Fugas - viagens

Paulo Pimenta

Uma mata de árvores, monges escondidos e mistérios insondáveis

Por Maria João Lopes

Bastou passar os portões da Mata do Buçaco para nos sentirmos imediatamente transportados para outra dimensão. Será o silêncio? A presença da religião em cada um dos recantos mais escondidos? As árvores enormes? Talvez seja um pouco de tudo isto. O certo é que, lá dentro, o tempo parece suspenso

Eles já não estão lá, mas é impossível não os imaginar quando se espreita para dentro de uma ermida de habitação que, em tempos, foi ocupada pelos Carmelitas Descalços.

Imediatamente, eles aparecem-nos a rezar ou em contemplação nos mais secretos recantos da Mata do Buçaco. Imaginamo-los a percorrer trilhos, em silêncio, por entre as árvores centenárias e o nevoeiro denso que, com frequência, cai sobre a mata. Enquanto o grupo se perde nestes pensamentos, há apenas um ruído: 15 pessoas caminham lentamente, pisando as folhas que cobrem o chão. Volta e meia, ouve-se o riso de três miúdos que fazem o que os adultos não se permitem, por inibição: correm, enfiam-se em grutas, pegam em tritões e brincam com ramos de árvores caídos.

É Luís Jordão quem nos chama à realidade. É o nosso guia, nesta manhã de domingo que marca o arranque de um programa que a Fundação Mata do Buçaco vai promover, ao longo do ano, em conjunto com a empresa de animação turística Desafio das Letras. O objectivo é divulgar os valores naturais e culturais desta mata nacional, onde os carmelitas começaram a chegar por volta de 1628. Hoje é a vez das Árvores Monumentais.

"Esta é uma araucária australiana. Tem 32 metros de altura", aponta Luís Jordão. A maior parte das vezes, temos que virar tanto o pescoço para conseguir alcançar o topo das árvores que quase nos desequilibramos. Elas são enormes e muitas. A sombra projectada e os finos raios de sol que por entre elas passam tornam o espaço misterioso. "A mata do Buçaco [também se pode escrever Bussaco] tem um dos melhores arboretos em termos de árvores exóticas da Europa", diz o guia, formado em engenharia do Ambiente, precisando que o espaço possui também uma flora autóctone "bastante interessante".

A partir de agora, no primeiro domingo de cada mês haverá diferentes passeios temáticos na Mata do Buçaco, situada na freguesia do Luso, Mealhada.

Essências e Aromas, Pelos passos da Via Sacra, Carvalhais, Acácias e outras ameaças são alguns dos temas dos passeios, nos quais pode sempre aproveitar para revisitar a Fonte Fria e até tomar um café no majestoso Palace Hotel do Buçaco, erguido no século XIX, a partir do convento onde viveram os monges.

Entre as inúmeras árvores centenárias, de porte gigantesco, que podem ser apreciadas, destaca-se a espécie Cupressus lusitanica Miller, originária da América Central que, pela sua antiguidade, adaptação, número e tamanho, se tornou o ex-líbris da Mata, assumindo o nome de Cedro-do-Buçaco (na realidade, é um cipreste). No final da visita, foi oferecida aos visitantes uma semente desta árvore que pode atingir 30 metros de altura. Se viver num apartamento e não tiver onde cultivá-la, pode sempre regressar à mata, que acolherá a semente de bom grado. Se tiver um quintal ou jardim, pode plantá-la -esta árvore tem boa resistência à poluição, adaptando-se bem à cidade.

Quando escolher o sítio, deve apenas lembrar-se que, embora ainda demore uns bons séculos a crescer, é de porte grande.

O nome de origem portuguesa desta espécie resulta, como é explicado na informação dada aos visitantes, de um "curioso equívoco": Miller, o botânico britânico que a classificou, fê-lo a partir de um exemplar proveniente do Buçaco e considerou que a espécie seria espontânea em Portugal e nessa região. Na realidade, terá sido introduzida em Portugal há pelo menos 300 anos.

Durante o passeio, ficará a conhecer o cedro mais famoso do Buçaco e aquele que deverá ser o mais antigo de Portugal: ergue-se junto à ermida de São José, inaugurada em 1644, e deverá ter sido plantado também em meados do século XVII.

Jerusalém bíblica

Luís Jordão chama-nos também a atenção para a oliveira de Wellington: "O duque passou por cá na altura da batalha do Buçaco, talvez tenha atracado aqui o cavalo.", conta. Durante a manhã o passeio só terminou por volta da hora do almoço -, andámos ainda pela Alameda dos Cedros, "que os monges tanto apreciavam", e pelo Vale dos Fetos, que lembra um cenário "pré-histórico". Pelo meio, vimos o castanheiro, "uma das árvores mais bonitas desta mata", o pinheiro-negro, o eucalipto gigante. Assunção Ataíde é uma das visitantes que nesta manhã calçou as sapatilhas e se meteu a caminho. Apesar de já conhecer a mata, quando soube que haveria passeios com guias nem hesitou: "Passear com o Luís Jordão [que já conhecia de outras iniciativas] é um privilégio. Sou fã das visitas guiadas, as coisas têm outro sentido", explica.

