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O ecoturismo é o diamante da Chapada Diamantina

Por Amílcar Correia

A procura de diamantes desenvolveu a Chapada Diamantina, no estado brasileiro da Bahia. Mas também a exauriu. A criação de um parque natural e a ajuda de uma telenovela reviraram-lhe o destino. De uma geração para a outra, o pai deixou o garimpo, o filho quis o ecoturismo. Há uma velha história para conhecer e uma nova para contar.

As mãos de Coriolano são como o fundo do Paraguaçu. O cascalho do leito deste e de outros rios da Chapada Diamantina deslizou pelas suas mãos até estas ficarem tão gastas e raspadas como a sua bateia mais gasta e mais raspada. Coriolano Rocha de Oliveira viveu o seu ofício de garimpeiro desde os 12 anos e durante 65 viveu de garimpo em garimpo. Há sete que este homem de 84 anos insiste em recordar, no seu improvisado garimpo caseiro, o que foram os diamantes para várias gerações de homens do Nordeste brasileiro entre meados do século XIX e o princípio do século XX.

Na Rua dos Negros, em Lençóis, a principal cidade desta região do Estado da Bahia, no Nordeste do Brasil, Coriolano reconstituiu uma "toca". A "toca"  - uma réplica daquela que habitava no tempo em que garimpava - é  uma tosca habitação de um só compartimento, com catre e espaço para acender o lume, revestida a barro e coberta por folhas de palmeira. Lá dentro, estão todos os velhos e enferrujados utensílios do dia-a-dia da autêntica tarefa de Sísifo que era e é a procura de diamantes. O que este antigo garimpeiro faz em casa é a demonstração viva de um passado que ocupou e desgastou demasiados homens que escavaram a Chapada com a esperança de enriquecer ou, na maioria dos casos, de enganar a fome e alimentar a família.

Num picual, um cilindro oco de raiz de imbé, como sempre fez, Coriolano guardou três diamantes de diferentes espécies, com os quais reproduzia, até há pouco tempo, até ser proibido pelo médico, a arte de os misturar num tanque com o cascalho do fundo de um rio, de os recolher com uma bateia e de os recuperar de novo. "Já me chamaram doido, mas encontro sempre [os diamantes]. Haja coluna." E agora, aos 84 anos, há que o reconhecer, há cada vez menos.

Alfrânio Peixoto, erudito de Lençóis, romancista, ensaísta, político, médico e, entre outras coisas, autor de Viagens na Minha Terra, livro de deambulações por Portugal, escreveu vários livros e compilou as Trovas Brasileiras - Populares: popularizadas. Numa estante da sua casa-museu, entre o centro da cidade e a casa do garimpeiro, é possível escolher e dedicar uma das trovas populares às mãos - e à coluna - de Coriolano. "Esperteza e Bom Senso: As idades neste mundo/têm os quinhões desiguais/moço pode, mas não sabe/velho quer, não pode mais".

Pode-se dizer que Coriolano foi esperto e sensato, não se pode dizer que Coriolano tenha enriquecido, "porque o patrão ficava com o dinheiro todo". Mas o velho garimpeiro teve um percurso diferente de quase todos os outros. Daqueles que, em momentos de embriaguez diamantífera, gastavam o que tinham e o que ainda não tinham em mais álcool e em mais raparigas. Ou que o despendiam em filantrópicos actos de religiosidade, como o caso do mãos-largas que erigiu a Igreja de São Sebastião em Igatu, diante do local onde descobrira o valioso diamante e que, claro, regressou ao garimpo mal se esgotou o dinheiro da venda. Mas pode-se dizer dele o que João Ubaldo Ribeiro dizia do seu Tertuliano: "Não vivera uma vida gloriosa porque não era seu destino."

Coriolano, que voltou a casa, definitivamente, quando a água começou a escoar, muito por culpa dos efeitos de assoreamento do garimpo e dos períodos de seca, é a memória viva do garimpo; um garimpeiro modelar, a crer na sua própria definição: "Aprendi a arte com meu pai e ainda hoje visto a minha roupa branca de garimpeiro, com pano de Valença. Recebo muitas escolas para explicar como se fazia o garimpo e tenho este livro aqui com os nomes de quem me visita. Não gastei o dinheiro em bebida e em mulheres", insiste, "e construí esta casa onde vivo com meus filhos."

