Fugas - viagens

Vijay Mathur/Reuters

Índia: Esta terra tem tudo para toda a gente

Por Patricia Carvalho

Da Índia já se disse muitas vezes que não é para toda a gente. Não é verdade. Patrícia Carvalho foi visitar o segundo país mais populoso do mundo, e confirmou que é também um dos mais fascinantes. O que é preciso é aceder-lhe sob uma perspectiva liberta do nosso olhar etnocêntrico. É que a Índia tem mesmo cores para toda a gente

Acabamos de sair do fabuloso Palácio da Cidade, em Udaipur, e descemos os pouco mais de 150 metros que nos separam do templo hindu Jagdish, quando o bicho quase se atravessa na nossa frente. É alto e pesado, ligeiramente bamboleante, está decorado com pinturas que começam a desfazer-se e leva um homem no dorso. O elefante passa e ninguém, excepto os turistas, lhe presta atenção. Como se fosse leve e pequenino circula entre motas e bicicletas, contorna o homem de turbante e as duas mulheres de saris coloridos e quase se cruza com algumas vacas que já se aproximam, mais ao longe, antes de desaparecer na esquina seguinte. É mais um dia normal na Índia.

Da Índia já se disse muitas vezes que não é para toda a gente. Até podíamos concordar, sem grande dificuldade, mas preferimos olhá-la sob outra perspectiva: a Índia tem de tudo para toda a gente. É certo que não vale a pena mascará-la como um país de conto de fadas, recheado apenas de palácios e belas mulheres de saris de seda colorida. Esses, garantimos, estão lá. Mas, quando lá for, a menos que feche os olhos com muita força entre cada uma das atracções turísticas (e não o recomendamos, porque se arrisca a perder uma grande parte daquilo que o país tem de mais genuíno), vai ver muita pobreza e muito lixo espalhado pelas ruas. Não se admire se vir riachos de esgotos e porcos confortavelmente deitados no meio deles. 

A Índia é o segundo país mais populoso do mundo (mais de 1.100 milhões de habitantes) e, apesar de se estar a transformar rapidamente numa potência económica, ainda tem níveis de pobreza assustadores. Junte-se à pobreza o trânsito caótico e o hábito, comum a outros países asiáticos, de trazer para a rua muitas das actividades que por cá se fazem, quase sempre, dentro de portas (costurar, fazer a barba, tomar banho, defecar, passar a ferro, cozinhar...), e temos a receita para que muitos turistas fujam dali a sete pés. Acredite: não sabe o que perde.

Capital verde

Chegamos à capital indiana, Nova Deli, de manhã. Está muito calor e somos recebidos, quase de imediato, pelo toque das buzinas de praticamente todos os veículos motorizados que passam. No caminho para o hotel ficamos surpreendidos com a quantidade de áreas verdes que parecem ladear quase sempre a estrada. Já no quarto, só para pousar as malas e tomar um banho, a vista é quase toda de uma enorme mancha verde, de onde espreitam os topos e torres de alguns edifícios. Mais tarde, hão-de dizer-nos que Nova Deli é a capital mais verde do mundo. E isto é uma surpresa. 

Mas, verdade seja dita, não se vai a Nova Deli para olhar as árvores frondosas que ladeiam as avenidas largas. Vai-se a Nova Deli para ver a velha Deli, e assim que nos encontramos na parte antiga da cidade, o país parece cair-nos em cima. Há bancas e bancas de venda na rua. Livros, sapatos, roupa, artigos de casa, alimentos. Tudo o que se possa imaginar está ali. E as centenas de indianos que espreitam as ofertas comprovam-no. Sentamo-nos num riquexó puxado por um velho pequeno e seco e embrenhamo-nos nas ruas. É domingo, por isso muitas das lojas desta área estão fechadas. Deli é tão grande que os dias de descanso do comércio diferem, ao longo da semana, conforme a zona, explicam-nos. 