Apostar nestas caminhadas é um dos projectos da Fundação.

Nascida há cerca de um ano, tem como missão dar uma nova vida à mata, que esteve durante muitos anos "sem gestão" e em relativo abandono. Mas há mais ideias, que passam, por exemplo, por transformar casas florestais em unidades de alojamento e criar percursos com guias multimédia e trilhos sinalizados.

O trilho da água; o da natureza; o militar; o da via-sacra; e o da floresta relíquia são os cinco percursos que a Fundação pretende dinamizar: "Queremos recuperá-los, limpar, recuperar caleiras, repor paralelepípedos que desapareceram", diz a coordenadora de projectos da Fundação, Luísa Ramos. A acompanhar estes trilhos haverá um desdobrável com a história da mata e um mapa, onde estarão assinalados os pontos de interesse.

Está também previsto, para 23 de Fevereiro, o lançamento do site da Fundação -www.fmb.pt -com toda a informação acerca dos projectos em curso: "Temos muitas actividades. É o ano internacional das florestas, o ano europeu do voluntariado, o ano europeu do morcego. Vamos ter visitas nocturnas, temos aqui pelo menos 16 espécies de morcegos", frisa a responsável. Nestes projectos, está também incluído o restauro de todo o património edificado da mata o convento, as capelas, as ermidas, as fontes, os cruzeiros, numa iniciativa da Universidade de Aveiro em parceria com a Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva.

Luísa Ramos admite que naquela mata se cruzam diferentes elementos e que é difícil separá-los: a componente espiritual e religiosa está intimamente ligada à artística e arquitectónica e, ainda, à natureza.

Os frades "tinham um conceito holístico, entre arquitectura e natureza", diz. Para ajudar os visitantes a explorarem todo o simbolismo e história da mata, vai abrir, no final do próximo ano, um centro interpretativo.

É uma forma de dar a conhecer o "singular significado" do conjunto arquitectónico e paisagístico da mata, como escreve Paulo Varela Gomes no livro Buçaco, o deserto dos Carmelitas Descalços. Segundo o historiador, "o convento, as ermidas e os pequenos edifícios dispersos pela mata formam um dos mais vastos e originais conjuntos arquitectónicos desde sempre erguidos pela ordem monástica dos Carmelitas Descalços". Apesar de terem construído outros semelhantes na Europa e na América Latina, o do Buçaco destaca-se, sendo "aquele que apresenta maior valor arquitectónico".

Erguido entre 1620 e 1690, inclui não só um deserto, que designava o conjunto formado pelo convento e pelas ermidas de habitação, como também um Sacromonte, constituído por pequenos edifícios e ermidas que são "como que um 'parque temático' cristão, simbolizando a cidade de Jerusalém, palco do martírio de Cristo", escreve o também docente de arquitectura da Universidade de Coimbra. Mas nem só a arte nos remete para a Palestina longínqua e para os tempos, "mais longínquos ainda, das origens do cristianismo".

"Todo o Buçaco, das pedras às árvores, é uma invocação da Jerusalém bíblica".

Apesar de antes dos frades carmelitas descalços se terem instalado no Buçaco a serra pertencer ao Mosteiro dos Beneditinos da Vacariça, situado a cinco quilómetros, a identidade da mata está sobretudo ligada aos carmelitas. A 3 de Abril, dia marcado para o passeio Pelos Passos da Via Sacra, poderá descobrir mais sobre esta "paisagem sagrada", percorrendo a via que representa, através de capelas e de figuras, os passos de Cristo, tal como em Jerusalém.

Estamos num "bosque sagrado". Aliás, algumas teorias defendem que o nome Buçaco poderá ter origem nas expressões "bosque sagrado" ou "bosque sacro". São hipóteses. Ali quase tudo é mistério.

Informações

As diferentes visitas temáticas realizam-se, entre Março e Dezembro, no primeiro domingo de cada mês. O número de participantes de cada percurso é limitado a 25 pessoas, podendo haver desdobramento das visitas caso a procura o justifique.

Os percursos são pedestres e orientados por especialistas.

Dirigido ao público em geral, o programa de animação pode ser feito em família. Segundo a Fundação Mata do Buçaco, que organiza a iniciativa em parceria com a empresa Desafio das Letras, trata-se de um "programa de interpretação e lazer, que não exige um esforço físico elevado e que pretende, sobretudo, promover a troca de conhecimento e informação".

Inscrições e preços

Email: domingosnamata@fmb.pt Telemóvel: 931147020 ou 939200733 Preços: 15€ por adulto e 5€ por criança até aos doze anos (já inclui o pagamento de 5 euros para entrar com carro na mata) A inscrição deve ser feita previamente, até à sexta-feira anterior. O pagamento é efectuado através de transferência bancária.

O que levar

Calçado confortável, água, máquina fotográfica e algo para petiscar durante o percurso.

Como ir

Para quem vem do Norte ou do Sul, o caminho mais rápido para chegar à Mata Nacional do Buçaco é através da A1. Deve sair em Anadia/ Cantanhede/Mealhada e, depois, seguir através da EN234 até ao cimo da Serra. A partir de Coimbra ou do Porto também é possível utilizar o IC2 e, na Mealhada, cortar para a EN234. 

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