Coriolano teve sete filhos e "todos se formaram no Magistério, mas só dois executam a profissão [de professores] ". Alguns chegaram a fazer garimpo com o pai e um deles era mesmo um talismã. Nas três vezes em que acompanhou Coriolano, Sílvio desencantou diamantes. Os outros garimpeiros pediam ao pai que o levasse sempre e sempre, mas Sílvio Rocha de Oliveira quis outra vida. A sua vida, de portas abertas, sentado a uma secretária, é dupla: tem uma agência que vende serviços de ecoturismo - "menos passagem aérea" - e um punhado de computadores para acesso à Internet - "a mais rápida da Chapada".

A Ecotur ocupa o rés-do-chão de um edifício, de portas esguias e altas, de um verde esmaecido, na Praça de Horácio de Matos, o centro de gravidade de Lençóis, cujo edifico mais alto, de três pisos, foi em tempos o consulado francês. Estávamos na primeira metade do século XIX e a economia da região crescia com os diamantes de Lençóis, Iraquara, Andaraí, Mucugê, Igatu e Ibicoara. "Meu pai", diz Sílvio, com um sorriso branco, "tem três páginas no Google e foi o actor principal deste documentário [Jardim de Plástico, de Delmar Araújo]". De uma geração para a outra, o pai deixou o garimpo e o filho dedicou-se ao ecoturismo.

Dois factos contribuíram para a transição, explica Sílvio, de 42 anos. "Primeiro, o impulso maior foi a criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina em 1985 e, depois, a novela Pedra sobre Pedra, de 1992". A novela com Renata Sorrah e Lima Duarte, da Rede Globo, teve 178 capítulos e um papel importante na divulgação das riquezas naturais da Chapada Diamantina.

Com uma agricultura paupérrima, numa região ainda mal refeita do capítulo final da exploração diamantífera, o turismo surgiu como salvação natural para quem descobriu um novo filão que, embora não garantisse riqueza, era sinónimo de mais e melhor subsistência. "As pessoas ganham mais agora que na agricultura", observa, "e os jovens querem profissionalizar-se: toda a gente tem um único meio económico no turismo".

Lá fora, à medida que o sol vai rodando, pessoas e animais vão seguindo o ciclo da sombra e, de quando em vez, um carro ou uma das muitas motorizadas sobem o empedrado, num bamboleio de pneus sem pressa. Nesta praça de homenagem ao antigo coronel de Lençóis, semelhante a uma versão nordestina de Paraty, só o Banco do Brasil conseguiu destruir a harmonia herdada, como uma peça de Lego no local e na proporção errada.

Hoje, Coriolano reinventou-se e até faz sorvetes de umbu para o restaurante da filha, o Bode. Chamam ao Paraguaçu "a caixa de água da Bahia". Será que um dia o próprio rio será tão seco quanto as mãos do antigo garimpeiro?


Hopetown ou São Paulo?

Lençóis, a 417 quilómetros de Salvador, a capital do estado, é a porta de entrada na Chapada Diamantina - um parque com uma área de mais de 70 mil quilómetros quadrados. É aconselhável montar a partir desta cidade património nacional qualquer roteiro pelos inúmeros caminhos deste parque natural, um dos maiores do país. A cidade não tem mais de 10 mil habitantes, mas possui uma impressionante concentração de hotéis de qualidade, bons restaurantes e alguns bares de bom gosto.

É nesta cidade que se encontram os serviços e ofertas de guias para trekkings no Morro do Pai Inácio, visitas aos poços Encantado e Azul, às grutas da Lapa Doce e da Pratinha ou às inevitáveis cachoeiras, a mais célebre das quais é a da Fumaça e a mais recôndita a do Buracão, para lá desse fim do mundo que é Ibicoara (ver texto nas páginas seguintes). Entre Lençóis e Ibicoara existem outras cidades que viveram da procura de diamantes e que agora vivem do ecoturismo, o que não é um engodo político e populista, e que se tornou em algo valioso e incriticável para quem aqui vive. Para o secretário do Turismo do Governo estadual da Bahia, o ecoturismo foi um "avanço civilizatório", por ter "conduzido a administração municipal a considerar a preservação da natureza como um modelo de negócio". O negócio de que Domingos Leonel fala consiste em "preservar a natureza e os valores culturais".

