Em meados de Dezembro, passeávamos pelas encostas e vales dos Pirenéus Aragoneses rezando por neve, que ela bem tinha caído em força há poucos dias mas depressa foi arrasada pela chuva, "a pior inimiga das estâncias", que anulou o manto branquinho. Ao longo dos dias de viagens de ida e volta entre estâncias, e contra todos os prognósticos, ainda tivemos a sorte de uns perfeitinhos flocos. Não que fossem essenciais à experiência proposta. Aliás, a sua falta deu para perceber quão bem apetrechadas estão hoje em dia as estâncias aragonesas: é que bem pode faltar neve da verdadeira, que os canhões estão sempre a postos.
"Bendita neve artificial", ouvimos e concluímos. Afinal de contas, já com a temporada aberta, as estâncias não se podem dar ao luxo de não terem pistas abertas que satisfaçam todas as perícias esquiadoras. A neve pode ser pouca, mas os canhões não param de alimentar os tapetes pelos quais centenas, por vezes milhares, deslizam diariamente.
Porém, este é um cenário bem diferente do que se poderá encontrar por estes dias, e em geral por estes períodos em qualquer temporada, apesar de 2010/11 estar a ser algo inconstante. Tal como o foi o último mês do ano: ao fim do primeiro dia de um voo com destino a Saragoça e um par de horas de condução, Formigal apresentou-se com os seus picos brancos. Mas pelas ruas de Sallent de Gállego, a localidade a escassos quilómetros da estância onde ficámos hospedados, apenas se viam um ou outro montinho de gelo. Já frio não faltava, ampliado pelo vento cortante. Deitamo-nos com poucas esperanças de um diferente cenário pela manhã. E as suspeitas confirmaram-se: neve pouca (felizmente, sol, muito, mas o calor é sempre de pouca dura.).
Formigal, a grande
Formigal não é uma estância "esquis nos pés", como muita gente prefere, o que obriga a uma pequena deslocação dos hotéis às zonas de esqui. Mas não lhe faltam mais-valias que compensam esse pequeno contratempo. O ambiente é jovial e animado, ao mesmo tempo que oferece uma estrutura eficientemente montada capaz de receber desde grupos de amigos em busca da adrenalina do cada vez mais procurado freestyle até famílias mesmo com crianças pequenas, de esquiadores de primeiras neves aos mais experientes e afoitos.
E não é por acaso. Estamos na maior estância espanhola, com 137km esquiáveis divididos por 97 pistas (sete verdes, para iniciados, 19 azuis e 33 vermelhas, para níveis intermédios, e 38 pretas para os mais exigentes), além de um snowpark e, em estreia esta temporada, uma pista Boarder Cross para os que se querem iniciar nos saltos ou um Terrain Park para actividades radicais. Mas não valem a pena sustos com a dimensão: é fácil aceder a todas as pistas. Primeiro pela existência de quatro acessos diferentes, um por cada vale: Sextas, Sarrios, Annayet e Portalet. Em cada uma, zona de estacionamento, área de lazer e de aluguer de equipamento e, claro, meios mecânicos. É num destes, mais precisamente numa telecadeira de quatro (há ainda cintas, telesquis, e telecadeiras para dois, seis e até uma para oito que, no total, permitem transportar quase 37 mil pessoas por hora), que fazemos um primeiro reconhecimento até um dos pontos mais altos de Formigal.
O silêncio da montanha gelada é tal que se faz ouvir. A temperatura desce a cada metro que se sobe.
E dói. Cada pedacinho de carne à vista é sinónimo de uma dor trucidante (o passa-montanhas é um apetrecho que não pode ser esquecido). Mas em nada comparável ao imensurável prazer de se estar no meio do nada. O branco só é maculado por um ou outro esqui perdido, uma luva, um bastão. Sempre desirmanados.
O que torna bastante evidente o conselho seguinte: é preciso segurar bem todos os pertences durante estes passeios.
A maioria só usa as telecadeiras para subir, servindo-se das pistas para a descida. Já nós, depois de pisarmos o pico, com um miradouro que oferece uma panorâmica de 360º e acompanha a vista exibindo no seu beirado uma pintura descritiva da paisagem, não dispensamos o passeio no sentido descendente. Até porque o tempo disponível não abona a nosso favor a tarde já está reservada a conhecer outra estância, Panticosa e lá em baixo aguardanos uma lição de esqui, que inclui estreantes na neve e que permite uma experiência única, tanto de aprendizagem como de diversão. (ver caixa).