Aqui está quase tudo fechado, mas há muita gente na rua. Um homem tenta perceber o que se passa com a máquina de costura. Duas mulheres pegam em pesados ferros a carvão para passar a próxima peça de roupa. Há quem durma na sombra do umbral da porta, de um passeio ou numa carroça de madeira. Por cima das nossas cabeças, uma teia gigantesca e emaranhada de fios eléctricos parece ameaçar despenhar-se na rua a qualquer momento. As vielas escurecidas pela sombra são, aos poucos, substituídas por espaços mais largos, queimados pelo sol, e encontramo-nos em frente da Mesquita Jama Masjid, a maior do país, com capacidade para albergar 25 mil pessoas.

Para entrar é preciso tirar os sapatos e, apesar de o guia nos oferecer uma protecção de pano para os pés, a verdade é que a pedra queima e quase corremos para a sombra, depois de nos enfiarem uma espécie de bata comprida e sem formas. Lá dentro ouvimos as explicações sobre a construção da mesquita (entre 1644 e 1658), com as suas torres e minaretes.

Vemos os velhos que levam ao rosto a água purificadora da fonte no meio do pátio. E espreitamos, ali próximo, o Forte Vermelho que, infelizmente, não teremos tempo de visitar. Contudo, acaba por ser mais divertido observar como os indianos nos observam. Juntam-se em grupos perto de nós, escutam, como se percebessem a algaraviada em espanhol que o guia vai debitando, e tiram-nos fotografias de todos os ângulos possíveis. Mais tarde, vai tornar-se comum um pai indiano pedir que nos deixemos fotografar com a sua família, ou apenas com a filha pequena. Se nós não resistimos a fotografar os imensos olhos negros indianos, porque não hão-de eles fotografar as nossas peles claras?

Uma chama para Gandhi

Refugiados na carrinha com ar condicionado seguimos em direcção ao vasto e bem tratado jardim onde se encontra o Raj Ghat. Não se vêem estrangeiros, só indianos que vieram passar uns minutos junto ao local onde Mahatma Gandhi foi cremado, após o seu assassinato, em 1948. A plataforma lisa está acompanhada de uma chama eterna e tem incrustadas aquelas que terão sido as últimas palavras do advogado que levou a Índia até à independência - "Hai, Ram" ("Oh, Deus").

Se estivesse mais fresco e tivéssemos mais tempo, gostaríamos de imitar os indianos e estirarmo-nos na relva, à sombra de uma árvore. Como não pode ser, espreitamos pela janela da carrinha enquanto cruzamos mais ruas cheias de gente deitada, acocorada, a caminhar, vestida com fatos ocidentais ou com largas túnicas indianas; vemos mulheres de saris e cabeça coberta a empunhar pesadas picaretas com que quebram o solo por onde há-de passar a nova linha de metro que está a ser feita para receber os Jogos da Commonwealth, em Outubro (até lá a cidade vai sofrer diversas obras); e chegamos à enigmática torre vermelha de Qutub.

A torre, com quase 73 metros de altura, é, por si só, capaz de deixar muita gente de cabeça atirada para trás e olhos a tentar abarcar as inscrições árabes e a alternância de materiais (arenito e mármore) até ao topo. Mas o complexo em que está inserida, com as ruínas da primeira mesquita de Deli, uma antiga madrassa, e um misterioso pilar de ferro, com inscrições em sânscrito, e que, em 2000 anos nunca enferrujou, deixando os cientistas boquiabertos, merece uma visita demorada.

O conjunto está classificado pela Unesco como Património da Humanidade e a torre é uma das mais famosas do mundo, marcando a chegada dos muçulmanos à Índia. Começou a ser construída em 1193 e, embora haja quem se refira a ela como um minarete, é pouco provável que alguma vez tenha servido para chamar os muçulmanos para a oração. 

Enquanto a noite vai caindo, percorremos a zona nova da cidade, construída pelos ingleses. Passamos junto ao Palácio Presidencial e ao Parlamento, sem vestígios de trânsito e gente. Damos um salto a um templo sikh, de cúpulas douradas, onde uma mãe oferece, convicta, à boca do bebé que leva nos braços, a água que milhares de pessoas acabaram de calcar, no acesso ao templo, em sinal de purificação. E experimentamos a Índia abastada e moderna no conforto de um hotel de cinco estrelas.

