Fugas - viagens

Talin e Turku: os programas das festas

Por Inês Nadais

Há uma descoberta que a capital da Estónia quer fazer (e que quer que a Europa faça) este ano: a descoberta do caminho marítimo para Talin.
É na frente marítima da cidade, território off limits, quase zona de guerra (fria, pelo menos), durante a longa noite da dominação soviética, que a programação para 2011 mais seriamente investe, debruçando-se sobre o Báltico, que é há séculos a principal porta de entrada no país e o lugar onde a Estónia, desde os tempos míticos da prosperidade hanseática, mais fez amigos. Stories of the Seashore, o slogan da Capital Europeia da Cultura (CEC), põe o dedo nessa ferida, apelando a uma aproximação, física e simbólica, ao mar (o guia completo de Talin 2011 indica, de resto, a distância entre cada evento e a marginal da cidade, verdadeiro quilómetro zero desta CEC).

A abertura oficial do Porto de Lennusadam, um complexo museológico de hangares para hidroaviões construído durante a Primeira Guerra Mundial, é por isso peça central da operação: em Julho, Talin passará a ter um museu marítimo único no mundo, com salas acima e abaixo do nível do Báltico e três lendários cabeças-decartaz de fazer arrastar multidões (o submarino Lembit, o quebragelo Suur Töll e o hidroavião Short 184). Bónus de inauguração, de 14 a 16 de Julho: Salt, peça para ensemble de percussão, voz e vídeo que compositora Helena Tulve e o fotógrafo Tarvo Hanno criaram para o impressionante espaço dos hangares, por encomenda da CEC.

Fazer-se ao mar, no caso de Talin 2011, inclui ainda todo um circuito organizado de viagens de caiaque, algumas das quais até Turku, o encontro de contadores de histórias Storytelling sees the world, a exposição Kont, que desafiará artistas visuais a intervirem nos contentores do porto, e a terceira edição do Nargen Festival, que decorre anualmente numa série de auditórios apenas acessíveis por mar, na ilha desabitada de Naissar, e que este ano estreia a primeira montagem do Parsifal, de Wagner, alguma vez feita na Estónia (25 a 28 de Agosto).

Os festivais representam outra fatia de leão do programa das festas de Talin 2011: de 21 a 26 de Março, os Estonian Music Days destacarão um compositor residente para cada um dos bairros da cidade, de 20 de Abril a 6 de Maio o POT trará à cidade figuras emergentes da criação teatral contemporânea como Kornél Mundruczó, Edit Kaldor e o Cheltfi tsch Theatre e de 30 de Abril a 30 de Setembro o NO99 Straw Theatre, uma sala temporária, prolongará essa experiência com espectáculos dos Nature Theater of Oklahoma, Gob Squad e Kristian Smeds (o grande encenador fi nlandês montará uma aguardadíssima nova versão de O Cerejal, de Tchékhov, expressamente para a Capital Europeia da Cultura, e regressará em Outubro para mostrar Karamazov Workshop, a partir de Dostoiévski). Mais festivais para o caminho: música improvisada no Improtest 2011 (20 a 22 de Maio), com Fred Frith a abrir, folclore no World Village (19 a 28 de Maio), literatura mundial no Headread (26 a 29 de Maio), teatro de rua no Treff (28 de Maio a 1 de Junho), instalações urbanas no Lift11 (Maio a Setembro), curtasmetragens no Never Before Seen (6 a 12 de Junho), novo circo no Circus Tree (5 a 14 de Agosto), dança contemporânea no August Tantsufestival (15 a 27 de Agosto), Tarkovski no Stalking Stalker (24 a 26 de Agosto), um evento totalmente dedicado ao cineasta russo, na cidade onde realizou o seu filme mais famoso, comida no Estonian Food Festival (Setembro), nova música no NYYD 2011: Symphonies of the Future (20 a 28 de Outubro) e cultura judaica no Ariel Festival (Novembro).

O programa completo, disponível para download em http://www.tallinn2011.ee/events, inclui ainda outras tantas dezenas de acontecimentos, do campeonato internacional de bodybuilding à viagem medieval, passando pela festa das flores - e inclui sobretudo um centro histórico mais vivo do que nunca. Com tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo, é possível que se perca, mas não será grave: Talin formou uma brigada de anfitriões especialmente habilitados a orientar os visitantes em risco de overdose cultural. É só seguir o crachá.

