Fugas - viagens

Virgílio Rodrigues

Caminhar à descoberta dos cheiros da serra

Por Bárbara Wong

Desengane-se quem pensa que o Algarve é só praias. Bárbara Wong subiu à serra do Caldeirão, caminhou, aprendeu a conhecer as plantas e os animais pelo nome. E ficou com alguma pena por não dormir na antiga escola primária.

Este não é um passeio para quem quer descansar, mas para quem pretende descobrir a serra do Caldeirão. Antes de arrancar em direcção ao Algarve é preciso fazer as malas e não esquecer um par de calçado bom para caminhar, um chapéu e agasalhos - na serra, como em todos os pontos de maior altitude, as dispararidades entre as temperaturas mínimas e máximas são enormes. Não esqueça ainda de comprar ou fazer um caderno só com folhas brancas e dar às crianças. O objectivo é que o utilizem como diário de viagem, para escrever, desenhar a paisagem, pintar uma ou outra ave, mas também para guardar alguns pedacinhos da serra, numa espécie de herbário.

Agora sim, as malas estão feitas e é tempo de arrancar em direcção a Tavira. Na antiga estrada nacional 125 há uma tabuleta com a indicação de Cachopo, a aldeia onde a aventura pode começar. A proposta é da Associação In Loco, criada com o objectivo de apoiar o desenvolvimento do mundo rural algarvio e o programa chama-se Percursos Pedestres.

Na verdade, não é uma única proposta mas várias, consoante o desafio que a família ou o grupo de amigos queira abraçar - ou seja, é preciso definir a distância que estão dispostos a caminhar. A serra tem muitos segredos que podem ser descobertos nestas caminhadas que variam entre os nove e os 45 quilómetros - o mesmo é dizer que podem ser feitos apenas num dia ou ao longo do fim-de-semana.

Ao todo, são dez rotas, de pequena e média dimensão, que se unem no chamado Percurso da Descoberta que liga três aldeias da serra - Mealha, Casas Baixas e Feiteira - e que é a única rota homologada do Algarve.

Para não interromper o passeio, as pernoitas podem ser feitas em antigas escolas primárias, daquelas do Plano Centenário, que há décadas acolhiam as crianças que se tornaram adultos e migraram para o litoral ou para outros países, deixando para trás as mães, hoje avós velhinhas, vestidas de escuro, de lenço e chapéu de palha na cabeça.

Em cada uma das três aldeias, a escola foi convertida em Centro de Descoberta do Mundo Rural, ou seja, uma espécie de albergue de montanha, onde os caminhantes podem dormir. A antiga sala de aula, com a salamandra a um canto, deu lugar a duas camaratas com beliches, uma para homens e outra para mulheres. No entanto, estas podem ser reservadas por uma família.

Existe ainda uma pequena sala com televisão e uma cozinha onde podem ser confeccionadas refeições. Não há luxos nestes centros porque não foram desenhados para que as pessoas fiquem por muito tempo. Se quiserem, os sacos de cama são bem-vindos mas Otília Cardeira, a responsável por acolher os visitantes, também pode fazer as camas com roupa lavada; também há roupas de casa de banho. Há ainda bicicletas que podem ser usadas pelos visitantes para, por exemplo, fazerem os percursos de BTT.

Açorda sem químicos

Otília Cardeira, dona do Quiosque O Moinho, em Cachopo, um local onde se pode comprar artesanato e produtos agro-alimentares da freguesia, também é conhecida pelos seus dotes culinários. Por isso, se quiser comer um prato típico da serra como o jantar de grão - é assim que se chama ao cozido de grão com entremeada, pé de porco, carne, chouriço, batata doce e abóbora, "tudo ingredientes daqui, sem químicos, sem nada", garante Otília - ou uma açorda de galinha, é uma questão de combinar.

Garantido está o pequeno-almoço, que pode ser incluído no pacote. Otília prepara o leite ou café, na mesa põe queijo fresco da região, papas de milho com mel e fatias douradas, sem esquecer o chá, que é sempre feito com as ervas da serra. Se quiser, o trabalho de Otília Cardeira pode não terminar aqui. Afinal, ela é uma mulher da serra e como tal conhece-a como ninguém. É ela que, quando alguém se perde ou se atrasa e a noite se aproxima, vai em auxílio dos caminhantes. "Basta telefonarem a dizer onde é que estão", explica, lembrando que no dia anterior tinha ido ao encontro de um caminhante de origem alemã que estava perdido.

Ainda são os estrangeiros que mais procuram estes percursos e os fazem, mas começa a surgir um público português interessado nesta alternativa, avalia Artur Gregório, da Associação In Loco.

As rotas estão bem sinalizadas: além dos mapas que são entregues antes ainda de escolhermos qual o percurso que queremos fazer, há sinais pintados nas pedras (amarelo e vermelho), setas, tabuletas e placards de madeira com os mapas e informação mais técnica (de um lado) e mais pedagógica, a pensar num público mais jovem (do outro).

Tudo está pensado para que os turistas não se percam na serra, mas o seu bem-estar também não foi descurado e por isso existem algumas zonas de paragem, construídas em madeira, com mesas e bancos, debaixo de um telheiro que pode também abrigar da chuva, mas espera-se que proteja sobretudo do sol. Há um que fica junto a um braço de água onde, com um bocadinho de sorte e de paciência, quem sabe não se vê uma lontra.

Ensine os mais pequenos a fazer o passeio com toda a calma e com pouco barulho, de maneira a não perturbar a paz local. Mostre-lhes ainda como conservar a natureza: não deitar lixo para o chão, não apanhar plantas ou animais.

Otília ensina o nome de cada uma das ervas do campo. Com a chegada da Primavera, os verdes da serra começam a ficar pintalgados de branco, rosa e azul das flores que brotam e, essas sim, podem ser pintadas no caderno comprado. Bem como o velho moinho, os palheiros, os pomares e olivais, as antas pré-históricas e as gentes da serra. Antigamente, aquelas aldeias tinham mais de 200 pessoas, hoje Casas de Baixo tem 14, a Mealha 50 e só o Cachopo tem mais população, toda com idade acima dos 60 anos, gente com tempo, acolhedora e com muitas histórias antigas para contar. Usufrua!

Como ir

Viajar em direcção ao Algarve. Chegando a Tavira, virar na EN 125 em direcção a Cachopo. A subida da serra pode ser complicada para os mais novos e para os que enjoam. Demora cerca de 40 minutos, se feito bem devagarinho para ver bem a vista e não ter surpresas.

Onde comer

Na serra existem vários restaurantes. Na aldeia de Cachopo são três, muito procurados ao fim-de-semana por causa dos pratos específicos da região, como o estufado de javali, caçado no Caldeirão, ou a feijoada de borrego. Quando descer a serra pode comer em Tavira, no Restaurante O Ciclista. Há grelhados e, se encomendado, um maravilhoso robalo ou dourada ao sal, a comer com vista para o espelho de água.

Restaurante O Ciclista
Rua João Vaz Corte Real, 132,
Tavira
Tel.: 281325246 

Preços

Estadia com pequeno-almoço no Centro de Descoberta do Mundo Rural: 12,50 euros; com almoço e visita guiada é necessário pedir orçamento. Mais de quatro noites é feito um desconto de 25 por cento

Percursos pedestres na serra do Caldeirão
Associação In Loco
Tel.: 289 840 860
inloco@mail.telepac.pt
www.in-loco.pt

Otília Cardeira
Telef: 289 844 102
Telem: 961 478 155
Email: moinhocachopo@yahoo.com.br

[FUGAS, 27 Março 2010]

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