O país das maravilhas

De Udaipur já se disse que é a "Veneza do Oriente". Ou a cidade mais romântica da Índia. Avisamos já que gostamos muito de Udaipur, mesmo que o lago Pichola estivesse quase seco. E não foi só pelo elefante que vimos cruzar a rua como se nada fosse. Depois da imensidão de Nova Deli, a cidade que nos abriu as portas do Rajastão trouxe consigo o sopro quente do deserto, o prenúncio longínquo de tempestades de areia, um palácio de sonho, lojas que nos deixaram com água na boca só de as ver da entrada, e um mercado onde é pecado não ir.

Se guardamos alguma imagem romanceada da Índia ela terá, de certeza, origens no Rajastão: terra dos marajás, de riquezas imensuráveis, de banquetes sumptuosos, de guerreiros de longos bigodes e turbantes coloridos, empunhando sabres, de mulheres de rostos cobertos por finos véus transparentes, de tigres e elefantes. É uma terra de uma gentileza e um bem receber únicos em todo o país, como nós próprios pudemos sentir. 

No caminho para o hotel, percorremos quilómetros de estrada com o habitual trânsito caótico: motas, com três ou quatro pessoas, vacas e camelos, carros e camiões, muitos camiões, velhos e coloridos, com a tradicional (e obrigatória) inscrição traseira "Please horn". O mesmo é dizer, "por favor, buzine", e aqui é preciso fazer parênteses sobre a arte de buzinar na Índia.

Vai reparar que, onde há trânsito, há buzinas a apitar. Não é nervoso miudinho, não é stress ou irritação, ainda que o trânsito em filas disformes e, porque não?, em contramão, pudesse levar-nos a pensar nisso. Os indianos conduzem com a mão na buzina, como nós conduzimos com os pés nos pedais. É uma forma de dizer "aqui vou eu", ou "é melhor chegares-te um bocadinho para o lado", mas tudo em tom simpático, nada de insultos e gestos obscenos. Às vezes resulta, às vezes, não e, quando isto acontece, nada como ultrapassar pelo lado contrário. Com o calor da Primavera indiana a atingir níveis pouco comuns no país, gostamos de acreditar que as buzinadelas são também uma forma simpática de ajudar o condutor do lado a manter-se acordado. À falta de ar condicionado e, muitas vezes, de portas, é uma solução tão boa como outra qualquer.

Udaipur é uma cidadezinha simpática, que abriu os braços ao turismo. Como temos algumas horas livres, vamos ao Mercado dos Vegetais, na Delhi Gate, e perdemo-nos na orgia de tonalidades e texturas. Não sabemos se devemos ficar a olhar para as cores dos saris que, nesta zona perto do deserto, parecem ganhar tons mais vibrantes; para os cabelos laranja dos velhos que cobrem as brancas com hena; para as pinturas alegres das fachadas das casas; ou, simplesmente, para o puzzle de verdes, amarelos e vermelhos que salta das cestas de venda. Aqui ninguém nos tenta impingir nada, ao contrário do que acontece nos mercados turísticos, e podemos circular sossegados entre legumes e frutas, doces e fritos, bancas cobertas de latas de azeite, nas quais este é vendido ao quilo (porque é pesado e vale mais assim), cestos, bugigangas e erva fresca para o gado.

Quando o Palácio da Cidade nos abre as portas, já estamos encantados pelas suas torres, cúpulas e janelas rendilhadas, por onde as mulheres espreitavam o exterior. Erguendo-se acima da cidade e com o lago Pichola aos pés, o palácio foi construído ao longo de vários séculos, mas iniciado pelo fundador da cidade, o maharana Udai Singh II, em 1559. E se pensa que "maharana" é uma gralha derivada do "maharaja", enganou-se. Maharana é o nome dos reis do Rajastão que nunca foram conquistados pelos "mongóis" (ou muçulmanos), que invadiram o país a partir da região de Samarcanda. Udai Singh II foi um desses reis. 

O edifício é uma tapeçaria trabalhada com diferentes materiais. Lá dentro podem encontrar-se salas inteiras cobertas de azulejo, vidro ou mármore. Os vidros de cores diferentes reflectem a luz do sol, criando imagens diáfanas no chão e nas paredes. E das suas janelas vê-se a cidade, rendida aos seus pés, para um lado, e o lago Pichola, com o seu Palácio do Lago no centro, para o outro. 