Turku grita fogo

O grande incêndio de 1827 é para Turku o que o Báltico é para Talin: o mito fundador a partir do qual a cidade se construiu (foi depois do incêndio que Turku perdeu o seu histórico estatuto de capital para Helsínquia), e a partir do qual construiu a sua programação como Capital Europeia da Cultura (CEC). Enquanto Talin se faz ao mar, Turku grita fogo: Fire! Fire! é, aliás, o título da grande exposição interactiva que, até 18 de Dezembro, se pode visitar no Logomo (as naves desta antiga ofi cina de engenharia construída em 1876 foram reabilitadas e funcionam agora como centro de operações de Turku 2011). O incêndio já tinha sido o tema de um dos espectáculos de abertura da CEC, 1827 Infernal Musical, um muito sui generis musical heavy metal, e voltará a ser lembrado de 31 de Agosto a 3 de Setembro em Battle 2011, mega-criação do coreógrafo Ari Numminen para o estádio Pavo Nurmi, com banda sonora de um acordeonista explosivo, Kimmo Pohjonen, e de 2 a 4 de Setembro em Great Fire of Turku, um espectáculo em duas partes da coreógrafa local Marjo Kuusela que parte do folclore para a dança contemporânea.

Mas também há água (e barcos, como em Talin) na agenda de Turku para 2011 (programa completo em http://www.turku2011.fi /en/programmebook_ en): o rio Aura é outro dos centros de gravidade da CEC, e será para lá que a cidade correrá a 28 de Maio para se sentar numa das muitas cadeiras de baloiço aí colocadas para o Rocking Chair Get Together, a 22 de Julho e a 18 de Agosto para assistir a Music of the Spheres, "o concerto mais estranho do mundo" (pequena sinopse: os músicos actuam dentro de bolhas gigantes que flutuam na água), e também para conhecer o novo parque Barker, que reabrirá ao público depois de redesenhado pela artista e arquitecta paisagista americana Martha Schwartz. O arquipélago de Turku, por sua vez, será objecto da intervenção Contemporary Art Archipelago: de Junho a Setembro, 20 novas obras site-specifi c de artistas locais e internacionais serão instaladas nas ilhas vizinhas da cidade.

As artes visuais (que estarão em todo o lado, até na Catedral de Turku, com a exposição Última Ceia), são uma aposta assumida da CEC: Tom of Finland (1920-1991), herói local e grande ícone da arte homoerótica, é objecto de uma grande retrospectiva no Logomo, e o pintor sueco Carl Larsson (1853-1919) é revisitado no Museu de Arte de Turku. Ainda no Logomo, destaque para duas instalações de grande escala vindas do Kiasma, o museu de arte contemporânea de Helsínquia Where is Where?, de Eija Liisa Ahtila, até 29 de Maio, e Western Union: Small Boats, de Isaac Julien, de 17 de Junho a 18 de Dezembro -, e para Alice in Wonderland, a maior exposição colectiva de fotografi a alguma vez vista na Finlândia.

Viva la Diva, o regresso a casa da cantora de ópera Karita Mattila para dois concertos no Castelo de Turku (19 e 22 de Agosto), é o grande clímax do programa musical, que fará ainda a estreia mundial das óperas Henrik and the Hammer of Witches (27 de Agosto a 4 de Setembro) e Eerik XIV (22 a 29 de Novembro), e trará à cidade um dos grandes nomes da electrónica, Jori Hulkkonen, cabeça-de-cartaz do Turku Modern Festival (20 a 24 de Julho), onde apresentará uma performance especialmente concebida para a ocasião.

Nas artes performativas, dois acontecimentos-âncora: já a partir de 14 de Abril, o russo Sasha Pepelyaev coreografará uma Dancing Tower (na foto ao lado) com bailarinos e ventríloquos, acrobatas e músicos, água e fogo para o 30.º aniversário da companhia de dança Aurinkobaletti; mais tarde, de 12 a 15 de Outubro, o extraordinário Engineering Theatre Akhe, de São Petersburgo, estará em Turku para estrear Abduction of Europe numa piscina ao ar livre. Paralelamente, haverá uma série de festivais a decorrer quase em permanência: Micropathy!, maratona de 52 micro-espectáculos que termina no fi nal do ano, o Festival de Artes Performativas e o Performance 2011 de Maio, o festival de novo circo Future Circus (17 a 26 de Agosto) e o Festival Internacional de Marionetas (18 a 21 de Novembro), uma arte de grande tradição em Turku.

Ainda que 2011 seja o ano em que Turku se vira para o mundo, o património local é a grande estrela da programação: haverá visitas guiadas bairro a bairro (e um novo mapa da cidade, com itinerários que assinalam os lugares mais marcantes da vida de cidadãos comuns), acontecimentos de proximidade em escolas, transportes públicos e montras de lojas, um grande Festival da Batata Nova (17 a 19 de Junho) com live-cooking no mercado Vartintori, e cinco novas saunas desenhadas por artistas plásticos.

Se estiver lá de 1 de Junho a 31 de Agosto, pergunte pelo Saunalab: não conseguimos imaginar melhor maneira de acabar o dia (ou de o começar) numa Capital Europeia da Cultura.

[FUGAS nº 563 - 12 de Março 2011]

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