspensão se comporta, especialmente em mau piso. Não é que se perca o contacto com a estrada, nada disso. Mas, em algumas situações, é como se estivéssemos a caminhar sobre berlindes - até podemos não cair, mas nunca nos sentimos completamente confortáveis. Diga-se, de caminho, que esse é o único factor sério a manchar a nota final de bom desempenho em termos de conforto. Os outros são o ruído desagradável produzido pela chapa do tejadilho quando chove com força e as dificuldades para encontrar uma boa posição de condução.
Na verdade, e tal como acontece noutras áreas do carro, o adjectivo que melhor define a mecânica do novo Micra é: honestidade. Todo o carro é honesto. Os interiores podem não ter materiais muito bons, mas estão bem acabados e até se notam, aqui e ali, alguns toques de "design" que demonstram cuidado e respeito pelos ocupantes. O comportamento não entusiasma, mas também não há sustos nem reacções intempestivas. O espaço interior é limitado, mas não há claustrofobia.
Com essa base sólida assegurada, a Nissan atira-se então para os seus pontos fortes: uma lista de equipamento muitíssimo completa e um preço que não reflecte essa excelência. Os seus rivais mais directos serão, também eles, asiáticos: o Toyota Yaris e o Mazda 2. Ambos, com motorizações aproximadas e no nível mais generoso de equipamento, passam marginalmente a barreira dos 16.000 euros.
Nenhum apaixonado dos automóveis pensará num Micra como um objecto de desejo, é certo. Falta-lhe personalidade, até talvez um certo "picante" para acelerar os corações. Mas, tal como muitos de nós já descobriram, a maior parte das pessoas que andam por aí trocava de bom grado as emoções fortes de uma paixão assolapada pela tranquilidade redentora de uma relação a longo prazo. Principalmente nestes tempos de crise.