É uma oportunidade única, e é óbvio que se pode ter mais sorte de acordo com a altura que se escolher, mas ir a Cambridge pode ser também ter o privilégio de se ouvir o anti-americanismo do americano Noam Chomsky à hora de almoço e o nacionalismo de direita de Paul Wolfowitz à tarde. Percorrer os corredores das diversas faculdades é também cruzar-se com pessoas de todo o mundo e dá uma ideia sobre as elites do país.
Numa sociedade que se construiu com base na ideia de meritocracia, e que tem projectado a imagem de inexistência de classes sociais, Harvard funciona como um outro sistema de selecção, um elitismo que se orgulha de ser baseado na competência intelectual. A ideia de excepcionalidade faz parte da vibração diária da cidade, uma espécie de América dentro da América. A "nação" Harvard deverá ser, aliás, das mais eficazes armas do soft power americano (expressão cunhada pelo professor de Harvard Joseph Nye para se referir ao poder de atracção de um Estado).
Uma cidade onde há dinheiro
Além disso, por fora Cambridge consegue ser desarmante, sobretudo no Outono ou na Primavera. A região da Nova Inglaterra é conhecida pela sua foliage outonal e muita gente programa viagens para acompanhar de Norte a Sul a caída gradual das folhas. A verdade é que não é preciso sair de Cambridge para ver o espectáculo de cores a fazer do céu um lugar ainda mais desejado para olhar: tantos tons de laranja, vermelho, amarelo, verde, castanho, num A a Z de cores que parece curto para descrições; ou então, na Primavera, todas as árvores em flor, agora com a luminosidade dos brancos, amarelos, verdes fluorescentes, rosas, azuis, em doses extra large americanas.
Se há uma altura para visitar esta cidade, é numa destas duas. Até porque, sendo um sítio que ainda tem as quatro estações muito demarcadas, no Verão é extremamente quente e húmido (a humidade chega a mais de 80 por cento, parece que estamos nos trópicos) e no Inverno um frio de rachar, com a neve a cobrir toda a cidade de branco (menos 20 graus às vezes.).
Ao todo, Cambridge abrange uma área geográfica relativamente pequena (cerca de 18 quilómetros quadrados, facilmente percorridos a pé). Fica naquele que é considerado o estado mais liberal dos Estados Unidos, Massachusetts: predominantemente democrata, foi o primeiro a legalizar o casamento entre homossexuais em 2004, tem sistema de saúde para todos ao contrário do resto do país, e é conhecido pelos brandos costumes e tolerância. Sem esquecer, claro, que a cidade a 10 minutos de metro de Cambridge, Boston, tem todo um simbolismo nacional: uma das mais antigas cidades americanas, foi lá que nasceram os primeiros movimentos que levaram à Revolução Americana e independência e activismos políticos pela abolição da escravatura.
Com prédios baixos e casas de não mais de três andares, cheias de cores, alpendres e jardins, a arquitectura de Cambridge define-se pelo que mais próximo estará da ideia europeia de "antigo" foi oficialmente fundada em meados do século XVII e essa história é conservada e protegida. É, como já se disse, uma cidade onde há dinheiro: numa população de 106 mil segundo os últimos dados do Census Americano, o rendimento per capita, 44,171 dólares, é bastante superior ao da média nacional, cerca de 27 mil dólares. Mas tem 15 por cento de pessoas na pobreza, algo bastante visível em áreas centrais como Harvard Square, onde a cada esquina há um sem abrigo a aproveitar cantos para dormir.