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O Crato para além do prior e do festival de Verão

Por Alexandra Prado Coelho

Esta semana, a vila do Crato recebe milhares de pessoas para o seu festival de Verão. Mas a vila que foi sede da Ordem de Malta quer mostrar que vale bem uma visita noutras alturas do ano.

Em praticamente todas as casas da vila do Crato há já quartos prontos para receber os filhos, os netos e os amigos destes que vão chegar nos próximos dias. É assim todos os anos. A vila que foi a sede dos cavaleiros da Ordem de Malta, habitualmente mergulhada numa calma muito alentejana, vê regressar os mais jovens, que partiram para estudar noutras cidades, e que, em muitos casos (cada vez mais) acabam por ficar fora porque ali é difícil encontrar trabalho. Mas o Festival do Crato, no final de Agosto, muda tudo - por quatro dias.

Maria Luísa Bello Morais, proprietária do turismo rural Casa do Largo, no centro da vila, mostra, numa moldura, fotografias de Vitorino e do brasileiro Ivan Lins, recordações de noites em que os músicos, e muitos outros, se reuniram na sua casa, no pequeno jardim à volta da piscina, a tocar e a cantar noite dentro, depois de terem actuado no palco montado na praça central do Crato. A festa dura até de madrugada. E os mais novos acabam invariavelmente à porta da padaria a comprar pão fresco e boleima, um bolo tradicional com açúcar e canela.

O festival começou por ser, no seu primeiro ano, 1984, uma Feira de Artesanato e Gastronomia. "Havia na época uma grande aposta nesse tipo de feiras, que apareceram um pouco por todo o país", conta Luís Pargana, adjunto do presidente da câmara. "Aqui houve desde cedo um cuidado especial com a programação musical." Em 2010, a feira "assumiu-se como festival de Verão, mas com uma identidade muito própria: é um festival que acontece no centro da vila, num piso de calçada portuguesa...".

Por tradição, abre sempre com a Filarmónica do Crato, à qual se seguem artistas locais, nacionais e internacionais. Este ano, a crise obrigou a um ajuste: os artistas internacionais serão portugueses com projecção internacional, como os Dead Combo ou os Buraka Som Sistema. E haverá ainda o regresso ao Crato da Sétima Legião, que em tempos passou pela Feira de Artesanato e Gastronomia, naquele que, diz Luís Pargana, "ainda hoje muitos recordam como o melhor concerto de sempre".

O festival do Crato é - juntamente com a Páscoa - o grande momento de reencontro, de regresso dos jovens à vila (que desde os anos 50 do século XX já perdeu 62% da sua população), e de descoberta do Crato por muitos que não o conheciam (em 2010 houve 35 mil visitantes, no ano passado foram já 47 mil). Mas a câmara da vila quer que as pessoas venham também noutras alturas, que os turistas apareçam em maior número, que o Crato se encha de vida em todas as alturas do ano, que apareça trabalho, agora ligado sobretudo ao turismo, onde antes houve indústria e agricultura.

Vamos, por isso, conhecer o Crato para além do festival - a vila que está lá todo o ano, pacatamente, à nossa espera.

Chico Lindo e o historiador

A principal atracção é o Mosteiro de Santa Maria de Flor da Rosa (século XIV), onde existe desde 1995 uma Pousada de Portugal - um projecto do arquitecto Carrilho da Graça que incluiu a construção de uma ala nova ligada ao velho mosteiro. Mas se hoje o túmulo de D. Álvaro Gonçalves Pereira repousa novamente com dignidade entre as altíssimas paredes de pedra da igreja, e se os hóspedes mais afortunados da pousada podem até vê-lo da janela de um dos quartos, e se é possível dormir numa torre do mosteiro como se fôssemos cavaleiros da Ordem de Malta, ou tomar banho na piscina junto às muralhas do monumento, a verdade é que ainda há não muito tempo tudo aqui era muito diferente.

Para conhecermos a história temos que ir ouvir o homem que foi durante muitos anos o guardião do Mosteiro de Flor da Rosa, e que é, ainda hoje, o guardião das memórias mais antigas. Temos encontro marcado com Francisco Heliodoro Durão - mais conhecido como Chico Lindo - no café O Recanto, no centro da aldeia de Flor do Crato. O Recanto pertence a Leonilde Durão, filha de Francisco, e, garantem-nos os locais, cozinheira de primeira. Mas Francisco tem 89 anos e tantas histórias para contar que uma conversa com Leonilde terá que ficar para outra vez.