As pequenas localidades como Andaraí, Mucugê ou Capão, com as suas reminiscências africanas, adormecem após o almoço, porque o sol assim as obriga, e sentam-se, à noite, em cadeiras de plástico à porta de casa. São cidades com poucos milhares de habitantes, algum comércio local, apenas o suficiente, um posto de correio, às vezes um banco, o que não é garantia de que se possa fazer algo rápido e de que uma caixa multibanco funcione, e uma praça à volta da qual tudo gira. O tempo escorre lentamente. As cidades vão curando as cicatrizes, longas mazelas de um longo intervalo entre os tempos do garimpo e os tempos mais aceitáveis de hoje, numa economia empurrada pela Petrobás para o estatuto de sexta economia mundial.

As primeiras jazidas de diamantes na Chapada foram descobertas na década de 40 do século XIX, o ecoturismo é uma certeza deste século. A gula chamou sertanejos e famílias do Recôncavo baiano; das cidades sobranceiras à Baía de Todos os Santos. Nessa altura, Igatu, a 114 quilómetros de Lençóis e a 800 de altitude, tinha cerca de 9 mil habitantes, hoje tem 400. A rápida ascensão e queda do negócio dos diamantes na Chapada Diamantina, bem como em outros pontos do Brasil, tiveram uma explicação tão prosaica quanto acidental. Porque foi por mero acidente que uma criança encontrou um diamante, em 1866, numa fazenda nas margens do rio Orange, em Hopetown, na colónia britânica do Cabo, na África do Sul, 22 anos depois de ter sido encontrado o primeiro diamante em Mucugê. Há nomes que são um presságio.

A rápida descoberta do valor daquela pedra, e a descoberta de muitas outras em outros locais do gigante da África austral, chamou aventureiros de todos os cantos e desviou o investimento no garimpo do Nordeste brasileiro. Os jornais do Cabo chamavam-lhe "diamants fever", lembra Martin Meredith em Diamonds, Gold and War - The Making of South África.

"Com a decadência do garimpo, na década de 60, os habitantes foram emigrando para São Paulo; vendiam portas e telhas em cidades vizinhas, que se estavam desenvolvendo", conta Marcos Zacariades. "Os que ficaram, para matar fome e miséria, comiam roedores e répteis". Marcos deixou Salvador há oito anos e veio habitar este cenário de "filme medieval", como lhe chamou o jornal Folha de São Paulo, com as suas "ruínas e casas de pedra entremeadas por casas de alvenaria", porque "estava tudo por fazer" e, acima de tudo, o que é uma espécie de máxima, "porque temos de acreditar no inusitado".

Inusitado é a palavra correcta para descrever o trabalho, o empenho e as intenções de Marcos em Igatu: reanimou um centro cultural, criou uma galeria de arte e um espaço de exposição de velhos utensílios do garimpo e quer construir um museu dedicado a esta actividade e à preservação da sua memória, com uma forte componente virtual e multimédia, cuja referência estética e arquitectónica são as obras de Eduardo Souto Moura.

Marcos sabe que é impossível recuperar o passado tal como ele era, como se fosse realizável viver num livro de Herberto Sales, um escritor de Andaraí com uma vasta bibliografia, alguma da qual dedicada ao garimpo, como num dos seus livros mais conhecidos: O Cascalho. Mas também sabe que o local onde habita se chamou em tempos Bairro Luís dos Santos e que é um cemitério de ruínas de antigas casas de garimpeiros, circundado por mata atlântica quase intocável, numa mistura umbilical com as pedras dispostas aleatoriamente pela paisagem como se fossem pedras-pomes, que lhe valeu a classificação de património nacional. A criação, aqui, de um parque municipal é só um começo.


A Machu Picchu baiana

Igatu é, de resto, uma cidade inusitada. Chamam-lhe a Machu Picchu baiana, o que será sempre uma hipérbole se comparada com a verdadeira, mas não deixa de ser acertada se a compararmos com a sede do município a que pertence, Andaraí. Mas quem conhecer Humberto Leite e a sua gruna, um garimpo subterrâneo, cujo nome se deve ao facto de não ser uma abertura natural e de ter sido aberta por humanos, conhecerá o verdadeiro inusitado.