Panticosa, a familiar
A viagem de Formigal a Panticosa é curta, cerca de 16km, mas são dois universos completamente diferentes. Pertencente ao mesmo grupo (Aramón), a estância é pequena, com apenas 35km de área esquiável repartida por 41 pistas, e encontra-se mesmo ao alto da vila homónima, uma urbe pitoresca de casas de pedra e ruelas repletas de recantos e detalhes a descobrir.
Entre rios, oferece belas vistas protegidas por bosques e picos que sobem a mais de 3000m. Já nós, subimos aos 1184m da estância a partir da vila num vertiginoso teleférico e podemos garantir que a paisagem é avassaladora tanto de cima como de baixo. Destinada primordialmente às famílias, a estância está bem apetrechada para as crianças, com jardim de neve, área de diversão para multiactividades baptizada de Adventure Slope e muitas propostas destinadas aos mais pequenos, além de uma passadeira rolante coberta para auxiliar aos primeiros passos na neve e escola.
Por aqui, temos direito a visitar cada recanto dos bastidores da estância, um roteiro que não estará disponível a todos (se for época baixa, experimente pedir) e que permite uma espécie de workshop, facilitado pela dimensão da estância, de como se controla o dia-a-dia por aqui, incluindo uma central de videovigilância que permite uma maior segurança ou um posto médico apetrechado para qualquer eventualidade (com cuidados e aparelhos que nem a vila lá em baixo fornece). Só numa visita destas poder-se-á ter contacto com a vida dura dos profissionais que, quando a noite cai e a estância fecha (logo às 17h00), agarram as máquinas e, a duras penas e maior frio, passam a madrugada a cuidar da neve: da natural e da artificial. Mas para o cliente, só há diversão: a dimensão mínima não invalida oferecer centro com diversos tipos de restauração e um razoável portfólio de desportos invernosos.
Candanchú e Astún, as charmosas
Próximo salto: Candanchú, uma pequena estância quase vizinha de Panticosa distam à volta de 20km uma da outra, numa linha recta imaginária, paralela à fronteira com França. Por estrada a conversa é outra: cerca de 70km e mais de uma hora de caminho. Mas não é apenas o alcatrão que as afasta. As formas como são geridas também.
Enquanto Panticosa e Formigal fazem parte do grupo Aramón (que gere ainda Cerler, Javalambre e Valdelinares), Candanchú e Astún, embora funcionem em parceria, nomeadamente com um forfait conjunto, são privadas.
A noite já vai avançada quando começamos a subir a montanha rumo a Candanchú. Flocos minúsculos salpicam a noite de branco quando chegamos à estância da joaninha (seu símbolo natural). "Isto não é nada; aqui quando neva os flocos são grandes" junta as pontas dos dedos de ambas as mãos, deixando um vazio de mais de 5cm de diâmetro "num instante fica tudo branco", diznos um madrileno, residente na Andaluzia, que não passa um ano sem vir a Candanchú. "É familiar, económica e todos são de uma grande simpatia", resume. E, a melhor parte segundo o próprio, "sai-se da estância já equipado e a esquiar".
Mesmo não sendo a neve a que Candanchú está habituada, a perseverança dos pequenos cristais surtiu efeito. O dia seguinte amanhece com toda a estância coberta por um reluzente manto branco. O efeito é imediato. De repente, todos parecem mais optimistas. É assim que funciona num destino em que o sucesso (e lucro) está directamente relacionado com o facto de nevar ou não. Na porta do hotel, uma antecâmara vai servindo de poiso para vários esquiadores se prepararem. "Vemo-nos nas pistas?", pergunta o madrileno da noite anterior, tão ansioso por chegar àquelas que nem espera pela resposta.
Mas não é esse o nosso destino esta manhã. Hoje, a ida fica a uns cinco quilómetros: Astún, outra pequena estância de esquis nos pés, que, dadas as condições geográficas em que se encontra, no fundo de um vale e protegida dos ventos, garante qualidade de neve, isto é, em pó, ao longo de quase toda a temporada. As infra-estruturas pouco ou nada têm a ver com as que conhecemos em Formigal. Em vez de um centro que reúne todos os serviços, as diferentes áreas aluguer de equipamento, sanitários, bares, cantinas e restaurantes dividem-se pela estância. É menos funcional, mas por outro lado cada espaço torna-se mais acolhedor.