Em condições normais, a única forma de chegar ao Palácio do Lago é de barco, mas com o Pichola quase seco é possível caminhar até ao edifício transformado em hotel de luxo, e à volta do qual passeiam búfalos e pessoas, enquanto ao longe a areia é levantada em rodopios de vento, criando pequenas tempestades. E, aqui, fazemos novo parênteses, para falar de marajás (ou marahanas), palácios e hotéis.

Há muito que os antigos reis do Rajastão perderam poder político. Com a independência da Índia, em 1947, ainda conseguiram manter os seus títulos e propriedades, mas em 1970 Indira Gandhi aboliu os títulos, acabou com a pensão que recebiam e confiscou alguns dos seus bens. Mas não todos. Proprietárias de palácios e fortes, as antigas famílias reais descobriram uma nova mina de ouro com o desenvolvimento do turismo, e transformaram estes edifícios impressionantes em hotéis. Além do Palácio do Lago, também uma parte do Palácio da Cidade está hoje transformada em alojamento (outro exemplo é o Palácio de Samode, no caminho para Jaipur). Algumas áreas deste e outros edifícios no Rajastão mantêm-se também como residência dos descendentes dos marajás. 

O dia passa a correr e o resto do tempo na cidade desaparece num ápice, entre o templo Jagdish, dedicado ao deus hindu Vishnu, e o jardim Sahelion-ki-bari, criado para as mulheres do palácio, e onde os homens estavam proibidos de entrar. A parte mais bonita é um lago coberto de lótus e guardado por elefantes de mármore.

A cidade rosa

Apercebemo-nos que a viagem já vai a meio quando chegamos a Jaipur. E, logo à partida, é bom que fique a saber que Jaipur, a capital do Rajastão, é conhecida por duas coisas: a sua tonalidade rosa e os macacos. 

O centro antigo da cidade tem uma beleza decadente, com os seus edifícios rosados a pedirem obras urgentes que, provavelmente, ninguém irá fazer. A excepção é o Palácio da Cidade, impecavelmente tratado em todas as suas componentes - nos pátios para a audiência externa (no qual os marajás ouviam as reclamações dos súbditos) e para a audiência interna (ao qual apenas podiam aceder as classes mais elevadas), nas salas do museu, na ala de armas, ou na ligação ao edifício amarelo onde vive a antiga família real.

Jaipur foi construída pelo marajá Jai Singh II, depois de um planeamento pormenorizado, a partir de 1727. Nessa altura, o monarca achou que tinha chegado a hora de abandonar o Forte de Amber e a sua cidade muralhada, na qual a água era escassa, e criar uma nova capital em terrenos menos montanhosos. Jaipur nasceu assim, mas não ficaria assim. Em 1876, na expectativa da visita do príncipe de Gales (que seria depois o rei Eduardo VII), o marajá Ram Singh ordenou que toda a cidade fosse pintada de rosa, uma cor associada à hospitalidade e à alegria, e Jaipur ganhou as tonalidades que preserva até hoje.

Visitar a cidade é percorrer os caminhos do Palácio da Cidade, deixar-se encantar pela beleza rendilhada de uma das fachadas mais fotografadas da Índia, a de Hawa Mahal ou (quem resiste a este nome?) o Palácio dos Ventos, construído para que as mulheres da família real pudessem assistir ao desenrolar da vida citadina protegidas pelas janelas recortadas; e tentar perceber toda a complexidade de Jantar Mantar, o gigantesco observatório construído pelo fundador da cidade e que tem o maior relógio solar do mundo. Mas não só. É preciso observar o trânsito louco de uma das maiores praças da cidade, no topo de um templo hindu, e embrenhar-se nesse mesmo trânsito a bordo de um riquexó. Enquanto se deixa conduzir, a caminho do bazar (este sim, um verdadeiro mercado turístico, no qual só com muita µ negociação conseguirá obter preços mais ou menos justos), observe as fachadas quentes dos prédios envelhecidos, com o ocasional macaco a espreitar à janela. 