Humberto Lopes, mais conhecido por Badega, "um objecto grande", está sentado num tronco tombado, protegendo-se do sol da hora de almoço. Ele é um dos três membros de uma associação que se entregou à tarefa de reconstruir a memória deste antigo garimpo de diamantes, escavado numa rocha, da qual se soltou água suficiente para fazer um poço substancial à entrada. A associação Gruna Brejo/Verruga conseguiu recuperar 80 nomes dos 250 garimpeiros que constituíram "a última turma" a trabalhar ali, na década de 50. E destes 80, 45 ressuscitaram no interior da gruna.

Basta seguir Humberto por um corredor lateral ao poço, mergulhar os pés na água e na areia e percorrer o labirinto caprichoso e estreito. À medida que vai deixando milimetricamente espalhadas as velas que mal nos iluminam os passos e o tecto, Humberto conduz-nos por várias alas até chegarmos à câmara principal; a das esculturas de barro deitadas sobre tabuleiros.

Cada uma das 45 esculturas - todas do mesmo tamanho - tem um nome e uma intenção: a de reproduzir com fidelidade a expressão facial de um determinado garimpeiro. Humberto, o Badega, sabe pormenores sobre todos eles, inclusive sobre João Gringo, um moço que sabia o suficiente de motores para se transferir do Rio de Janeiro para a então próspera Igatu, onde ficou a cuidar do funcionamento e manutenção das bombas hidráulicas. Numa terra onde as pessoas são conhecidas pelos apelidos de família, Gringo ainda diz alguma coisa em Igatu e Andaraí. 

Se é verdade o que Dalmon Galgut escreveu num dos seus livros de viagem, que "aquilo de que não nos lembramos nunca aconteceu", então é forçoso reconhecer que a evocação destes homens faz com que eles nunca mais desapareçam desta gruna. Porque o que faz Humberto, no interior destes corredores húmidos, é acender a memória de cada um deles, partilhar o seu ritual com os poucos visitantes que sabem da sua existência. Longe dos roteiros turísticas, visitar a gruna de Igatu é participar numa viagem com o seu quê de místico na minúscula Machu Picchu nordestina.

Basta procurar o Badega. Ele lá estará, sentado num tronco, de chapéu na cabeça e um pacote de velas no bolso. As mãos do Badega são escuras como o fundo da gruna.


Morros, cachoeiras, grutas, poços ou quedas de água?

É possível caminhar pelos vales do Parque Natural da Chapada Diamantina sem um fim à vista. Este é o destino mais exclusivo e remoto da multifacetada Bahia.

Inácio era um escravo, que dizem ter sido reprodutor, que dizem ter sido devidamente atrevido. O que a lenda assegura, mas existem sempre versões diferentes, com diferentes desfechos, é que o destemido Inácio foi visto, numa cachoeira, com a "sinhá". Ao certo, não se sabe se a "sinhá" era a mulher ou a filha do coronel. O escravo que deparou com aquele inusitado cenário correu de imediato para a fazenda, de modo a poder avisar o seu coronel, mas o que aconteceu foi o que aconteceu demasiadas vezes: mata-se o mensageiro. Coronel, na América do Sul, nunca foi sinónimo de tolerância.

Os seus jagunços lançaram-se no encalço de Inácio, mas este terá sido avisado pelas mulheres da fazenda, solidárias com este romântico inquebrável. Inácio terá procurado refúgio num morro, de onde poderia ter uma vista privilegiada sobre quem o perseguia. Como em outros casos de amor e perdição, também este terminou em tragédia. Inácio, sem escapatória possível, terá saltado do alto do morro, com uma sombrinha aberta, oferecida pela amada proibida. A delicada sombrinha não terá salvado o escravo, mas nunca se sabe, porque o final da lenda a cada um pertence. E, afinal, é essa a substância da lenda. O morro tem tido os seus momentos de glória. Não só porque já foi tema de filme, O Morro do Pai Inácio, como também foi um dos protagonistas da novela Pedra sobre Pedra.

A mais de mil metros de altitude, o morro situa-se numa região que há biliões de anos estava submersa, e cujas rochas possuem configurações distintas, com camadas de arenitos, conglomerados e calcários. Não espanta, pois, que a Chapada possua o maior acervo espeleológico da América do Sul. Este enorme morro, do qual se pode apreciar uma incrível paisagem de vales e mais vales, numa terra desabitada, transformada em área protegida, é a porta de entrada no Parque Natural da Chapada Diamantina e um dos seus ex-líbris mais importantes.