Chico Lindo põe em cima da mesa a fotografia de uma mulher vestida de negro, saias até aos pés, chapéu de aba revirada na cabeça, o braço erguido, um dedo a apontar - para onde, não vemos. Mas o filho vai-nos contar. "Não li livros, mas tive uma professora muito importante e tudo o que sei aprendi com ela desde que tenho entendimento." Ela é conhecida por todos como a "ti Maria Francisca Heliodoro" e até aos 95 anos nunca se cansou de mostrar as velhas pedras do mosteiro e de contar as suas histórias a quem as quisesse ouvir.

A família vivia mesmo ao lado do mosteiro, e, estando este num estado de abandono, tomava conta dele. "Andávamos sempre de vassoura na mão", recorda Francisco, que acabaria por se reformar em 1993. "Agora, morro cheio de desgostos por ninguém aprender aquilo."

Não será assim. Alexandrina Capão, funcionária do Posto de Turismo do Crato instalado no Mosteiro, está sentada connosco no Recanto e ouve atentamente as histórias que já ouviu centenas de vezes Francisco contar. E ele é uma torrente. Em cima da mesa aparecem mais fotografias, documentos, cartas. Pede-nos para lermos em voz alta uma carta que enviou a Herman José por causa de num concurso televisivo se ter dito que D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável, canonizado em 2009 pelo Papa Bento XVI, tinha nascido em Cernache do Bonjardim. "Não nasceu nada. Nasceu aqui, toda a gente sabe."

Por isso, um conselho: se encontrarem o Chico Lindo em Flor da Rosa não entrem em discussões sobre este assunto. "Nasceu aqui, no quarto da torre", garante. Pois se era ali que vivia o pai, D. Álvaro, porque é que se há-de discutir mais este assunto? Aliás, a estátua do Condestável está ali, a poucos metros da porta do Recanto. E o facto de Herman José nunca lhe ter respondido não o abala. Afinal, ele até ensinou coisas sobre o mosteiro ao recentemente falecido José Hermano Saraiva, que ali foi fazer um dos seus programas de televisão sobre História de Portugal. "Ele era os mares todos do mundo, e eu uma gota de água, mas aqui ele teve que aprender comigo."

Mostra duas fotografias antigas do mosteiro - numa a fachada principal ainda está de pé, noutra já caiu. A derrocada aconteceu em 1897, depois de terem surgido rachas na sequência do terramoto de 1755. Durante muito tempo parte do mosteiro era uma pilha de pedras caídas. Nova foto: um grupo de homens, entre os quais Francisco, muito jovem, nos trabalhos de reconstrução da fachada nos anos 40 do século XX. A ordem veio do então ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, e é por isso que até hoje Chico Lindo é um admirador do engenheiro, cuja biografia traz escrita num pedacito de papel.

E traz ainda "estatísticas que mais ninguém sabe fazer": quantos trabalhadores do campo, quantos oleiros, carpinteiros, barbeiros, ferreiros, cantoneiros, professores, alfaiates, sapateiros existiam nos anos 1940 e 50 em Flor da Rosa. Hoje a aldeia, que nasceu e cresceu ao lado do mosteiro e cujos habitantes se dedicavam sobretudo à olaria (há também um projecto e uma pequena escola para fazer renascer a olaria local com os Barros Flor da Rosa), está bastante diferente.

Também aqui a população envelheceu e é por isso que a Câmara do Crato está apostada numa revitalização - o atelier de arquitectura Arkhétypos andou a estudar a aldeia histórica e o arquitecto João Jácome explica-nos agora, num almoço no restaurante das piscinas municipais do Crato, que modificações sofreu a Flor da Rosa, e que serão visíveis já a partir de Setembro (para já, o ambiente ainda é de obras e alguma poeira).

Todos os fios e cabos eléctricos vão desaparecer, passando a estar enterrados, os canos de abastecimento de água serão todos substituídos e, em lugar do caos de diferentes tipos de mobiliário urbano que existe actualmente, vai passar a haver uma linha, desenhada pelo atelier, de bancos de jardim, bebedouros, papeleiras, estacionamento de bicicletas, floreiras e pilaretes. Haverá também novos candeeiros, com um desenho inspirado na Cruz da Ordem de Malta.

A confusão entre as muitas variedades de árvores e plantas vai igualmente ser substituída por uma escolha de espécies autóctones que permitirá, entre outras coisas, distribuir as zonas de sombra pela aldeia. Espera-se assim que, em breve, os turistas que passam pela pousada, ou que se instalam nos turismos rurais do Crato e da Flor da Rosa, possam passear por uma aldeia histórica renovada.

O turismo é, de várias formas, a grande aposta da região. História não falta - afinal, foi aqui a sede da Ordem de Malta, originalmente chamada Ordem dos Hospitalários. Acontece que em 1662, durante as guerras da Restauração, as tropas de D. João de Áustria deixaram o Crato devastado. O castelo (actualmente na posse de privados) foi destruído, assim como o Palácio no centro da vila, do qual só resta a janela do Grão-Prior (durante muito tempo emparedada e agora renascida, com toda a dignidade de único testemunho de uma época histórica). Com as invasões, foram destruídos também os arquivos da Ordem de Malta em Portugal e com eles a possibilidade de conhecer mais profundamente a sua história.