Os macacos, já dissemos, são tão tradicionais de Jaipur como as casas rosa. "Para os hindus, tudo é Deus", diz o nosso guia e DJ em "part-time" Vinay Sharma. E, da mesma forma que a vaca é sagrada - não porque seja equiparada a um Deus, explica-nos Ramesh Punjabi, um agente turístico local, mas porque o leite dela alimenta os bebés, tal como o de uma mãe, e ninguém (supostamente) mata ou come uma mãe -, os macacos são vistos como emanações de Hanuman (deus hindu representado com cara de macaco venerado em Jaipur) e deixados em paz. E, assim, eles andam por todo o lado, agarram o que podem e não perdem a oportunidade de entrar na casa de alguém e sair com uma manga fresca tirada do frigorífico ou uma peça de roupa estendida a secar. 

Dias depois, em Agra, ao amanhecer, iríamos ver dezenas de macacos nas ruas a deliciar-se com meloas que um homem, provavelmente a caminho do mercado, lhes ia atirando de uma carrinha. Não fosse o sistema de castas que, embora abolido por lei, continua a fazer-se sentir a cada passo na Índia, e julgaríamos estar mesmo no país do vive e deixa viver.

Antes de Jaipur, já dissemos, havia Amber, e uma visita ao seu forte é uma das experiências inesquecíveis da Índia. Não só porque o enorme complexo, no topo da montanha, é mais um exemplo magnífico de arquitectura e de preservação de memórias passadas, com algumas paredes a ostentarem ainda pinturas centenárias. Ou porque de lá se vê a muralha defensiva que protegia a capital e que, com um bocadinho de imaginação, podemos confundir com a muralha da China. Ou porque está à espera dos turistas um encantador de serpentes com a sua música e a sua serpente dançarina. 

Vamos ser honestos: gostamos de elefantes, só tínhamos estado perto de elefantes fora do jardim zoológico uma vez, e aqui deixaram-nos andar de elefante.

A caminhada bamboleante até ao forte só foi interrompida pelos homens que, insistentemente, nos queriam impingir alguma coisa ou tirar-nos uma fotografia que nos tentariam vender mais tarde. Tirando isso, gozamos a sensação de desequilíbrio constante, o engano de estar a fotografar uma parte do templo e sair outra um bocado ao lado, porque o bicho deu mais um passo, a estranheza de sentirmos pequenas gotas libertadas pela respiração do elefante a tocar-nos os pés e a possibilidade de observar à distância de centímetros os pêlos duros como piaçaba que lhes saem da cabeça e as manchas rosadas na pele cinzenta. 

Se morrer fosse isto

Quando deixamos Jaipur, começamos também a abandonar o Rajastão. A próxima paragem, Fatehpur Sikri, mais um dos monumentos classificados pela Unesco, fica já no estado de Uttar Pradesh, a menos de uma hora de Agra.

Fatehpur Sikri é um complexo sonâmbulo, de onde podiam saltar fantasmas a qualquer momento. Imagine uma pequena cidade construída em arenito vermelho, perfeitamente preservada e abandonada. Construído em estilo hindo-islâmico, comum a outros monumentos do país, o complexo é considerado uma obra-prima. Em finais do século XVI, o imperador Akbar, guiado por um profeta, construiu Fatehpur Sikri como capital do seu império, incluindo três palácios para as suas três esposas. As profecias, contudo, não o protegeram da falta de água local, e o espaço permaneceu como capital apenas durante catorze anos. Após seis anos de seca, Akbar mudou a capital para Agra e Fatehpur Sikri foi abandonada. 

Hoje o complexo pode ser visitado e o melhor é deambular calmamente pelos diversos espaços no mesmo tom avermelhado. A água verde de dois lagos no complexo parece ser a única cor dissonante do conjunto. A mesquita, que Akbar construiu também e da qual se diz ter a maior porta de entrada do mundo, ainda funciona.

E chegamos a Agra. Há quem vá à Índia só para ir a Agra, mesmo que não seja o nome Agra que procure. Taj Mahal. Dito assim, já se percebe melhor. O Taj Mahal, uma das actuais Sete Maravilhas do Mundo, fica aqui. E, podemos confirmá-lo, é uma maravilha.