A paisagem, com características geológicas muito marcadas, oferece uma sucessão interminável de morros, cachoeiras, grutas, poços ou quedas de água, pantanais e representações rupestres, à mistura com alguma vida selvagem: veados, onças pretas ou macacos prego. Em quase todas elas é permitido e seguro tomar banho. Numa, na gruta do Lapão, em Lençóis, pode fazer-se "o único cave jump do mundo, um tipo de salto na boca de uma caverna, variação do bungee jump".

A gruta Azul, a gruta da Pratinha, a gruta da Lapa Doce, a queda de Águas Claras, mas, sobretudo, as cachoeiras da Fumaça e de Buracão são as mais imponentes. No entanto, essa imponência só é real caso tenham água. E o que acontece é que, nas alturas de menor pluviosidade, as cachoeiras podem ser reduzidas a uma ínfima expressão de si mesmas. A cachoeira da Fumaça, por exemplo, tem 380 (420) metros de queda livre, o que faz dela a maior cachoeira do Brasil.

Na maior parte dos casos, o acesso a estas belezas naturais implica alguns percursos a pé e há que contar com alguns trilhos mais acidentados. O que tanto poderá dizer uns breves minutos como um par razoável de horas. É possível caminhar por estes vales, particularmente pelo do Capão e pelo de Paty, sem fim à vista. Não é de todo aconselhável fazer caminhadas solitárias. A Chapada não se presta a heroísmos. O mais sensato é recorrer aos serviços de guias locais, que traçam os percursos e acompanham os viajantes.

De resto, a qualidade dos guias está acima de qualquer expectativa. O ecoturismo teve este impacte positivo: muitos dos jovens guias estudaram espeleologia, arqueologia ou inglês para melhor desempenharem uma função na qual têm de falar sobre estalactites, estalagmites e quejandos minerais; sobre os 70 metros de profundidade de algumas cavernas e os mais de 2000 metros de altitude do pico do Barbado.

Viajar por este parque é também sinónimo de exclusividade, de privacidade, uma vez que o mesmo não tem uma procura massificada. A genuidade nordestina acrescenta a esta paisagem mais severa e agreste, embora verdejante, a devida dimensão humana.


Variedade baiana

A Chapada Diamantina é relativamente desconhecida fora do país, uma vez que a Bahia é bastante mais divulgada devido às suas praias, à sua religiosidade afro-brasileira ou ao seu característico Carnaval, mas não deixa de ser um dos locais mais interessantes do Nordeste brasileiro.

O estado da Bahia é aquele que no Brasil oferece uma maior variedade de ofertas turísticas. É com assumido orgulho e solenidade, para desconforto e provocação de cariocas e de paulistas, que o secretário do Turismo do governo estadual diz o que diz. A oferta de que fala Domingos Leonel é uma espécie de leque que alarga e se encolhe consoante os desejos. A imensidão desta costa - o maior litoral do país, como gosta de destacar o Turismo baiano - com os seus tesouros e os seus lamentos, oferece roteiros de observação de baleias, locais ideais para o turismo náutico e praias, praias, praias. Mas na Bahia despontam agora outros roteiros. Seja o enoturismo, no vale do São Francisco - a Baía é o segundo maior centro de produtos de uvas e de vinhos do país - , ou o ecoturismo no Parque Nacional de Abrolhos ou, particularmente, na Chapada Diamantina.

O turismo religioso convive com o turismo étnico na cidade mais negra no exterior do continente africano. Cerca de 80 por cento da população de Salvador é descendente de escravos africanos, o que faz dos quilombos ou dos terreiros de Candomblé e da festa da Boa Morte, em Agosto, em Cachoeira, atractivos turísticos. Só em Salvador é possível este ecumenismo: os rituais católicos confundem-se com algumas práticas do Candomblé. As farras da passagem de ano, Carnaval, claro, e São João, sem dúvida, são os picos. Para quem não saiba, a Baha também tem um roteiro ao qual chama Turismo GLS, para colocar aquele Estado no "roteiro oficial Gay Friendly".

A Bahia recebe cerca de 9 milhões de turistas anualmente, mas apenas 500 mil são do exterior do Brasil, segundo os dados de 2008 da Fundação Instituto de Pesquisas Económicas. Os turistas vêm sobretudo dos Estados Unidos, França, Alemanha, Itália e Portugal. Porquê os EUA? A liderança, explica Domingos Leonel, tem uma explicação: turismo evangélico.