Pela meia centena de pistas, em que imperam as intermédias (embora as pistas negras sejam de respeito), vêem-se muitos adeptos de esqui alpino, como um casal português que, vindo de carro do Norte do país, explica que esta é a melhor estância mais próxima.
Mas não só. Há gente a passear de raquetes com um cão a correr alegremente ao seu lado, grupos de esqui de fundo, muitos miúdos de escola a aprender a dominar as pranchas de esqui e ainda snowboarders, embora poucos.
"A moda passou", explica Joni, o nosso instrutor (ver caixa) e guia na altura de subir ao pico mais gelado da estação: La Raca, a 2300m, e qualquer coisa como uns vinte e poucos graus negativos. Aqui, até os pulmões parecem ressentir-se do ar gelado que consomem. Mas a vista compensa qualquer pequeno desconforto. Lá em baixo, Astún parece ainda mais pequena e nas nossas costas abraçam-nos os imponentes picos que apenas um dia antes nos tinham acolhido em Formigal.
Correr na neve? Ao terceiro dia, deslizar, bem ou mal, já sabemos. Nas quedas, estamos licenciados. Saltar, isso. enfim, já vimos fazer. Mas correr? Marchar encosta acima? É essa a proposta com que Fernando, o nosso guia das montanhas da Aragón Aventura, nos dá os bons dias, encaminhando-nos ao off-piste de Candanchú, onde finalmente aproveitamos o facto de estarmos num hotel com saída quase directa para as pistas.
Nos pés, em vez de botas e pranchas de esquis, mantemos as botas de neve e prendemo-las naquilo a que se chama raquetes de neve: uma miniprancha, em forma de barco, servida por espigões que permitem caminhar na neve sem o perigo de escorregar. A caminhada começa a um ritmo fácil. Devagar vamos subindo, raquete a raquete, uma zona de neve virgem, a melhor para este tipo de exercício.
Mas, depois de uma primeira introdução, começam os desafios como correr na neve. Fernando que havíamos de descobrir, mais tarde à conversa na cantina, ser o detentor do recorde do Guinness do homem que permaneceu mais tempo em altura: Aconcagua, a 6959m mostra-nos como é fácil.
Basta correr e esquecermo-nos do piso onde o estamos a fazer. Depois é subir uma encosta íngreme, num passo entre a corrida e a marcha.
E descer (sem ser a rebolar) ao mesmo ritmo.
As brincadeiras que se podem fazer com raquetes são várias e algumas exigentes, mas a grande vantagem do seu uso é precisamente o facto de não ser preciso nenhuma preparação física para poder tirar proveito delas.
É verdade que é possível correr na neve. Mas também se pode aproveitar a oportunidade para descansar as raquetes e contemplar a montanha, hoje, no nosso último dia, ainda mais branca. Serão as estâncias sempre mais brancas na hora da despedida?
Onde dormir
Hotel & Spa Aragón Hills
Hotel de quatro estrelas, num edifício de charme de montanha, onde impera uma decoração clássica. Os quartos são espaçosos e o aquecimento de chão permite até andar descalço. O que, depois de ter os pés aprisionados numas botas de esqui, pode tornar-se um pequeno deleite. Para recuperar do cansaço das pistas, o hotel integra um spa com circuito termal.
C / San Sebastián, s/n -Urb. Formigal.
22640 Sallent de Gállego-Huesca
Tel.: +34 974 490 292
E-mail: reservas@aragonhills.es
www.aragonhills.es
Hotel Edelweiss
Com três estrelas, o hotel, a 50m de uma telecadeira com acesso às pistas de Candanchú, apresenta-se todo voltado para a montanha, o que permite vistas sempre grandiosas e, por esta altura, branquinhas. Os quartos oferecem aquecimento central, reforçado por um aquecedor a óleo, e o bar convida ao convívio, sobretudo alimentado pela simpatia do staff.
Candanchú -Huesca
Tel.: +34 974 373 200
www.edelweisscandanchu.com
Como ir
A Iberia faz as rotas Lisboa/Porto-Saragoça com escala em Madrid.A ligação entre a capital espanhola e o aeroporto de Saragoça faz-se pela companhia de voos regionais Air Nostrum. De Saragoça para Formigal há transferes que podem ser tratados com os hotéis de destino. Se optar por levar carro, Formigal fica a 1100km de Lisboa e a pouco mais de 900km do Porto, sendo a maior parte do caminho feito em auto-estrada.
A Fugas viajou a convite do Turismo de Espanha