Não estávamos particularmente ansiosos por vê-lo. Nem sequer achávamos que fosse assim tão espectacular como diziam. Se calhar, vimos demasiadas fotografias. Só que todos temos de dar o braço a torcer quando temos de dar o braço a torcer, e fizemo-lo. Não há melhor maneira de descrever a primeira visão do Taj Mahal: é emocionante.

De perto é uma caixa de jóias em miniatura, leve como um sonho estaladiço saído do forno. Ao longe é perfeito. Mesmo que nos expliquem que as quatro torres estão ligeiramente inclinadas para o exterior, para evitar que caíam em cima do edifício principal em caso de terramoto, a verdade é que parece de uma simetria sem falhas. E é delicioso ver família indiana atrás de família indiana, casal de namorados atrás de casal de namorados, a fazer pose para a fotografia que há-de ser colocada na parede de casa.

O edifício é tão impressionante que temos tendência para esquecer que é um túmulo. Foi construído por Shah Jahan para a sua segunda mulher, Mumtaz Mahal, depois de esta ter morrido de parto. Jahan gastou anos da sua vida a construir o Taj Mahal e, quando foi deposto pelo seu filho e aprisionado no Forte de Agra, gostamos de imaginar que o consolava o facto de o edifício ser perfeitamente visível da sua nova prisão de mármore.

Agora que já demos o braço a torcer pelo Taj Mahal, também tem de acreditar quando dizemos que, mesmo que só lhe apeteça ficar ali, a adorar a cúpula em mármore do edifício, há mais que ver na cidade, e não pode mesmo perder uma visita ao Forte de Agra. Se ajuda, o Taj Mahal é visível de vários pontos do complexo em arenito vermelho e mármore.

Construído inicialmente como um forte, foi transformado em palácio por Shah Jahan, e acabou por ser a prisão que o veria morrer. Tem, no seu interior, pátios e pavilhões, pequenos palácios construídos para as princesas, mesquitas, palácios de vidro, a prisão de mármore e até as reminiscências de um pequeno bazar, onde as mulheres do palácio podiam comprar o que lhes apetecia e onde, diz-se, o rei gostava de passear, escondido sob uma burkha, para as observar. E, com sorte, macacos a recebê-lo nos portões de acesso.

Antes de abandonar Agra, espreite o túmulo de Itmad-Ud-Daulah e perceba de onde nasceu a inspiração para o Taj Mahal. O túmulo é conhecido como o "Tajmalito", pelas suas semelhanças. Ambos são construídos inteiramente em mármore e decorados com recurso à técnica de "pedra dura" (incrustação de pedra na pedra). Ambos têm uma cúpula central e quatro torres a rodeá-la. O túmulo de Itmad-Ud-Daulah é muito mais pequeno que o Taj Mahal e não tem a sua imponência, mas olhando para ele é impossível não pensar que este último não nasceu do nada, e que quem o imaginou teve um belo ponto de partida no qual apoiar a sua criação.

O futuro chegou

Metemo-nos num avião e estamos em Bombaim. E, de súbito, estamos num mundo diferente. Um mundo de enormes favelas, que parecem ter varrido o caos do resto da Índia para dentro das suas paredes periclitantes, tornando-o menos visível aos olhos de quem passa. Um mundo de arranha-céus e mais pessoas vestidas à moda ocidental. Ficamos ligeiramente angustiados. Sentimos que o resto da Índia pode um dia ser assim. E isso é bom se as pessoas tiverem mais condições de vida. Mas também é mau porque Bombaim começa a parecer-se com qualquer cidade ocidental, com a sua marginal cuidada, as lojas Mango e as raparigas de óculos escuros.