 

Guia prático

Como ir

Com a excepção da segunda-feira, a TAP voa, diariamente, de Lisboa para Salvador, capital do Estado da Bahia. O preço aproximado dos voos entre as duas cidades é de 928 euros. A ligação entre Salvador e Lençóis, principal cidade da Chapada Diamantina, é assegurada pela TRIP Linhas Aéreas, a maior companhia regional do Brasil www.voetrip.com.br

Quando ir

O melhor é evitar a época das chuvas, que se estende de Dezembro a Março, abrangendo o Verão brasileiro.

Onde ficar

Lençóis

Hotel de Lençóis
Charmoso e confortável. Associa o bom gosto à preocupação ecológica. Nas traseiras desta antiga residência de um coronel, no topo da cidade, existe um bosque repousante com mais de 50 metros quadrados de área verde. Os preços oscilam entre os 221 reais (90 euros), em época baixa, e os 400 (164 euros), em época alta, dependendo, obviamente, do quarto que se pretende www.hoteldelencois.com.br). hotel tem um certificado de Turismo Sustentável.

Hotel Canto das Águas

Igualmente charmoso e confortável. Igualmente sustentável. Aqui, a preservação e o respeito pelo meio ambiente são uma filosofia de vida. Catan, o proprietário, instalou-se cá - chegou a viver na Tocha, na Figueira da Foz - para viver essa mesma filosofia, a sua, 24 horas por dia. O hotel foi construído a uma cota baixa, junto ao rio que escorre pelas enormes pedras de um leito inclinado. As águas cantam todo o santo dia. Os preços são ligeiramente superiores aos do Hotel de Lençóis (www.lencois.com.br).

Existem pequenas pousadas noutras cidades e vilas da Chapada Diamantina, mas de qualidade (e preço) incomparável. As mais simpáticas - as pousadas brasileiras não significam o mesmo que uma pousada em Portugal, pois são instalações hoteleiras mais modestas - situam-se no meio de vales ou fora dos principais centros, como é o caso da Lagoa das Cores, em Palmeira (www.pousadalagoadascores.com.br). Em cidades como Andaraí, a oferta hoteleira é bem mais modesta: a Pousada Sincorá (www.sincora.com.br) ou a Pousada Ecológica (www.pousadaecologicadeandarai.com.br). A primeira dispõe de uma pequena, mas curiosa, biblioteca, da qual constam os principais autores baianos, vários livros de viagens (sobretudo na Amazónia) e... os 30 primeiros volumes da colecção Mil Folhas lançada em Portugal pelo PÚBLICO.

O que levar

É imprescindível chapéu de abas, óculos escuros, protector solar, calçado indicado para trekking e uma apropriada condição física também ajuda. É claro que pode permanecer junto ou dentro de uma piscina. E, aí, o melhor será apetrechar-se antes com alguns dos clássicos da literatura baiana.

O que comer

A cidade de Lençóis oferece uma inesperada variedade gastronómica no interior nordestino. Dos habituais grelhados e da também omnipresente carne do sol ao frango tai e aos raviólis com "recheio de ricota temperada ao molho pesto de manjericão salpicada com castanha do Pará" (sic). Não é de espantar, nomeadamente, se encontrar uma mistura cosmopolita entre os produtos tradicionais nordestinos e ingredientes tão díspares como o wasabi. Isto e muito mais é o que pode encontrar no restaurante Cozinha Aberta, no centro da cidade. No resto da região da Chapada, encontra com facilidade o acarajé, o vatapá, pratos de todo o tipo de moqueca e um grande sortido de doces.

O que fazer

Simples, muito simples. São inesgotáveis os pretextos para as caminhadas por estes vales sem fim. Na Chapada Diamantina, é possível fazer trekking, escaladas, mergulho ou snorkeling, visitar grutas, poços ou tomar banho em cachoeiras. Mas também é natural que dê vontade de explorar a faceta baiana de cada um de nós e, simplesmente, permanecer à sombra (ou na piscina, na gruta ou na cachoeira) pelo tempo necessário até o calor abrandar. Não faltam alternativas: pode, inclusive, visitar pinturas rupestres com 5 mil a 15 mil anos. Na Bahia, não há como não ser baiano. E, como diz  João Ramos, experiente fotógrafo das paisagens da Chapada, "pior que burro, é burro com iniciativa".

A Fugas viajou a convite do Turismo da Bahia

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