Mas há muitas outras histórias no Crato. Umas vêm de muito longe, por exemplo as das antas megalíticas (há 72 inventariadas na zona), como a Anta do Tapadão, situada numa propriedade privada mas que pode ser visitada desde que mantenhamos as vacas que por ali pastam debaixo de um olho atento. Outras são mais próximas, como as dos trens e coches antigos que Luísa Bello Morais tem guardados no espaço de um antigo lagar em frente à sua Casa do Largo, entre as quais uma sege do bispo de Portalegre, do século XVIII.

Descobrir o Crato é também passar por estes sítios, ir almoçar ao Lagarteiro, em Gáfete, onde Dinis Palma e Jacinta nos recebem com gaspacho fresquinho, cação de coentrada ou migas de batata com entrecosto, ou experimentar a cozinha do senhor Edmundo, que depois de muitos anos na Marinha se pôs a fazer uns petiscos e agora serve cozinha tradicional (não perder a sopa de tomate e as migas de espargos bravos) no restaurante Prior do Crato, à beira da piscina municipal -  e é ir provar o tecolameco, o bolo tradicional feito pelas pasteleiras da região.

É ouvir contar como houve aqui dois casamentos reais no século XVII (o de D. Manuel I e o de D. João III). E perceber que há mais de meio século se espera a construção da barragem do Pisão, que, acreditam os locais, há-de trazer água, turismo e vida para a região. E que, afinal, o que aconteceu foi que o comboio deixou de passar e a estação de Vale de Peso ainda tem os seus azulejos, mas está vazia, silenciosa e triste.

E voltar a visitar Chico Lindo, para ele contar como "os ciganos acamparam 30 anos ao pé do túmulo de D. Álvaro e tentaram abri-lo a tiro". Depois a população conseguiu levar o túmulo para a igreja da aldeia, onde foi aberto, e Francisco viu os ossos a desfazerem-se, e "até uma rótula do joelho". Quem olha hoje o túmulo não sabe estas histórias, que, no entanto, não se cansa de repetir, "são a realidade da verdade".


Guia prático


Quando ir

Festival do Crato - Para quem quiser descobrir a vila no auge da animação, a melhor altura para ir é durante o festival, que decorre de 29 de Agosto a 1 de Setembro. O passe custa 20 euros, os bilhetes para cada dia vão dos seis aos 10 euros. Há zona para campismo gratuito. Quem quiser uma versão mais calma pode ir em qualquer outra altura do ano. No Verão as temperaturas podem ser bastante elevadas, mas há uma piscina municipal e piscinas noutros alojamentos locais.


Onde ficar

Casa do Largo
Praça do Município nº2
Tel.: 245997001; 936494275
www.casadolargo.com
Turismo rural mesmo no centro da vila, numa antiga casa de família, com jardim e piscina, e sete quartos. Pequeno-almoço com sumo de laranja natural e compotas caseiras. E ainda o atendimento personalizado de Luísa Bello Morais, a proprietária (que, se desejarem, vos levará a conhecer uma colecção de carros de cavalos que ela gostaria de ver a percorrer novamente as ruas do Crato).

Pousada da Flor da Rosa
Mosteiro de Santa Maria, Flor da Rosa
Tel.: 245697210
www.pousadas.pt
Inaugurada em 1995, com um projecto do arquitecto João Luís Carrilho da Graça, que recuperou a parte antiga e lhe juntou uma ala nova. Situada num local histórico, o mosteiro que foi sede da Ordem de Malta, a pousada tem alguns quartos especiais - um deles tem vista para o interior da igreja e para o túmulo de D. Álvaro Gonçalves Pereira, outro tem um terraço privado numa das torres. Tem piscina e restaurante.

Palacete de Flor da Rosa
Rua da Cruz nº 19, Flor da Rosa
Tel.: 245996451
www.palaceteflordarosa.com

Solar A Flor da Rosa
Rua D. Nuno Álvares Pereira, nº32-34, Flor da Rosa
Tel.: 2455996550
www.solar-aflordarosa.com


Onde comer
(cozinha regional)

Restaurante O Lagarteiro
Bairro de Santo António, lote 1 - Gáfete
Tel.: 245790113

Restaurante Prior do Crato
Parque Aquático - Zona Desportiva do Crato
Tel.: 245990197

Restaurante O Recanto
Rua D. Nuno Álvares Pereira - Flor da Rosa
Tel.: 245996112


A Fugas viajou a convite da Câmara Municipal do Crato

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