No centro da cidade, um dos espaços mais fascinantes é o edifício neo-gótico da estação terminal de comboios, denominada Victoria, ou (se conseguir pronunciar) Chhatrapati Shivaji, e também vale a pena espreitar a Porta da Índia, um arco em basalto construído em 1911 para assinalar a visita do rei Jorge V. Contudo, para uma Bombaim mais indiana, visite a casa onde Mahatma Gandhi viveu e na qual existe uma impressionante colecção de cenas da vida do líder pacifista recriadas através de bonecos e cenários feitos por uma artista local. Antes de partir, não deixe de espreitar a lavandaria. Um espaço gigantesco coberto de tanques, no qual homens e mulheres lavam a roupa da cidade, a troco de algumas rupias. Pode encontrar secções inteiras de roupa branca a secar, ou roxa, ou rosa, ou verde, ou azul..

Não há melhor maneira de se despedir da Índia.

Não esquecer

Além dos conselhos básicos (leve medicação adequada e protector solar, beba apenas água mineral, não coma saladas nem fruta descascada a menos que tenha a certeza das condições de higiene), deixamos aqui mais alguns.

Transporte sempre consigo um lenço (se for mulher) e meias.

Como é necessário descalçar-se nos templos, a menos que queira andar descalço (não é o local mais limpo do mundo) ou enfiar os pés em protectores que já andaram sabe-se lá por onde, é bom ter umas meias por perto. Os lenços/mantas são essenciais para proteger a cabeça ao entrar nas mesquitas.

Pode sentir-te tentado a arriscar a comida indiana, mas tenha calma. Nos primeiros dois dias, é melhor nem chegar perto dela, porque acredite é mesmo muito condimentada. Depois, aos poucos, pode ir experimentando pequenos pedaços e veja como se sente. Já com as sobremesas, a história é outra. Doce é doce, e as sobremesas indianas não fogem à regra. E são muito boas.

Converse com os locais, vai perceber melhor os costumes e a história do país. E poderá encontrar um homem a quem o pai arranjou noiva (como o nosso guia Vinay), e que só viu o rosto da escolhida no dia do casamento. "Como te chamas?", foram, segundo o próprio, as primeiras palavras que lhe dirigiu, já na noite de núpcias. Ou pode encontrar alguém como Bashir Aasim, que deixou a família em Caxemira e se tornou comerciante num hotel de Jaipur, mas cuja verdadeira alegria é escrever poesia que publica, mensalmente, em urdu, numa revista da especialidade.

Sempre com um sorriso, diz ter a esperança que a paz chegue à conturbada zona de fronteira com o Paquistão e confidencia: "Os meus filhos ficaram lá e não sabem nadar, mas distinguem o som das diferentes armas." Escreve sobre eles, mas também sobre a esperança e "uma árvore com folhas enormes que tem na casa dos [meus] pais, como um plátano canadiano, que no Outono fica cor de fogo." Ou pode ainda encontrar o miúdo que tenta, a todo o custo, amealhar uns tostões ensinando-lhe uma magia e que se expressa assim: "Por favor, deixeme ensinar uma magia. O senhor fica feliz, coração feliz, todo o corpo feliz!".

Como ir

A British Airways voa para Nova Deli, com partida de Lisboa, com tarifas que rondam os 700 euros, já com taxas incluídas.

Onde dormir e comer

Viajamos com a Nortravel e, por isso, experimentamos os hotéis habitualmente utilizados por este operador, todos de cinco estrelas.

O preço do programa de dez dias ronda os 2500 euros (é possível fazer uma extensão a Goa) e a melhor altura para viajar, por causa das temperaturas mais amenas, é a partir de Setembro. Em Nova Deli e Jaipur, dormimos no Le Meridien; em Agra, no Jaypee Palace. Em Udaipur, contudo, avisaram-nos que iríamos ter "uma experiência" diferente e foi verdade. Ficamos no Hotel Leela Kempimski, em frente ao lago Pichola, com os palácios do lago e da cidade como cenário e não podíamos ter sido mais mimados. Por causa dos preços que tornariam o programa mais caro, este hotel não faz, contudo, habitualmente parte do programa do operador.

Todas as refeições foram nestes e noutros hotéis com os quais o grupo trabalha. Além da comida indiana, havia sempre cozinha ocidental e oriental. Gostamos particularmente do menu que o chefe Manohar preparou para nós no restaurante Padmini, do Hotel LaLit Laxmi Vilas Palace, em Udaipur.

A Fugas viajou a convite da Nortravel

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